Estudo sobre Lucas 14

Estudo sobre Lucas 14





O homem com hidropisia (14.1-6)

Esse é último dos cinco milagres de misericórdia no sábado registrados nos Sinópticos — Lucas registra todos (4.31; 4.38; 6.6; 13.14 e o incidente presente). João acrescenta mais dois (5.10; 9.14).

v. 1. Jesus já havia aceitado convites de fariseus anteriormente, mesmo que eles constantemente se empenhassem em causar uma controvérsia com ele; aliás, nunca ouvimos que Jesus tenha recusado um convite desses. observavam-no atentamente-. Esse convite parece ter tido a sua motivação inconfessa.

v. 2. O homem pode ter sido trazido para que pegassem Jesus numa armadilha, mas não era impossível, nem incomum, que pessoas não convidadas conseguissem entrar numa casa particular (cf. 7.37). Aliás, a expressão e o mandou embora do v. 4 antes sugere que ele veio para ser curado, e não como convidado, v. 3. Jesus respondeu à pergunta deles antes que fosse feita; cf. 18.22,23. v. 5. Se um de vocês tiver um filho ou um boi... (no lugar da palavra filho, outras autoridades antigas trazem “um jumento”). Seja qual for a leitura correta, em ambos os casos o ato de misericórdia deles, ao contrário do dele nessa ocasião, realmente seria para o próprio benefício deles. Contraste esse versículo com 13.15; lá, é uma questão de rotina de dar água ao gado; aqui, é um acidente.

Lugares à mesa (14.7-14)

A cura do homem hidrópico parece ter acontecido enquanto os hóspedes estavam chegando. Quando é concluída, e o homem vai embora, os hóspedes começam a tomar seus lugares, alguns tentando sentar nos assentos de honra. Jesus, então, tira uma lição da situação para os hóspedes acerca da verdadeira humildade que é adequada aos seus seguidores e dirige ao anfitrião o conselho de que ele deveria convidar às suas festas pessoas socialmente inferiores que não tivessem a mínima condição de retribuir a hospitalidade, e não pessoas em posição social igual que pudessem fazê-lo.

v. 11. Esse versículo faz eco às palavras do Magnificat (1.52), citado novamente como um apêndice da parábola do fariseu e do publicano (18.14) e em uma de suas disputas com os fariseus (Mt 23.12).

A parábola do grande banquete (14.15-24)

A relação entre essa parábola e a do casamento do filho do rei (Mt 22.1-10) é tópico de perene discussão. As semelhanças são suficientemente marcantes para evocar comparações; as diferenças, suficientemente grandes para deixar claro que as duas parábolas são totalmente distintas. Os seus contextos são totalmente diferentes; a história de Lucas é evocada pelo comentário de um dos hóspedes: Feliz será aquele que comer no banquete do Reino de Deus (v. 15); o texto em Mateus segue a parábola da vinha e está no contexto da controvérsia com os fariseus. Em Lucas, Certo homem estava preparando um grande banquete (v. 16); em Mateus, um rei envia convites para o “banquete de casamento do seu filho”. Os convidados na parábola de Lucas simplesmente desprezam o convite (v. 18-20); na de Mateus, eles ridicularizam o convite e maltratam os servos. Em ambas as parábolas, os convites são refeitos e dirigidos a marginalizados e aflitos, mas na história de Mateus isso acontece somente após uma campanha militar punitiva contra os assassinos dos mensageiros.

v. 15. A exclamação do hóspede pode ter sido insincera ou meramente superficial. Jesus questiona não o sentimento, que é irrepreensível, mas a sinceridade de quem fala, dizendo, na verdade; ‘Você fala bonito do Reino de Deus, mas você não quer dizer nada do que fala. Se você tivesse a oportunidade que professa desejar, sem dúvida a rejeitaria’ (T. W. Manson, Sayings, p. 129). v. 16,17. O segundo convite. “Era um costume reconhecido na época enviar um servo para reforçar o convite na época designada; cf. Et 6.14” (Creed, p. 191). Edersheim (v. II, p. 427) cita o Midrash (comentário rabínico) de Lm 4.2 como autoridade para o costume em Jerusalém de não se ir para uma festa, a não ser que o convite fosse reforçado, v. 1820. Todas as três desculpas mencionadas significam a mesma coisa — “Tenho coisas melhores a fazer”. A descortesia e a inadmissibilidade das desculpas estão no fato de que esses homens devem ter tido esses planos em mente no mínimo já quando receberam o convite pela primeira vez, que então não deveriam ter aceito. O casamento de um homem, é verdade, autorizava-o a tirar um ano de descanso de atividades sociais e militares (Dt 24.3); mas deveria ter sido educado a ponto de recusar o convite logo no início, v. 21. Os que receberam o primeiro convite, bem como também o segundo grupo, viviam na cidade; isso, provavelmente, significa que eram todos judeus. O primeiro grupo era dos abastados, a elite da nação, que não estavam interessados; agora os marginalizados e desprezados, os cobradores de impostos e pecadores, são trazidos, v. 23. Os caminhos e valados podem ter sido localizados fora da cidade, embora, de acordo com Arndt (no verbete phragmos “vagabundos e pedintes frequentam cercas vivas e cercados em volta das casas”. Os gentios são agora incluídos no convite. obrigue-os (“força-os”, ARC): Na verdade, a força não é usada, mas os maiores meios de persuasão. Creed sugere “instar” ou “compelir”; a NEB traduz “faça-os entrar”; Ronald Knox, “Não lhes dê outra escolha, a não ser entrar”, v. 24. O castigo dos que tinham desprezado o convite foi a exclusão completa da festa. A parábola de Mateus tem um fim muito mais severo; os que maltrataram o mensageiro são destruídos, e a sua cidade é queimada; enquanto até no banquete de casamento o hóspede que não tem “veste nupcial” é lançado “para fora, nas trevas” (Mt 22.13). Mas, nesse caso, em Mateus é o convite do rei que é desdenhado; em Lucas, de um indivíduo.

Desafio à multidão (14.25-35)

O cenário agora já não é a casa do fariseu; Jesus está andando acompanhado de uma grande multidão. Ele se volta para ela e discursa acerca do discipulado, seu preço e a necessidade da reflexão inteligente e da devoção completa por parte do discípulo.

O discipulado exige sacrifícios (14.26,27)

Parentes e a própria vida precisam ceder a ele o primeiro lugar no coração do discípulo (v. 26; cf. Mt 10.37,38). ama [...] mais do que-. Algumas versões trazem “aborrece” (raiz heb. para “odiar”). Precisa ser compreendido à luz do uso no AT. Ocorre com frequência junto com “amar” em contextos em que claramente significa “amar menos” (Gn 29.31ss; Dt 21.15ss etc.). Não é que um homem precisa detestar os seus familiares, mas que eles devem tomar o segundo lugar, depois do Senhor, no seu coração.

v. 27. Cf. Marcos 8.34. Um criminoso carregando a sua cruz para o local da execução não era uma cena incomum; o que é realmente surpreendente nesse dito é a relação entre essa forma de desprezo público e a reivindicação de ser o Messias.

O discipulado não pode ser aceito com leviandade (14.28-33)

Quem quer seguir Jesus precisa calcular o preço. “A parábola da construção da torre e do rei que está pensando em ir à guerra é um chamado à auto-avaliação [...] No exemplo menos importante do agricultor cujas instalações inacabadas [significado alternativo do gr. pyrgos, ‘torre’] fazem dele um objeto de ridículo, e no exemplo mais importante do rei que, ao planejar uma campanha, subestimou as forças do seu oponente e, por isso, precisa aceitar os termos de paz dele, Jesus faz o público entender a seguinte exortação: Não aja sem reflexão madura” (J. Jeremias, The Parables of Jesus, T.I., 1963, p. 196).

O discipulado precisa ser vivido de todo o coração (14.34,35) 

Se for hesitante, vai ser tão insípido como o sal que perdeu o gosto. “O verdadeiro discípulo é como o sal; o discípulo hesitante, como sal sem gosto, é inútil” (Creed, p. 193). Mateus coloca essa analogia no Sermão do Monte. V. comentário de Mt 5.13.