Estudo sobre Isaías 5

Isaías 5

O cântico da vinha (5.1-7)
Esse cântico é um dos mais belos exemplos da arte e habilidade do profeta em todo o livro de Isaías. Na sua estrutura, é semelhante aos cânticos alegres que devem ter sido muito comuns nas festas da colheita ou da vindima; mas um tom “azedo” logo se faz ouvir na última frase do v. 2, uvas azedas (uma única palavra no heb.). Os ouvintes de Isaías, que podemos imaginar reunidos para fazer festa, devem ter aguçado os ouvidos nesse ponto. De todo modo, quem era o infeliz amigo (BJ: “meu amado”) de quem ele estava falando? Alguns ouvintes um pouco mais perspicazes devem ter começado a pensar em termos metafóricos, porque pessoas apaixonadas e noivas eram às vezes descritos como vinhas (cf. Ct 8.12) — será que o profeta estava se referindo à esposa infiel de algum amigo?

Nesse ponto (v. 3), Isaías começa a falar na primeira pessoa, como se a vinha problemática fosse dele. Ele pede conselho à sua plateia (somos lembrados da parábola de Natã, 2Sm 12.1-7). O remédio que ele sugeriu deve ter chocado os seus ouvintes como algo extremamente drástico; e será que o profeta estava realmente propondo uma seca localizada (v. 6), como Elias, que certa vez tinha ordenado uma seca muito mais séria (lRs 17 e 18)? A verdade só vem à tona no v. 7: o Senhor é o dono, e Israel e Judá são juntas a sua vinha. A perversão da justiça é a essência da queixa de Deus por meio do profeta; essa lição é inculcada com um magistral jogo de palavras, pois em hebraico “justiça” é mispãt, enquanto “derramamento de sangue” é mispãh, e “retidão” é sedãqãh, enquanto um “grito de aflição” é se‘ãqãh. As palavras são extraordinariamente semelhantes, mas as realidades por trás das palavras são os contrastes mais extremos possíveis.

Essa foi a acusação que ficou zunindo nos ouvidos dos habitantes de Jerusalém — de fato um gosto desagradável na boca na época da festa da vindima!

Essa parábola em cântico se constituiu no fundamento da parábola dos maus lavradores (Mc 12.1-9).

Um veredicto sêxtuplo (5.8-23)
Essa seção de seis “ais” segue de forma muito adequada o cântico da vinha, que reflete de maneira breve e em forma ilustrada os defeitos grosseiros da sociedade. Os “ais” seguem fazendo acusações detalhadas, citando os castigos que certamente seguirão. Como nos caps. 3 e 4, o retrato de luxúria despreocupada sugere um período inicial no ministério de Isaías.

Um dos maiores problemas da sociedade israelita (nos dois reinos) era a questão da propriedade. De maneira fácil e rápida demais, a sociedade se polarizava entre os grandes proprietários de terras de um lado e os camponeses afligidos pela pobreza por outro. (V. no comentário de Kaiser uma discussão muito útil da economia de Judá.) Em certa medida, esse processo era inevitável, mas indubitavelmente era acelerado pela avidez por terras por parte dos ricos que são repreendidos no v. 8. A ameaça no v. 10 é de uma colheita muito fraca; Uma vinha de dez alqueires vai produzir aproximadamente 30 litros de vinho, enquanto a colheita de trigo vai ser meramente um décimo da semente semeada.

A voracidade dos ricos proprietários de terras era combinada com sua devassidão e maldade (v. 11,12) e seu escárnio diante da verdade e sua perversão dela (v. 18-21). Com esses homens na liderança da sociedade, o profeta lamenta, todo o povo está condenado — ao exílio (v. 13). O que falta é o conhecimento de Deus. Os v. 14ss são parênteses, discorrendo em termos mais gerais acerca do destino da elite de Jerusalém e acerca do prazer de Deus na justiça e na retidão (contrastando com v. 7); o v. 17 retrata de forma vívida o despovoamento que o exílio vai causar. O v. 18 pinta um retrato nítido dos esforços que alguns homens vão fazer para violar as leis de Deus.

No último “ai” (v. 22,23), Isaías destila o seu escárnio sobre os impotentes juízes, que não tinham a determinação ou a coragem de resistir ao suborno e à corrupção; só havia uma atividade em que podiam reivindicar habilidade e maestria!


A ira do Senhor (5.24-30)
Originariamente Isaías pode ter falado as palavras dos v. 24,25 em outro contexto; observe que a NEB transpôs esses versículos para depois de 10.4. Os v. 26-30 são novamente um oráculo separado. Mesmo assim, a ordem do cap. 5 faz sentido como está; os ”ais” dos v. 8-23 conduzem naturalmente à expressão da ira divina (v. 24,25), e o parágrafo final retrata em detalhes vívidos os agentes humanos (embora sem lhes dar nomes) do castigo de Deus sobre o seu povo. O v. 25 termina com palavras conhecidas, que servem como refrão da longa passagem de 9.7—10.4. Daí procede a decisão da NEB e de diversos comentaristas de transpor esse versículo (e talvez v. 24,26-30 também) para depois de 10.4. No contexto presente, o versículo liga o v. 24 com os v. 26-30: o povo de Deus rejeitou a sua lei e já sofreu por isso, mas a sua ira justa vai conduzir a mais castigos. O castigo lembrado no v. 25 é muito provavelmente o ataque devastador da Assíria contra o Reino do Norte por Tiglate-Pileser III em 734/3 a.C. A mão de Deus continua erguida (“levantada para castigar”, NTLH).

v. 26. A nação não é chamada pelo nome, mas evidentemente vem de longe. Se os v. 26-30 eram originariamente um oráculo contra o Reino do Norte, então Isaías certamente tinha em mente a Assíria; e de fato a Assíria também meteria Judá em sérios apuros, embora fossem os babilônios, da igualmente longínqua Mesopotâmia, que finalmente reduziriam Jerusalém a ruínas. De todo modo, a eficiência, o vigor e o poder do exército da Mesopotâmia são retratados vividamente — uma advertência pavorosa àqueles que desobedeceram ao Deus de Israel. Isaías destaca no v. 26 que Deus está no controle total da história internacional; os assírios marcham sob suas ordens. Essa lição, desenvolvida em 10.5, era muito necessária numa época em que muitos israelitas estariam prontos para admitir automaticamente que os deuses da Assíria é que governavam o destino daquela poderosa nação, No mundo de hoje, ninguém mais pensa em termos politeístas; mas “as forças do mercado”, o ”demônio” do comunismo e outras forças impessoais são com frequência consideradas os poderes controladores do nosso mundo.