Estudo sobre Oseias 2
A
reunificação de Judá e Israel (1.10—2.1)
Esse é mais um trecho que
com frequência é considerado uma inserção posterior, mas em fundamentos
inadequados. Ele prevê a reunião dos dois reinos sob um monarca daví-dico
e o seu retorno à terra prometida (cf. 3.5) num novo e melhor dia de
Jezreel (v. 11; cf. 1.4). O Novo Testamento cita 2.1 em Rm 9.25,26 e em IPe 2.10, em um
sentido novo, o chamado dos gentios para dentro do corpo de Cristo.
Assim, o que originariamente era um assunto particular de Oseias e Gômer
se torna significativo, primeiro para Israel na carne e depois para o
novo Israel.
Não está claro o que significa e se levantarão da
terra (v. 11). “Obter supremacia”, “crescer como plantas” e “subir para
Siquém para coroar um rei” são todas sugestões plausíveis; mas a mais
provável é “retornar do exílio para a terra”. Observe como os nomes dos
três filhos são repetidos em 1.4,6,9; 1.10,11; 2.1 e 2.22, 23, e estão
implícitos em 2.2,4,8.
3) O apelo
do Senhor (2.2-13)
Intercalado entre as duas
narrativas do procedimento de Oseias com Gômer está esse trecho que expressa a
queixa do Senhor contra Israel em termos da analogia do matrimônio. Repreendam
(heb. ríb) é um termo jurídico que denota “acusação”, e é assim
traduzido em 4.1 e 12.2. Cp. as figuras e imagens jurídicas encontradas em
5.5; 7.10 e em Is 3.13 e Mq 6.1ss. Deus ameaça levar Israel, sua esposa, à
justiça não para firmar o divórcio, mas para uma reconciliação; cf. a
parte seguinte (2.14-23) e o próprio comportamento de Oseias em
3.1ss. O quadro oscila um pouco, visto que os filhos são testemunhas da
acusação (v. 2), como também estão envolvidos na culpa (v. 4).
Nos v. 2-5, o Senhor
apresenta a sua causa: Israel cometeu prostituição por pagamento com os
baalins. ela não é minha mulher, a expressão não pode ser considerada
nesse contexto uma declaração formal de divórcio. A NEB corretamente
traduz; “Não é ela a minha esposa?”. O v. 3 é semelhante às maldições dos
tratados contra os que quebravam alianças no Antigo Oriente Médio — cf.
também Ez 11.36ss.
Nos v. 6-8, Israel é
advertido que vai se frustrar ao não ter os seus desejos satisfeitos, na
esperança de que isso o impulsione a voltar para Deus. A repetição de “Por
isso” (v.
6,9) e “Portanto” (v. 14) indica claramente a
reação divina às ações do povo. Acerca de Voltarei, que ecoa
repetidamente em todo o livro, v. comentário de 3.5. Baal (v. 8)
aqui está no singular, como também no v. 16 e em 13.1; em outros
lugares, está no plural.
Os v. 9-13 revelam o que
acontece se as advertências não forem respeitadas: virá o castigo — a
privação de toda a prosperidade e alegria. Visto que a atribuição a Baal
(v. 8) de todos os frutos da terra dados por Deus anulava toda a
compreensão que Israel tinha do papel de Deus no Universo, isso era
o máximo da apostasia. Por isso, as dádivas são removidas. De forma
semelhante, visto que as festas do v. 11 (cf. GL 4.10)
originariamente honravam o Senhor, mas foram desviadas para celebrar
a Baal, tinham de ser interrompidas. Mas por trás de toda a disciplina
está o grito de angústia de Deus do v. 13, lembrando-nos de Ap 2.4,
enquanto todo o procedimento reflete o princípio declarado em Hb 12.6.
Declara o Senhor (v. 13) é uma fórmula solene de oráculo usada com frequência pelos
profetas para ressaltar que uma mensagem vinha de Deus. E usada também nos v.
16 e 21 com promessas de restauração, e também ocorre em Os 11.1.
Igualmente sérias são as ameaças de condenação e as previsões de esperança!
4) A grande
restauração (2.14-23)
Depois das ameaças de
condenação, vêm predições de bênçãos, um padrão recorrente em Oseias — cf.
3.4,5; 5.15; 11.8ss; 14.1-8. Não há necessidade de se pressupor a
mão de um redator aqui, visto que isso concorda com a bondade do
profeta para com a sua esposa. Embora a métrica seja coerente dos v.
2 ao 15 e haja um fator de unidade representado pelos “Por isso” (v. 6,9) e
“Portanto” (v. 14), o trecho dos v. 14-23 tem uma unidade de mensagem que
justifica a nossa divisão.
v. 14. atraí-la
poderia ser traduzido por “seduzi-la” como em Ex 22.16. No contexto, é uma
palavra ousada, refletindo fortemente o grande anseio de Deus por seu
povo. A sedução surge porque o deserto, aparentemente um lugar de
castigo, mostra-se como um lugar de renovação do amor (Ellison). v.
15. O vale de Acor retoma a história de Js 7 e ilustra duas
características do estilo do profeta: a citação de nomes de lugares e o
seu gosto por jogos de palavras. Acor, lit. “problema”, torna-se esperança.
Para Oseias, como também para a maioria dos profetas pré-exílicos, o Egito
foi o lugar da eleição de Israel por parte de Deus — cf. 11.1; 12.9,13;
13.4 — e voltar para lá era igual ao cancelamento dessa eleição —
8.13; 9.3. Como no êxodo, a eleição foi colocada em perigo por meio
do pecado em Acor, mas isso foi impedido pelo juízo; assim, a ameaça
presente de rejeição vai ser afastada como resultado do “problema”
descrito nos v. 3-13 e conduzir a uma segunda lua-de-mel com Deus, marcada
pela mudança de coração por parte de Israel (v. 15,16) e pela renovação do favor de Deus (v.
18). Observe o jogo de palavras no v. 16; “Baal” (nota de rodapé da NVI) é
traduzido por “marido” por algumas versões em, por exemplo, Jr 31.32.
Então seguem os
maravilhosos e triplos votos de casamento nos v. 19,20,
incluindo promessas que se assemelham à nova aliança de Jr 31.31-34,
anunciada mais de um século depois. Aqui encontramos algumas das grandes
palavras-chave da teologia de Oseias:
O amor (hesed),
definido de forma concisa por Taylor como “lealdade de uma pessoa para com
as obrigações da aliança e para com o parceiro da aliança”, é amplamente
demonstrado por Deus, embora falte de forma calamitosa por parte de
Israel. Esse termo não usado por Amós é o elemento principal do apelo
de Os 4.1; 6.6 e 12.6.
A justiça (mispat)
tem uma conotação mais ampla do que a mesma palavra em português e sugere
a inclusão de todas as condições da aliança. A sua associação com a
misericórdia aqui lembra Rm 3.26.
Compaixão traduz a mesma palavra que “minhas amadas” (2.1) e, assim, inverte de
forma significativa o veredicto de 1.6. McKeating vê nessa palavra “o tipo de
ternura que é suscitada por aquilo que é pequeno ou que foi ferido ou é
digno de ser afagado”. Enquanto o amor pressupõe um relacionamento, a misericórdia
é condicionada somente pelas necessidades do objeto.
A fidelidade (da
mesma raiz que a palavra “amém”) é a confiabilidade e a coerência de Deus,
em contraste com a obstinação do povo.
Você reconhecerá o Senhor é o que se espera do povo da aliança, e isso se encaixa
de forma convincente no símile aqui — cf. Gn 4.1. Esse reconhecimento
inclui uma disposição interior em relação a Deus, mas também uma familiaridade
com os atos de Deus na história (cf. 13.4,5) e a obediência às condições
da aliança como expostas na Lei (cf. 4.6).
A ideia do matrimônio como
figura do relacionamento entre Deus e Israel é retomada no NT, particularmente
em Ef 5.23ss e Ap 21.9ss, uma das principais ideias-semente iniciadas pelo
primeiro dos Profetas Menores. Os v. 21ss apontam para aquele dia em que os propósitos de Deus na
disciplina são atingidos e o castigo é revertido pela graça. Assim,
os nomes dos três filhos reaparecem com significado renovado. O símile sexual é mantido
de forma intensa em todo o trecho: o namoro (v. 14,15) conduz ao casamento (v.
19,20) que se consuma na fecundidade (v. 21 ss).
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