Estudo sobre Isaías 42
Isaías 42
Um tema novo é introduzido
agora num texto comumente chamado de Primeiro Cântico do Servo (v. Introdução).
Ele é citado na sua totalidade em Mt 12.18-21, que vê o seu
cumprimento definitivo no ministério de Cristo. Teve origem como um
oráculo, conectado intimamente com os outros chamados Cânticos do Servo
(49.1-6; 50.4-9; 52.13—53.12), mas bastante distinto em natureza do
trecho em que agora está embutido. O seu propósito principal, evidentemente,
não é identificar o Servo do Senhor, mas deixar claro algo do seu caráter
e chamado. A palavra servo (v. 1) em outras partes
pode denotar uma posição humilde e inferior, mas aqui sem dúvida é um
título de honra, descritivo de liderança. O servo é publicamente designado
e reconhecido por Deus (v. 1), ele recebe a habitação permanente do Espírito de
Deus (v. 1) — da mesma forma que os juízes de antigamente, embora a
experiência que eles tiveram com o Espírito tenha sido temporária — ele
deve exercer uma missão mundial. A linguagem parece combinar
características reais e proféticas numa função semelhante à de Moisés. O
texto parece estar dizendo que o Segundo Êxodo, um tema tão proeminente
nesses capítulos, vai exigir um Segundo Moisés.
Na sua posição atual, o
oráculo estabelece um contraste com dois outros “servos” de Deus, ou seja,
Ciro, tão proeminente (embora ainda não nomeado) no cap. 41, e Israel como
um todo, descrito em 42.18-25. Ciro foi levantado por Deus para ser um
conquistador militar; mas o Servo vai exercer um papel amável e dócil de
natureza muito diferente (v. 2,3). Além disso, o que ele vai estabelecer na terra
não é um sistema legal rígido e inflexível (contraste com Dn 6.8), mas
a justiça e as diretrizes divinas (v. 4). (A palavra traduzida
por justiça provavelmente significa algo como “a vontade de Deus” no
contexto, enquanto lei, heb. tõrãh, basicamente denota as
orientações dadas aos adoradores por meio de sacerdotes e profetas).
A profecia esperou séculos
por seu cumprimento em Cristo; mas devemos olhá-la em parte como um desafio e
um programa de ação, dirigidos primeiramente àqueles em posição de
liderança entre os exilados, e não por último aos descendentes de Davi lá.
Eles não deveriam se deixar intimidar por Ciro e outros
conquistadores mundiais, nem deveriam ser desencorajados (não mostrará
fraqueza) diante dos problemas e dificuldades evidentes que estavam
enfrentando (v. 4). O primeiro passo no estabelecimento da vontade de Deus
na terra seria necessariamente o retorno para a terra natal, que
somente eles poderiam organizar; o passo definitivo
no estabelecimento da sua vontade seria o ministério do Servo-Messias
perfeito.
e) O ministério de libertação (42.5-9)
O trecho não deixa claro a
quem é dirigido, e há mais de uma possibilidade (e.g., alguns comentaristas
pensam que Ciro está em vista aqui). E mais provável, no entanto,
que devamos enxergar o parágrafo em associação com os v. 1-4, e, portanto,
dirigido aos exilados, e especialmente aos líderes entre eles. Essa
interpretação tem apoio não somente no argumento da posição e sequência das
ideias, mas também no fato de que são destacados os mesmos temas dos caps.
40 e 41, isto é, o poder de Deus visto na criação (v. 5), a sua
incomparabilidade e incompatibilidade com os ídolos (v. 8) e a sua capacidade
de predizer eventos futuros (v. 9) — lições que evidentemente os exilados
estavam demorando a aprender. No v. 9, o argumento do profeta é que o Deus que
havia predito muitos eventos na história passada estava agora
oferecendo novas promessas (de libertação do exílio), que deveriam
ser cridas e confiadas da mesma maneira.
Nesse contexto de lembretes
do poder e das promessas de Deus, os exilados são desafiados a considerar o
papel que Deus tinha em mente para o seu povo (v. 6,7). Eles estavam
ansiando por sua própria libertação; mas a vontade de Deus é que eles
percebam a obrigação de pregar livramento (de natureza diferente, menos
concreta) ao mundo. Esse é o propósito para o qual Deus os chamou
e vai guardá-los; em resumo, para providenciarem luz para os gentios.
O sentido exato de mediador para o povo (“aliança com o povo”, ARA;
lit. “uma aliança do povo”) é obscuro, e essa expressão tem sido muito
debatida; a formulação da NEB (“uma luz para todos os povos”), embora
mais simples, não é muito provável. Talvez o significado seja que Israel
foi destinado a levar a todos os povos não somente a luz da
presença de Deus com eles, mas a possibilidade do relacionamento de
aliança com ele. Vemos mais uma vez nesse parágrafo que o cumprimento do
papel de Deus para o seu povo continuou incompleto em grande parte até a obra
perfeita de Cristo; a libertação do exílio somente poderia prefigurar a
libertação de todos os homens da escravidão à “noite da natureza”.
f) Promessa e repreensão (42.10-25)
As promessas de Deus
mencionadas no v. 9 conduzem a um alegre hino de louvor (v. 10-13),
semelhante a hinos como os salmos 96 e 98. O hino convida povos fora
de Israel (há alusões à Arábia e Edom no v. 11, enquanto as ilhas
do v. 12 são mais gerais) a que se unam no louvor ao Deus de
Israel: assim, mais uma vez Javé é exaltado em detrimento das deidades
estrangeiras. O v. 13 descreve de forma vívida Javé em ação, e os v.
14-17 desenvolvem esse tema, embora ainda em linguagem muito ilustrativa.
Há vários contrastes que precisam ser observados; no primeiro, a recente
falta de ação de Deus (i.e., durante o exílio) é contrastada com a
sua poderosa atividade vindoura; no segundo, a sua ajuda ao seu povo (os
cegos) é contrastada com os seus atos hostis (as imagens são do vento
leste do deserto, v. 15); e, no último, o seu povo, ao seguir a sua
orientação, é contrastado com idólatras, quer babilônios quer judeus.
A última seção do capítulo
(v. 18-25) lança um olhar realista sobre a cegueira obstinada de muitos
exilados. A palavra cegos é um subtema do capítulo: nos v. 6-16,
ela não contém repreensão, mas simplesmente reconhece a situação
desesperadora do povo sem a orientação de Deus, mas aqui (v.
18ss) vemos a indisposição, e não a incapacidade, de enxergar. Esse
desprezo obstinado das ordens de Deus é especialmente repreensível
naqueles que foram chamados para um serviço especial (v. 19). (O
significado do heb. m‘sullãm, NVI: aquele que é consagrado
a mim, ainda precisa ser satisfatoriamente explicado, embora a palavra
tenha sido muito comum como nome, Mesulão; v. versões e comentários.)
O v. 21 é apresentado como contraste a este [...] povo (v.
22); deve estar defendendo o ponto (de validade permanente) de que a
palavra escrita e o oráculo falado de Deus têm uma perfeição que nunca
foi nem de perto alcançada pela vida e conduta do seu povo,
infelizmente.
O capítulo conclui
ressaltando que os sofrimentos de Israel no exílio foram decorrentes da mesma
desobediência que o povo ainda estava demonstrando (v. 24,25); o v. 23 é
um apelo para que mudem de atitude.Índice: Isaías 1 Isaías 2 Isaías 3 Isaías 4 Isaías 5 Isaías 6 Isaías 7 Isaías 8 Isaías 9 Isaías 10 Isaías 11 Isaías 12 Isaías 13 Isaías 14 Isaías 15 Isaías 16 Isaías 17 Isaías 18 Isaías 19 Isaías 20 Isaías 21 Isaías 22 Isaías 23 Isaías 24 Isaías 25 Isaías 26 Isaías 27 Isaías 28 Isaías 29 Isaías 30 Isaías 31 Isaías 32 Isaías 33 Isaías 34 Isaías 35 Isaías 36 Isaías 37 Isaías 38 Isaías 39 Isaías 40 Isaías 41 Isaías 42 Isaías 43 Isaías 44 Isaías 45 Isaías 46 Isaías 47 Isaías 48 Isaías 49 Isaías 50 Isaías 51 Isaías 52 Isaías 53 Isaías 54 Isaías 55 Isaías 56 Isaías 57 Isaías 58 Isaías 59 Isaías 60 Isaías 61 Isaías 62 Isaías 63 Isaías 64 Isaías 65 Isaías 66