Interpretação de Deuteronômio 21

Deuteronômio 21

21:1. Pois o Senhor teu Deus... está contigo. A lembrança das façanhas todo-poderosas de Deus no estabelecimento da teocracia e a reafirmação da Sua presença no meio do Seu povo, mesmo quando se tratava das guerras do Senhor, deviam confirmar a fé dos israelitas quando enfrentassem exércitos maiores e tecnologia militar. Quanto aos cavalos e aos carros, que Israel cantasse novamente a Canção do Mar: “O Senhor é homem de guerra... Lançou no mar os carros de Faraó e o seu exército... precipitou no mar o cavalo e o seu cavaleiro... O Senhor reinará por todo o sempre” (Êx. 15: 3a, 4a, 216, 18).

21:2. O sacerdote se adiantará, e falará. No mundo antigo, sacerdotes e intérpretes de augúrios eram membros regulares da equipe militar (cons. Nm. 10:8, 9; 31:6; 1 Sm. 7:9 e segs.). A função do sacerdote israelita não era análoga a de um capelão militar moderno. Ele antes representava o santuário em cujo nome o exército israelita avançava; ele consagrava a batalha à glória do Senhor dos exércitos e ao Seu reino convencional. Com referência ao versículo 4, veja 23:14; I Sm. 14:18; II Sm. 11:11. A situação analisada nos versículos 5-9 é aquela dos primeiros tempos em Canaã, antes que houvesse um exército regular com mercenários estrangeiros fazendo o papel de um corpo de elite.

21:5. Os oficiais. A milícia das tribos devia ser recrutada pelos oficiais das tribos (cons. 1:15). Shamshi-Adade, o assírio, em sua correspondência milita, ordenou àqueles que estavam encarregados do recrutamento: “O comandante cujas tropas não se apresentarem na íntegra e que deixar um homem para trás incorrerá no desfavor do rei” (Mari,1, 6:18 e segs.). Considerando, contudo, que nas guerras do Senhor, a vitória vinha não pelo poder do exército israelita, o recrutamento era feito tão livre de compulsão que apenas a consciência fortalecida pela fé no Senhor como o Doador da vitória (v. 4) competia ao alistamento. (Para averiguar exemplo histórico surpreendente deste princípio, veja Jz. 7:2, 3).

21:8. Para que o coração de seus irmãos se não derreta. Os poemas épicos homéricos descrevem tropas desmoralizadas chorando como bezerros e gritando como crianças com saudades de casa. Tal comportamento no exército israelita desgraçaria o nome do Senhor diante dos pagãos. Os tipos que deviam ficar de fora evidentemente não eram insólitos em Israel (cons. o poema sumeriano, “Gilgamesh and the Land of the Living”, 49 e segs.; O Poema Ugarita, Keret, 101 e segs.). Jesus insistia (Lc. 14 18 e segs.) que tais desculpas usadas para isenção do serviço militar não deviam afastar um homem da pronta aceitação do Seu convite à salvação. (A respeito do v.6, cons. Lv. 19:23 e segs.; sobre o v. 7, cons. 24: 5).

21:10. Oferecer-lhe-ás a paz. Tal oferta foi expressamente proibida no conflito com as cidades de Canaã (7: 2 e segs.). A identificação do reino de Deus com o reino terrestre de Israel produziu, no V.T., uma antecipação do juízo final que sobrevirá àqueles que permanecerem de fora do reino redentor de Cristo. Este juízo do V.T., contudo, não podia ser executado universalmente. Pois então a dispensação da graça para os gentios teria terminado prematuramente, e a promessa de que Israel seria uma bênção a todas as nações através do Messias (Gn. 12: 3) teria sido nulificada. Por isso, a tipologia do juízo final foi estritamente aplicada, unicamente, nas guerras contra as nações dentro das fronteiras reclamadas por Deus para o Seu reino típico (Dt. 20:16-18; cons. 7:2 e segs.).

21:15. As cidades... mui longe de ti. Além dessas fronteiras a tipologia do juízo era abrandada pelos princípios que governam o relacionamento costumeiro das nações em geral (vs. 10-15), ainda que não de modo a se perder o significado religioso do encontro de uma nação antiga com o Reino do Israel de Deus. Consequentemente, na oferta de paz de Israel (v. 10) e na submissão da cidade gentia como tributário convencional do Senhor (v. 11) está gravada a imagem da missão salvadora do povo de Deus neste mundo (cons. Zc. 9: 7b, 10b).

O julgamento daqueles que se recusam a fazer a paz com Deus através de Cristo era exibido no cerco, na conquista e no castigo da cidade insubmissa (Dt. 20:13), ainda que, conforme observado acima, isto não importava em estrita aplicação do herem (interdito), nem era também tão severo quanto o tratamento costumeiro nas guerras da antiguidade (vs. 14, 19, 20).

21:19b. O arvoredo é a vida do homem. Estas palavras, colocadas em parêntesis na E.R.C., são obscuras; mas a E.R.C. parece traduzir o final do versículo de maneira mais acertada do que a E.R.A.

21:1-23 Este capitulo conclui os mandamentos relacionados com a autoridade governamental. Considerando que toda esta autoridade é uma extensão da autoridade do chefe da família individual (veja o quinto mandamento), estas estipulações finais sobre este assunto preocupam-se apropriadamente do exercício da autoridade dentro do lar. Há sanções impostas para reforço desta autoridade (vs, 18-21), e há regulamentos para garantir um justo exercício dela (vs. 10-17). Os versículos introdutórios prescrevem procedimento judicial nos casos em que a justiça penal não possa ser satisfeita, tendo em vista que a identidade do ofensor não é conhecida (vv. 1-9). As provisões são tais que demonstram além disso a orientação de todo o governo teocrático do santuário. Semelhantemente, a estipulação final insiste que seja respeitada a lei culto-cerimonial na administração da lei criminal (vs. 22, 23). O altar teocrático e a corte teocrática eram duas manifestações da justiça do Rei teocrático, o Santo que escolheu um lugar de habitação em Israel.

21:1-9 Os membros das judicaturas locais (veja 16:18) deviam determinar qual a cidade que devia assumir a responsabilidade.

21:3. Da cidade mais próxima. Este princípio da responsabilidade comunitária conjunta no caso de criminosos não identificados também aparece no Código de Hamurabi. As leis 23 e 24 desse Código exigem que a cidade mais próxima faça a restituição no caso de roubo e que compense com uma mina de prata a família da pessoa assassinada. Os anciãos da cidade (cons. 19:12), como os representantes de toda a população, deviam orientar a execução cerimonial (3b, 4). Este ritual devia ser executado sob a jurisdição dos sacerdotes (5a).

21:5b. Por sua palavra, decidirem toda demanda e todo caso de violência (cons, 17: 8, 10). Aqui está uma afirmação clara da autoridade judicial máxima de que estava investido o sacerdócio. A função dos sacerdotes no caso sob exame era puramente judicial, pois o sacrifício da novilha (v. 4b) não seria um sacrifício cultural, mas uma execução judicial. Que não era um sacrifício no altar está evidente pelo medo da execução (cons. Êx. 13:13). Considerando que era apenas uma execução cerimonial, ficando a novilha como substituto do homicida desconhecido, não havia verdadeira satisfação de justiça.

21:9. Assim eliminarás a culpa... do meio de ti. O atual servia para preservar o status cerimonial daqueles que estavam envolvidos na qualidade de membros convencionais sacramentalmente qualificados (vs. 8, 9). Fazendo assim, prefigurava profeticamente (como um sacrifício no altar) a execução vicária do Messiânico Servo do Senhor pela culpa de sangue do Seu povo. Não só os homens, mas também a terra manchada de sangue participava dessa profanação simbólica; e sua profanação também era, figuradamente, purificada através do ritual judicial (cons. Nm. 35:33). Nisto havia um lembrete de que a perfeita justiça devia finalmente permear todo o reino de Deus. Outro subproduto dessa exigência ritual seria a preservação da paz através da eliminação de possíveis mal-entendidos que pudessem inflamar uma luta entre as cidades, se o parente vingador do morto saísse precipitadamente no cumprimento de seu papel de vingador.

21:10-14 Esta primeira das três estipulações relacionadas com a autoridade do chefe da casa (cons. vs. 15-21) trata dos limites da autoridade do marido sobre a esposa. O caso de uma mulher cativa (vs. 10, 11; cons. 20:14; contraste com 7:3) foi usado como exemplo para o estabelecimento dos direitos da esposa, talvez porque o princípio poderia obviamente se aplicar a fortiori ao caso de uma esposa israelita. Sobre os atos de purificação dos versículos 12b, 13a, os quais significavam a remoção do status de escravo, compare com Lv. 14:8 ; Nm. 8:7. Sobre o luto de um mês, veja Nm. 20:29 e Dt. 34:8. Este período daria lugar à serenidade interior necessária para o começo de uma nova vida, como também para a expressão apropriada da piedade filial.

21:14. De nenhuma sorte a venderás. Uma esposa não devia ser reduzida à condição de escrava, nem mesmo a esposa que foi tirada da condição de escrava. Embora esta ilustração da esposa prisioneira seja peculiar ao Deuteronômio, o mesmo princípio está expresso no Livro da Aliança, onde o caso da serva israelita foi apresentado (Êx. 21:7-11). Deixá-la-ás ir à sua própria vontade. A interrupção do relacionamento conjugal, só foi mencionado aqui, em relação à declaração do principio mais importante de que a autoridade do homem não se estendia ao direito de reduzir sua esposa à condição de escrava. A dissolução do casamento teria de ser realizada de acordo com as leis do divórcio da teocracia (cons. Dt. 24:1-4). O divórcio não era obrigatório, mas concedia-se a liberdade no caso do homem tomar a decisão de se divorciar de sua esposa, de acordo com a permissão dada por Moisés, por causa da dureza dos seus corações (cons. Mt. 19:8).

21:15-17 Esta estipulação circunscrevia a autoridade do pai sobre seus filhos, especificamente no que dizia respeito aos direitos de primogenitura. Esta ilustração particular envolve outra situação da economia mosaica que era simplesmente tolerada, isto é, a poligamia. Onde a poligamia era praticada, o problema citado (v. 15) teria sido comum (cons. Gn. 29:20 e segs.; I Sm. 1:4 e segs.).

21:17c. O direito da primogenitura é dele. O direito da primogenitura incluía uma herança de propriedades em dobro do que era concedido aos outros filhos. O princípio aqui reforçado é que a autoridade paterna não é absoluta. A mera preferência pessoal do pai não justifica desprezo dos direitos costumeiros, divinamente sancionados, daqueles que se encontravam sob sua autoridade paterna.

21:18-21 Se o abuso da autoridade produzia tirania, o desrespeito pela devida autoridade produziria anarquia, a própria contradição da ordem da aliança como uma manifestação do senhorio divino. A autoridade paterna, em particular, fora ordenada por Deus para representar a autoridade divina e para sei a pedia de esquina de todo o governo humano e ordem social. Portanto, enquanto era necessário proteger-se aqueles que se encontravam sob a autoridade do chefe da casa para que não houvesse abuso arbitrário de sua autoridade (vs. 10-17), também era necessário fortalecer essa autoridade contra o espírito da anarquia em uma geração de Belial (v. 20). Está reforçado aqui através das sanções máximas da lei teocrática (v. 21; Êx. 21:15, 17; Lv. 20:9; Dt. 27:16).

21:18. Ainda castigado. O castigo devia ser o limite da aplicação das sanções judiciais pelos próprios pais. Além disso, o processo judicial devia sei dirigido pelos anciãos à porta da cidade (v. 19), isto é, pela judicatura teocrática local (cons. 16:18 e segs.).

21:22, 23 A lei precedente provinha da autoridade paterna para a autoridade oficial judicial e prescrevia a pena de morte. O presente caso avança no processo judicial um passo além da execução, para a exposição do corpo como uma advertência, proclamação pública da satisfação da justiça. O principio exemplificado é que toda administração da lei teocrática devia operar à serviço da religião da aliança.

21:23 O que foi pendurado no maleiro é maldito de Deus. O condenado teria sido culpado de ofensas declaradas malditas pelas sanções da aliança. Tendo sido executado, visivelmente estaria personificando a ira de Deus que foi derramada. Como carcaça humana exposta às aves e às feras (cons. II Sm. 21:10), o homem pendurado no madeiro seria uma expressão da consumação da maldição divina sobre a raça decaída (cons. por exemplo, Ap. 19:17 e segs.). Nesta conclusão da série de estipulações em que Deus exige uma justiça judicial perfeita e a satisfação de cada reivindicação da justiça, se necessário através de um sofredor vicário, o crente do Novo Testamento lembra-se dAquele que foi maldito de Deus para redimir o Seu povo da maldição inexorável da lei (Gl. 3:13).

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