Estudo sobre Deuteronômio 12

Estudo sobre Deuteronômio 12

Estudo sobre Deuteronômio 12  




Deuteronômio 12 


III. AS LEIS DA ALIANÇA (12.1—26.19)
Essa seção central de Deuteronômio consiste em leis que determinam a vida do povo de Deus. Muitas delas têm paralelos próximos em outros textos, especialmente no livro da aliança (Êx 20.22—23.33), embora metade das leis naquela fonte não sejam encontradas em Deuteronômio. Algumas têm paralelos no Código de Hamurabi, e não há dúvida de que a lei hebraica como um todo estava estreitamente relacionada a (embora em aspectos significativos fosse diferente de) um conjunto geral de leis semíticas. Diversas observações gerais podem ser feitas acerca das leis em Deuteronômio. (1) São apresentadas em estilo hortativo e teológico, e não em estilo puramente legal; o significado religioso e ético para o povo da aliança fica bem claro. Algumas situações (e.g., delitos civis que levam a ações por danos) são omitidas. Algumas leis aparentemente são incluídas somente por preocupações humanitárias. (2) As vezes diferem das leis do livro da aliança por sofrerem mudanças para serem mais aplicáveis a pessoas (como antecipação) vivendo numa comunidade agrícola estabelecida. (3) A não ser que difiram de todos os outros conjuntos de leis, elas incluem modificações e expansões feitas ao longo de um período para atender a situações complexas e circunstâncias em transformação.
Nem sempre é fácil entender a sequência e a forma de organização dessa seção. Em geral, 12.1—16.17 ocupa-se com a adoração; 16.18—20.20, com a organização social; 21.1—23.1, com a lei familiar; 23.2—25.19, com leis de pureza; 26.1-15 descreve dois rituais; e 26.16-19 é uma exortação final.

1) A lei do santuário (12.1-28)
Dt 12 tornou-se fundamentalmente importante em qualquer tentativa de datar o livro ou de traçar a história das instituições religiosas de Israel. Por essa razão, a atenção está concentrada nos v. 5,11,13,14,18,21,26, embora todos eles restringem a observância de certos rituais religiosos (especialmente o sacrifício) ao local que o Senhor, o seu Deus, escolher dentre todas as tribos para ali pôr o seu Nome e sua habitação (v. 5).
Muitos estudiosos sugerem que essa ordem não pode ser atribuída a Moisés, visto que episódios em Juízes, Samuel e Reis (e.g., lRs 18) mostram que o sacrifício poderia ser oferecido em uma grande variedade de lugares. Uma ordem direta de Moisés, assim argumentam, dificilmente teria sido ignorada dessa forma. A conclusão tem sido a de que ao longo do período da conquista e do assentamento, e também durante o período dos juízes e da monarquia, os sacrifícios podiam ser oferecidos nos santuários locais ou “lugares altos”. Supostamente, foi assim até a reforma de Josias (2Rs 22, 23; 2Cr 34, 35) que incluiu a destruição de todos os santuários locais e a deposição dos sacerdotes que neles oficiavam (2Rs 23.5,8,13,15,19). A autoridade de Josias para essas inovações, assim é sugerido, está em Dt 12; dessa perspectiva, um dos objetivos principais dos que escreveram Deuteronômio, possivelmente no século IX ou VIII a.C., foi centralizar a adoração em Jerusalém a fim de erradicar os males da adoração sincretista nos lugares altos, o que era, com base nesse ponto de vista, legítimo até então.
Não é fácil aceitar essa interpretação. Em primeiro lugar, e o que é mais óbvio, Dt 12 (aliás, o livro todo) não menciona Jerusalém, uma falha que dificilmente se explicaria na hipótese em consideração. Em segundo lugar, a ênfase do cap. 12 não na centralização (contrastando muitos santuários com um) mas na pureza (não adorarão [...] como des adoram — 12.2-4,29-31) e na ordem (em qualquer lugar que lhes agrade — 12.9,13). Em terceiro lugar, não há menção específica à adoração nos “lugares altos” (bãmôtK) — acerca disso v. Ez 20.29 —, embora um dos propósitos principais dos autores supostamente fosse destruir esses locais. (O uso não-cultual em 32.13; 33.29 ressalta essa anomalia.) Em quarto lugar, 16.21 pressupõe uma pluralidade de altares. Em quinto lugar, 27.1-8 prescreve a construção de um altar não em Jerusalém, mas no monte Ebal.
A verdade acerca da centralização da adoração de Israel (até o ponto em que pode ser deduzida) é mais complexa do que sugere a hipótese anteriormente mencionada acima. Xão há razão para que se duvide de que uma medida de centralização estava presente desde o início da conquista, visto que o tabernáculo (situado, e.g., em Siquém, Js 8,30ss; 24.1ss; e em Siló, ISm 1.3) propiciava um foco natural para a adoração. E igualmente claro que os sacrifícios eram oferecidos em outros lugares (Ex 20.24), especialmente em lugares em que Deus havia se revelado aos patriarcas (e.g., Betei) ou a gerações posteriores (Jz 6.24). No entanto, não há razão para pensar que a adoração a Javé em lugares altos cananeus fosse considerada aceitável de acordo com a aliança.
Ao contrário da interpretação geral, pode muito bem ser que Dt 12 nunca teve o propósito de centralizar o culto. Assim como 12.5,11,14,18,21,26 mencionam o “local” que Javé irá escolher, 23.16 fala do local que um escravo fugitivo irá escolher; mas o segundo exemplo mostra que lugares diversos e diferentes estão em vista, já que o uso é distributivo (“qualquer cidade”), e não restritivo (“um local específico”).

O sacrifício no santuário (12.1-14)
v. 2. Santuários em montes são mencionados em outros textos do AT, mas não devem ser confundidos com os “lugares altos” (bãmôth) de, e.g., 2Rs 23.5. Algumas árvores também eram associadas ao culto. v. 3. Não somente o local, mas também o estilo do culto cananeu devem ser evitados. As colunas sagradas eram grandes pedras colocadas em pé, com associações fálicas, provavelmente simbolizando Baal. Os seus postes sagrados talvez fossem árvores ou postes de madeira simbolizando Aserá, uma deusa-mãe associada à fertilidade. Ao destruir esses símbolos e os ídolos dos seus deuses, Israel estaria dessacralizando os santuários e removendo a tentação de adorar os deuses de Ganaã. v. 4. A adoração a Javé deve ser claramente distinguida da adoração a outros deuses, provavelmente tanto em relação ao local quanto ao ritual, v. 5. E o Nome de Javé que vai habitar o lugar onde ele escolher se revelar. (A palavra traduzida por habitação na RSV está associada a shekiná e “tabernáculo”; Jo 1.14.) Essa formulação da frase é considerada por muitos um protesto do século VIII a.C. contra a perspectiva grosseiramente supersticiosa de Javé como aquele que habitava pessoalmente no templo de Jerusalém, mas provavelmente está relacionada a uma frase acadiana que indica a reivindicação de soberania. O princípio básico que está na origem da expressão idiomática é que o Senhor está presente à medida que, e no lugar em que, ele se revela em graça e amor soberanos, v. 6. Essa é uma lista quase exaustiva, embora os sacrifícios expiatórios (Lv 4.1—5.16) sejam omitidos. Acerca de holocaustos, v. Lv 1; acerca de sacrifícios (de comunhão) v. Lv 7.12-15; 22.29,30 e Lv 7.16,17; 22.18-23; acerca de dízimos e primeira cria, v. 14.22-29; as dádivas especiais e as ofertas voluntárias são descritas acima como sacrifícios, v. 7. A alegria seria apropriada não somente em associação com a adoração, mas também porque a possibilidade de cumprir essa ordem sugeriria a vida estabelecida na terra prometida e o aproveitamento da completa liberdade, v. 8. Alguns estudiosos têm sugerido que a frase cada um fazendo o que bem entende talvez implique liberdade (cf. Gn 19.8; 2Rs 10.5), e não licenciosidade (Jz 17.6; 21.25). Se a idéia é de liberdade, está ligada ao fato de que o período no deserto não era um tempo em que as leis cultuais podiam ser observadas em detalhes. Mas textos como o de Js 5.4-7 sugerem que aqui se está falando de licenciosidade e lassidão, v. 9,10. Dois períodos assim podem ter sido a época depois da campanha bem-sucedida de Josué (Js 22.4; 23.1) ou a época após as vitórias de Davi (2Sm 7.1; lRs 5.3). Mas aparentemente nenhuma oportunidade foi aproveitada; e aconteceu que oportunidades negligenciadas resultaram em desastre, como ocorre com frequência. v. 12. Isso soa mais como um ideal do que como uma possibilidade literal; alguns membros da casa provavelmente tiveram de ficar para cuidar dos animais e tomar conta da casa. Acerca de levitas, v. comentário de 18.1-8. Visto que eles ensinavam a lei nos povoados de Israel (33.10; 2Cr 15.3; 17.8,9) e estão associados de forma especial com Deuteronômio (31.24-26), é possível que tenham interpretado e atualizado o texto em anos posteriores, v. 13,14. Enquanto os v. 2-4 fazem menção explícita dos santuários e costumes cananeus, esses versículos também proíbem (como o faz o v. 5) inovações individuais ou coletivas não sancionadas pelo Senhor. As duas tendências ameaçam a vida e a adoração entre o povo de Deus.

Refeições sagradas e comuns (12.15-28)

Durante o período no deserto, e enquanto havia um santuário legítimo nas proximidades, era fácil sacrificar a Deus o sangue de um animal doméstico (v. 27), e era possível também que membros da casa que estivessem ritualmente puros comessem a carne do animal durante uma festa sacrificial. Essa regra não se aplicava a animais como a gazela ou o veado (v. 15,22), que eram caçados e poderiam ter sido mortos a certa distância do santuário. Em uma situação mais organizada e estabelecida, com o santuário mais distante (v. 21), os animais poderiam ser comidos sem levar em consideração as prescrições religiosas ou rituais, a não ser o derramamento do sangue (v. 16,23-25). Mas havia orientações especiais para as refeições sagradas no santuário (v. 26-28). v. 16. V. Gn 9.4. Somente Deus dá vida a todas as criaturas. Então, o sangue é sagrado; não pode ser manuseado em rituais pagãos nem comido (v. 23-25). v. 20. Aliás, a carne raramente era comida, a não ser pelos ricos (cf. Am 6.4). Os animais eram mantidos em razão do que produziam, e não da sua carne. A carne era um luxo.


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