Estudo sobre Lucas 15

Estudo sobre Lucas 15




Ensinando publicanos e pecadores (15.1-32)

O público a quem essas últimas palavras foram dirigidas consistia em uma grande multidão (14.25); cobradores de impostos e pecadores se ajuntam à multidão, e pela terceira vez Lucas nos conta que a disposição de Jesus de se associar a essas pessoas atrai a censura dos fariseus (v. 5.30; 7.39); a questão vai surgir novamente quando ele aceitar a hospitalidade de Zaqueu (19.7). E esse tipo de crítica que evoca em Jesus as três parábolas registradas nesse capítulo, a da ovelha perdida, a da moeda perdida e a do filho perdido e seu irmão.

As três parábolas tratam de coisas ou pessoas perdidas; cada uma, da sua forma, apresenta Deus buscando os perdidos, porém cada uma tem sua própria ênfase. O objeto inanimado da segunda parábola está simplesmente perdido. O animal na primeira se desviou do rebanho por pura estupidez. O filho na terceira se afastou propositadamente por um ato obstinado da própria vontade. Assim, a inutilidade, o perigo e a miséria da vida perdida são demonstrados. Mas também em cada uma há um elemento de arrependimento. Nas primeiras duas; somente no refrão; na terceira, subjacente em toda a parábola.

A mulher que perdeu algo de valor faz uma busca detalhada; o pastor cuida do animal que resgatou; o pai estende ao filho todo o conjunto de elementos relacionados ao perdão e à reconciliação. Em cada caso, há esforços desmedidos para encontrar o que estava perdido; e, como G. B. Caird (p. 181) destaca: ”Chamar um homem de perdido é fazer-lhe um elevado elogio, porque significa que ele é precioso aos olhos de Deus”.

v. 1, 2. Os escribas e fariseus pensam que Jesus está se rebaixando pelas companhias que escolhe, chegando ao ponto significativo de comunhão ao compartilhar uma refeição com eles; eles não podem aceitar o ponto de vista dele de que é da vontade do próprio Deus que esses marginalizados sejam trazidos para dentro do reino.

A ovelha perdida (15.3-7)

Mateus registra essa parábola (18.12-14), mas em um contexto diferente e com uma conclusão diferente: “Da mesma forma, o Pai de vocês, que está nos céus, não quer que nenhum destes pequeninos se perca” (Mt 18.14).

Uma ovelha se perdeu; normalmente todo o rebanho segue a que perambula, mas aqui nossa ovelha conseguiu se afastar do grupo principal. Ela vagueia pelo campo (gr. erêmos, ”deserto”, uma palavra que na Bíblia inclui não somente as dunas de areia ou rochas que povoam a imagem que fazemos do deserto, mas também regiões de arbustos ou terras de pastagem; cf. Mc 6.34 com 39; v. “Deserto” no NBD); ela mordisca o pouco de pasto que encontra. Quando descobre que está sozinha, não consegue, com suas habilidades limitadas, encontrar o caminho de volta ao restante do rebanho. Se ninguém a encontrar, vai ficar onde está ou se afastar para mais longe ainda e morrer de fome. Assim, o pastor a procura até encontrá-la e a carrega dócil e alegremente nos ombros de volta para o rebanho. Aí chama seus amigos e vizinhos para que celebrem com ele.

v. 7. Na comparação entre a alegria do pastor e a alegria no céu por um pecador que se arrepende, precisamos observar que o destaque está na alegria, e não no arrependimento, pois a ovelha, evidentemente, não experimentou um arrependimento consciente. “Nem a ovelha nem a moeda podem se arrepender; isso talvez sugira que o arrependimento do pecador seja uma dádiva de Deus, resultado de ter sido achado, e não a condição para ser achado” (G. W. H. Lampe, in Peake, 2. ed., p. 836).

A moeda perdida (15.8-10)

Uma mulher perdeu uma moeda de prata, uma dracma, o equivalente grego ao denário romano de Mt 20.2, que é o pagamento para um dia de trabalho do trabalhador na agricultura. O total, dez dracmas, sugere as economias de uma mulher pobre, e não somente o dinheiro para as despesas da casa (T. W. Manson, Sayings, p. 284), ou poderia ser, como sugere Jeremias (p. 134-5), parte da sua cobertura para a cabeça ou do seu dote. Seja o que for, a quantia pequena sugere pobreza, e não opulência.

v. 8. não acende uma candeia...?, pois as casas dos pobres na Palestina não são bem iluminadas, tendo apenas janelas minúsculas. Ela vira a casa de ponta-cabeça e não descansa até encontrar a moeda. v. 9. Gomo a história anterior, essa também termina em celebração com amigos e vizinhos, v. 10. ”Precisamos entender que Deus não é menos persistente do que os homens e as mulheres na busca do que ele perdeu, nem menos jubilante quando a sua busca é bem-sucedida” (G. B. Caird, p. 180).

O filho pródigo (15.11-32)

A terceira parábola, provavelmente, é a mais conhecida e amada de todas que o nosso Senhor contou. Dando sequência ao tema das primeiras duas, vai muito além do tema delas em diversos aspectos: (a) O que está perdido nessa ocasião é uma pessoa, um filho obstinado e rebelde, (b) Segue, portanto, que a parte de quem procura é muito maior; ele não somente procura, mas também perdoa e reconcilia, (c) Enquanto há celebração acerca do vilão arrependido, há também a conduta tosca do seu irmão mais velho. É uma parábola com dois pontos principais.

v. 11. Um homem tinha dois filhos. A designação da parábola como do “filho pródigo” é consagrada pelo uso há muito tempo, mas na verdade é inadequada, pois a atenção é dirigida a três personagens, não somente ao filho mais novo. Sua notória insensatez e o amor insuperável do seu pai tornam a primeira parte da história inesquecível, é verdade; mas é o episódio do filho mais velho que diz aos fariseus e escribas que estão ouvindo: “Vocês são o homem”, v. 12. Pai, quero a minha parte da herança'. “O filho mais novo queria usar o cheque especial; o mais velho, uma conta corrente”. Havia duas formas em que um pai judeu podia passar suas posses aos filhos: por um testamento que se tornava válido na sua morte, ou por uma escritura de doação enquanto ainda estava vivo. Neste caso, a propriedade era revertida de direito para o filho quando a escritura entrava em vigor, mas o pai desfrutava de forma vitalícia de uma parcela dos lucros dessa propriedade (v., e.g., Jeremias, Parables, p. 128-9; T. W. Manson, Sayings, p. 286-7). Aqui está claro que o pai tinha ido muito além das suas obrigações legais mínimas, colocando capital à disposição do seu filho mais novo para que pudesse desfrutar dos recursos imediatamente, em vez de esperar a morte do pai. v. 13. reuniu tudo o que tinha-. i.e., transformou todo o seu ativo em “dinheiro” vivo. v. 15. Depois de ser abandonado pelos amigos das horas boas, precisa viver agora pelos meios que conseguisse; ele é obrigado a se rebaixar ao mais humilhante emprego que um judeu poderia imaginar, cuidar de porcos, v. 16. A fome segue a humilhação, ele até mesmo tem inveja dos animais aos seus cuidados pelas vagens de alfarrobeira. Alguns chamam essas vagens de ”pão de São João”, porque criam que João Batista as comia no deserto do Jordão. “Ser obrigado a comer o ‘pão de São João’ era sinônimo da pobreza e miséria mais amargas” (Strack-Billerbeck, citado por Geldenhuys, p. 411). v. 17-19. Acordado como que por um empurrão, o jovem tolo cai em si e decide voltar para o seu pai, a fim de confessar que abdicou de qualquer reivindicação de filiação e suplicar por um emprego, v. 20. Estando ainda longe, seu pai o viu [...] correu [...] e o abraçou e beijou: No começo, a ênfase, como nas duas parábolas anteriores, está totalmente na alegria do pai. Examinando cuidadosamente o horizonte longínquo, ele vê o objeto de tantas orações. A alegria dele é tamanha que ele corre, dificilmente um procedimento digno de um idoso oriental, e interrompe a fala bem ensaiada do filho. Assim, o pedido de um emprego de escravo deixa de ser pronunciado, mas o pai adivinha o que está no coração do seu filho. O filho, aliás, deveria ter conhecido melhor o seu pai; ele é saudado como um filho amado. Os servos recebem a ordem de vestir o filho com a melhor roupa, separada para o convidado de honra, dar-lhe o anel da autoridade e os calçados da paz (escravos não possuíam calçados) e de matar o novilho gordo para que todos pudessem participar da alegria do pai. v. 24. Assim, o filho é recolocado na sua posição anterior. Alguns estudiosos dizem que essa parábola não está em concordância com o ensino geral de Jesus no NT, pois apresenta o perdão sem sacrifício, ou até que temos aqui o ensino inicial e original de Jesus antes que fosse sobrecarregado de teorias da expiação (v. Creed, p. 197). Esse ponto de vista, no entanto, pressupõe que cada parábola é um compêndio completo de teologia, uma teoria que não pode ser provada. Em geral, uma parábola destaca um ponto e o torna claro, ou raramente (como nesse caso) dois pontos. A primeira parte dessa parábola destaca a verdade de que o arrependimento genuíno deve preceder o perdão; o pai não espera para ouvir o que o filho tem a dizer, pois ele consegue discernir em todo o comportamento do filho uma atitude mudada. O jovem que havia partido de casa com exigências (“dá-me, v. 12; ARG) volta suplicando (“faze-me”, v. 19; ARC).

v. 25-32. Com suprema maestria, Lucas muda toda a atmosfera. E começaram a festejar o seu regresso. Enquanto isso, o filho mais velho estava no campo. O filho mais velho ouve o barulho da festa e, friamente, permanece do lado de fora enquanto pergunta o significado de toda aquela festa. Durante a ausência do irmão, ele havia vivido debaixo do teto do seu pai; mesmo assim, em espírito esteve tão longe do pai como o próprio filho pródigo. O contraste entre os dois filhos é tão grande como aquele entre os dois irmãos em Mt 21.28-31.

A hostilidade do irmão mais velho explode; à censura do narrador segundo a qual o irmão tinha sido culpavelmente extravagante, ele acrescenta, sem dúvida com base na sua imaginação enciumada, a acusação de que o irmão conviveu com as prostitutas (v. 30). Seu modo pouco amável contrasta de forma brutal com a cortesia do seu pai: Então seu pai saiu e insistiu com ele (v. 28), e lhe falou acerca deste teu irmão (v. 32); o filho mais velho havia falado dele de forma rude: esse teu filho (v. 30). Por meio de toda a sua atitude, o filho mais velho revela seu parentesco com o fariseu de Lc 18.11,12. Toda a parábola aponta de forma severa para os fariseus na plateia de Jesus que, longe de se alegrarem porque os marginalizados estavam encontrando bênçãos, o criticavam: “Este homem recebe pecadores e come com eles” (v. 2).