Estudo sobre Lucas 16

Estudo sobre Lucas 16

Estudo sobre Lucas 16



h) Ensinando os discípulos (16.1—17.10)
A multidão parece ter se dispersado, embora os fariseus ainda estejam ouvindo (v. 14); Jesus agora dirige os seus ensinos aos discípulos. O ensino dele abrange diversos tópicos e inclui duas das parábolas mais importantes, a do administrador astuto e a do rico e Lázaro.
(1) A parábola do administrador astuto (16.1-9)
Na primeira leitura, essa parábola é como um choque, visto que parece defender o perfeito vilão como modelo a ser imitado, o que, sem dúvida, erra completamente o alvo. Jeremias (p. 182) sugere que “Jesus está aparentemente tratando de um caso real que lhe havia sido relatado”; mas, seja como for, a história está repleta de dificuldades, embora muitas delas tenham surgido em virtude de se tratar a história como uma alegoria e se tentar enxergar um significado em cada detalhe.
A figura central é chamada de administrador desonesto (v. 8), e há diversas opiniões acerca do que o torna desonesto. Alguns sugerem que sua desonestidade já havia sido detectada antes de a história ser contada e tinha causado a sua demissão. De acordo com esse ponto de vista, a narrativa conta dos seus esforços de corrigir o prejuízo. G. B. Caird (p. 186-7) apresenta um relato interessante dessa forma de ver a história e sugere que a redução da dívida não paga seja apenas o cancelamento dos juros, levando a conduta do administrador a concordar mais com o ensino do AT acerca dos juros abusivos; daí a aprovação. Há pouca probabilidade de acerto na interpretação dispensacionalista de J. N. Darby: “Israel era o administrador de Deus, colocado na vinha de Deus [...] mas, no final, mostrou-se que Israel tinha desperdiçado os bens de Deus” (The Gospel ofLuke, p. 139ss). E igualmente pouco convincente a teoria de que a desonestidade do administrador estivesse nos seus esforços cínicos de se garantir contra o desastre iminente ao comprar a proteção dos devedores do seu patrão à custa do próprio patrão. Provavelmente a chave para essa parábola seja que um proprietário de terras dessa magnitude tenha dado a administração ao homem que lhe prometeu a renda mais elevada e cujo rendimento seria o dinheiro extra que ele obtivesse. A desonestidade do administrador consistia em que ele estava desperdiçando os seus bens [do patrão] ao querer espremer demais das propriedades. O que o administrador riscou das dívidas foi o dinheiro extra que ele esperava obter para si mesmo. Somente assim, ele pode ser considerado como alguém que usou o seu dinheiro de forma sábia; de acordo com esse ponto de vista, somente com base na premissa de que ele estava dando o que era seu, podemos dar algum sentido ao texto. Então, quem foi que elogiou o administrador desonesto (v. 8)? Foi o senhor na parábola, ou o Senhor que contou a parábola? Que foi o homem rico, parece a idéia natural; mas, mesmo que em geral isso seja aceito, às vezes se expressam dúvidas acerca de por que alguém que havia sofrido por causa da desonestidade de seu servo iria elogiá-lo. A solução certamente está nas palavras do v. 8: senhor elo ff ou o administrador desonesto, porque agiu astutamente. Confrontado com a ruína, tomou medidas enérgicas para evitá-la; são sua antevisão do futuro e sua desenvoltura que são elogiadas, e não sua desonestidade. Seu planejamento e os esforços para os seus objetivos pessoais envergonham a percepção e a perseverança de muitos filhos da luz que deveriam reconhecer as coisas que estão adiante deles. “E muito normal vocês ficarem indignados”, Jeremias (p. 182) parafraseia as palavras de Jesus; “mas vocês deveriam aplicar a lição a si mesmos. Vocês estão na mesma posição desse administrador que viu o desastre iminente que o ameaçava com a ruína, mas a crise que ameaça vocês, na qual, aliás, vocês já estão metidos, é incomparavelmente mais terrível”.
v. 9. A parábola termina com um conselho para os seus ouvintes: Usem a riqueza deste mundo ímpio para ganhar amigos, de forma que quando ela acabar, estes os recebam nas moradas eternas. O dinheiro, por manchado que seja, deveria ser usado de tal forma que, quando [...] acabar — isto é, na morte, quando não vale mais nada —, o enriquecimento espiritual esteja garantido em contraste com o enriquecimento desta vida transitória. A mensagem está clara; na nossa mordomia das coisas de Deus, sejamos ao menos tão dedicados e eficientes como o administrador na defesa dos seus próprios interesses.
(2)    Ditos acerca das riquezas e do orgulho (16.10-15)
Qualquer dúvida que alguém possa ter acerca do significado da parábola deve ser dirimida pelos ditos que seguem, sublinhando a importância suprema da integridade. A honestidade precisa ser vista nas minúcias e detalhes, se é que queremos que seja percebida nas questões mais importantes da vida (v. 10). Se não somos fiéis nas coisas materiais, como confiarão a nós as coisas espirituais (v. 11)? E se não somos confiáveis com as coisas que pertencem aos outros, como podemos esperar que seremos fiéis com relação às nossas coisas (v. 12)? Servir a Deus é um emprego de tempo integral; como no caso de escravos, todo o nosso tempo e todos os nossos esforços pertencem ao nosso Senhor (v. 13). Finalmente, quando os avarentos fariseus zombam dele (v. 14), ele os adverte de que, embora consigam impressionar os homens, não conseguem enganar Deus, que detesta o orgulho deles (v. 15).
v. 13. Esse versículo tem um paralelo em Mt 6.24, no contexto do Sermão do Monte; o restante é peculiar a Lucas.
(3)    Ditos acerca da nova ordem (16.16-18)
Três ditos breves acerca do reino, da lei e do divórcio. Os primeiros dois ocorrem também em Mateus e, assim, provavelmente, pertencem a “Q”; o terceiro é encontrado nos três sinópticos. Acerca do v. 16, cf. comentário de Mt 11.12,13; acerca do v. 17, cf. comentário de Mt 5.18; acerca do v. 18, cf. comentário de Mc 10.4,11,12 e Mt 5.31,32.
(4) A parábola do rico e Lázaro (16.19-31)
Um homem rico, desfrutando de todo tipo de luxo de roupa e alimento, morre aproximadamente na mesma época que Lázaro, um pobre coitado que senta à porta do rico para pedir esmola, cuja presença quase não é notada por aquele. No além-mundo, seus papéis são invertidos; o mendigo desfruta da felicidade junto de Abraão, enquanto o rico foi ao Hades, onde estava atormentado. Mesmo nessa condição, ainda quer ordenar que Lázaro faça trabalhos servis para ele, mas Abraão destaca que o rico já teve mais do que a sua parcela justa de coisas boas; e, além disso, o trânsito entre os dois lados é absolutamente impossível. Ao perceber que falhou em conseguir algum tipo de concessão para si, o rico pede que Lázaro seja enviado aos seus cinco irmãos para adverti-los. Mas esse pedido também é negado, visto que eles têm todas as advertências de que precisam nas Escrituras.
Essa parábola é diferente de todas as outras no aspecto de que a personagem central é mencionada; alguns comentaristas argumentam, por essa razão, que deve ser considerada narrativa histórica, e não parábola. Mas esse ponto de vista, à parte do fato de que todas as parábolas narrativas provavelmente falam de eventos que de fato aconteceram, ignora o elemento de simbolismo que está bem evidente na história. As expressões “junto de Abraão”, “grande abismo” e “este lugar de tormento” não devem ser forçadas demais em seu sentido literal material, e seria muito imprudente tentar descrever a vida após a morte com base nos detalhes descritos aqui. Alan Richardson diz corretamente: “O objetivo da parábola não é nos familiarizar com os detalhes da vida por vir, mas confrontar-nos com nossa tarefa nesta vida” (A Theological Word Book of the Bible, 1950, p. 107).
Certas verdades concernentes à vida por vir são, no entanto, destacadas inescapavel-mente na parábola. Em primeiro lugar, está o caráter final e decisivo da morte como destino humano; o estado da alma individual depois da morte é determinado irrevogavelmente durante esta vida. Em segundo lugar, seja o que estiver representado na linguagem simbólica, a parábola ensina claramente que o destino dos justos é a infinita felicidade, e o dos ímpios a aflição indescritível. Tanto a felicidade quanto a aflição são conscientes, e, além disso, a memória desta vida com suas oportunidades perdidas subsiste no além. Em terceiro lugar, além da insistência na realidade das diversas condições após a morte, há uma insistência equivalente na verdade de que para todos os homens há orientações suficientes do caminho para o céu nas Escrituras.
v. 19. Havia um homem rico: O seu nome não é apresentado. Não importa quem era, parece se encaixar na descrição de um sadu-ceu; ele é abastado e veste roupas que são adequadas ao seu elevado nível social. Um materialista de mão cheia cuja filosofia parece ser “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”, ele também é um racionalista que não acredita na vida após a morte mais do que os irmãos que ele quer despertar — tarde demais — para a verdade. Mas isso não justifica a pressuposição de T. W. Manson {Sayings, p. 295) e de outros segundo a qual Lucas está enganado ao mencionar fariseus no v. 14, em que deveria ter escrito saduceus; aliás, apesar do que acaba de ser dito, a parábola é considerada por alguns uma ampliação de 16.14,15, e assim o rico seria, afinal de contas, um fariseu, v. 20. Lázaro: A única personagem que tem nome na parábola. Ê a forma grega do nome Eleazar, “Deus é a sua ajuda”, e um nome suficientemente comum nos dias do NT, para tornar improdutiva a especulação em torno da identidade desse Lázaro em particular, v. 22. “A imagem é deduzida do costume de se reclinar em divãs na hora das refeições. ‘O discípulo a quem Jesus amava estava reclinado ao lado dele’ na última ceia (Jo 13.23)” (Balmforth, p. 244). v. 23. Hades: No uso geral em grego, era quase equivalente ao hebraico Sheol, o túmulo, a moradia dos que haviam partido, bons ou maus, mas posteriormente passou a ser usado quase exclusivamente como lugar dos maus que haviam morrido, v. 25. A afirmação de uma circunstância da presente narrativa, e não o enunciado da doutrina de que na vida após a morte há uma simples inversão da sorte desta vida. v. 31. tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos: Um dito que se cumpriu fartamente pouco tempo depois. A maioria dos judeus não se deixou convencer quando o próprio Jesus ressuscitou dos mortos.

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