Estudo sobre Hebreus 7

Estudo sobre Hebreus 7

Estudo sobre Hebreus 7 

Índice: Hebreus 1 Hebreus 2 Hebreus 3 Hebreus 4 Hebreus 5 Hebreus 6 Hebreus 7 Hebreus 8 Hebreus 9 Hebreus 10 Hebreus 11 Hebreus 12 Hebreus 13

VI. O SACERDÓCIO DE JESUS CONTINUADO E CONCLUÍDO (7.1—10.18)
I) Segundo a ordem do sacerdócio de Melquisedeque (7.1-28)
O autor de Hebreus já citou Melquisedeque diversas vezes (5.6,10; 6.20). Agora começa uma discussão ampla dele e de sua relação com Cristo. Gênesis 14.17-20 fornece o contexto histórico e serve a diversos propósitos: (a) mostrar o caráter moral de Melquisedeque, (b) demonstrar sua grandeza e (c) estabelecer uma outra ordem de sacerdócio que não a de Arão. Aprendemos sobre o seu caráter moral com base em um estudo etimológico do seu nome e do da cidade que ele governou. Melquisedeque é um nome composto de duas palavras que quando traduzidas significam rei de justiça (v. 2). O nome da sua cidade, Salém, significava “paz”. Daí que, para o autor de Hebreus, Melquisedeque era um rei caracterizado por justiça, e seu governo, por paz (cf. Is 32.1,17). Sua grandeza pode ser vista com base no fato de que ele abençoou Abraão, o patriarca (i.e., o pai de todos nós), numa época em que Abraão não era menor do que ninguém em importância na terra — vitorioso sobre Quedorlaomer e os reis que estavam com ele — e com base no fato de que Abraão lhe deu o dízimo de tudo (v. 2). A prova da existência de outra ordem além da de Arão e de seus descendentes está no fato de que Melquisedeque é Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida (v. 3), expressões que em si provavelmente não signifiquem nada mais do que o fato de que não há menção de pai ou mãe etc. nas Escrituras inspiradas. Mas com base em um princípio de exegese, segundo o qual os silêncios das Escrituras são tão significativos quanto as suas afirmações, o autor entende de tal omissão que Melquisedeque era uma figura solitária na história que mantinha o seu sacerdócio por seus próprios méritos, não em virtude de descendência, ”que nunca assumiu e nunca perdeu o seu ofício”, e, portanto, cujo sacerdócio permanece para sempre. E significativo que o autor de Hebreus não identifica Melquisedeque com Cristo, mas diz que ele é semelhante ao Filho de Deus (v. 3). Melquisedeque foi, assim, o fac-símile do qual Cristo é a realidade. Cristo, portanto, é rei da justiça e da paz no mais amplo sentido, e sacerdote “semelhante a” ou “da ordem de” Melquisedeque (v. 15), isto é, sacerdote para sempre!
Nos v. 4-10, o autor continua a exaltar o sacerdócio de Melquisedeque. Ele faz isso ao repetir o fato de que Abraão lhe deu o dízimo (a melhor parte) dos despojos (v. 4) e em troca recebeu sua bênção sacerdotal (v. 6). Ao aceitar esse papel de “quem dizimou” e “quem foi abençoado”, Abraão que “tinha as promessas” reconheceu duplamente a sua inferioridade em relação a Melquisedeque (v. 7). O autor exalta ainda mais aquele misterioso sacerdócio ao chamar atenção, primeiramente, para o fato de que os sacerdotes levíticos são superiores a todos os outros israelitas no aspecto de que somente eles têm o mandamento na lei de receber o dízimo [...] dos seus irmãos (v. 5), e então ao mostrar que até Levi, que recebe os dízimos, entregou-os a Melquisedeque por meio de Abraão (v. 9). Os sacerdotes levíticos, então, embora superiores à grande multidão de Israel, são de fato inferiores a Melquisedeque, e seu sacerdócio é inferior ao dele. Assim, o argumento do autor é o seguinte: Os sacerdotes levíticos são superiores ao restante dos israelitas, porque, embora mortais, eles, não obstante, recebem os dízimos dos seus irmãos; Levi é superior aos sacerdotes porque é seu progenitor; Abraão é maior do que Levi porque é pai de todos eles; Melquisedeque é maior do que Abraão, se por nenhuma outra razão, pelo fato de que recebeu o dízimo de Abraão e o abençoou; portanto, Melquisedeque é maior do que Abraão, Levi, os sacerdotes levíticos e todo o Israel. O sentido de tudo isso é, sem dúvida, provar a superioridade final do sacerdócio de Cristo, que a essa altura é fácil de fazer, pois o autor já sugeriu a superioridade de Cristo sobre Melquisedeque quando disse que Melquisedeque era semelhante ao Filho de Deus (v. 3). Cristo é maior do que Melquisedeque, assim como é maior a realidade do que o fac-símile. Portanto, Cristo é maior do que Abraão, Levi e todos os seus descendentes, e seu sacerdócio, também, é maior do que o deles.
Os v. 11-28 tratam agora dessa nova ordem de sacerdócio e da sua necessidade. Em primeiro lugar, o autor ressalta que a nova ordem foi predita (ele volta a SI 110.4), e que ela foi predita porque a perfeição não podia ser atingida por meio do sacerdócio levítico (v. 11). A perfeição aqui significa a capacidade de o homem se aproximar de Deus (cf. v. 19; 9.9; 10.22). A ordem do antigo sacerdócio nunca poderia produzir essa aproximação, embora esse fosse o objetivo principal do sacerdócio, simplesmente porque nunca poderia remover de todo o pecado que barrava o caminho. Portanto, a nova ordem estava na mente e no plano de Deus mesmo enquanto a antiga ordem ainda estava em pleno andamento. Isso significa que a antiga lei e a antiga aliança (8.7ss) também eram temporárias, e foram destinadas a ser colocadas de lado junto com o sacerdócio, pois todo o sistema legal “girava em torno do sacerdócio”, visto que em sua vigência o povo recebeu a Lei (v. 11).
Assim, quando há mudança de sacerdócio, ê necessário que haja mudança de lei (v. 12). “O sumo sacerdócio é como a pedra principal de toda a estrutura da Lei Mosaica; todas as outras regulamentações ruíram por si quando o sacerdócio foi transferido para Cristo” (E. F. Scott, Comm., ad loc.).
A necessidade de tal mudança radical era grande. É óbvio que aquele de quem se dizem estas coisas pertencia a outra tribo (v. 13) à qual não pertenciam privilégios sacerdotais. O autor entende que a lei proibia que alguém de outra tribo que não fosse a de Levi servisse diante do altar (v. 13). Mas é bem conhecido que o nosso Senhor descende de Judá (v. 14) e que ele, mesmo assim, estava destinado a ser sacerdote, pois era a realidade histórica da predição de SI 110.4: “sacerdote para sempre•” (v. 15-17). Assim fica ainda mais claro que, visto que a lei permitia somente aos filhos de Levi serem sacerdotes, ela precisava ser cancelada para abrir caminho para esse que possuía o sacerdócio não em virtude da descendência legal, mas segundo o poder de uma vida indestrutível (v. 16). A ênfase aqui está nas qualidades eternas do seu sacerdócio que são demonstradas por meio das citações das Escrituras nos versículos seguintes (v. 17). Embora o autor não mencione o fato de que o Senhor descendeu de Davi, demonstra, mesmo assim, que Cristo combina em si mesmo os ofícios tanto de rei quanto de sacerdote — “da tribo de Judá” e “segundo a ordem de Melquisedeque”. [V. o conceito corrente nos textos de Cunrã de dois Messias, um sacerdotal, que era superior em posição, e um Messias-rei (cf. Manual da Disciplina, 9.11, na tradução de A. Dupont-Sommer, The Essene Writings from Qumran, 1961). E possível que Ftebreus combata essa ideia nessa exegese cuidadosa do significado de Melquisedeque.]
Os v. 18,19 são um resumo do argumento do autor concernente à suplantação da lei. v. 19. a Lei não havia aperfeiçoado coisa al-guma\ isto é, não levou ninguém a Deus, mas a “substituição” por uma esperança superior (“de perdão e absolvição”) realizou isso (v. comentário de Moffatt da expressão sendo introduzida, Comm., ad loc.). Agora é possível nos aproximarmos de Deus (v. 19), adorarmos verdadeiramente, que para o autor de Hebreus é o elemento fundamental na redenção. Pois agora o relacionamento do homem com Deus já não é de ordenanças exteriores somente, mas é um relacionamento espiritual interior que garante a verdadeira comunhão com ele.
A superioridade definitiva do sacerdócio de Cristo fica ainda mais clara nos v. 20-25. Em primeiro lugar, chama-se atenção para o fato de que Deus não garantiu o antigo sacerdócio levítico como ele garantiu o novo. Eles se tomaram sacerdotes sem qualquer juramento (v. 20). Isso significa para o autor que o sacerdócio foi somente temporário — provisório. O sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque”, no entanto, foi confirmado no seu ofício por um juramento de Deus (v. 21), por isso o seu sacerdócio é eterno. Isso torna Jesus (não o nome) a garantia de uma aliança superior (v. 22), pois, visto que o sacerdócio e a aliança estão inextricavelmente ligados (cf. comentário de “aliança” no cap. 8), a aliança só é tão duradoura quanto o sacerdócio. Em segundo lugar, a multiplicidade dos sacerdotes anteriores em contraste com o novo sacerdote também destaca a superioridade do segundo sacerdócio. Antes, a morte impedia que o sacerdote continuasse no seu ofício (cf. v. 16); tornava a sua obra incompleta. Mas não é assim no caso do novo sacerdote — pois ele tem um sacerdócio permanente, “como um que não pode ser transferido a outro” (gr. aparabatos), visto que vive para sempre (v. 24; cf. tb. 13.8). Isso leva o autor ao clímax dessa parte do seu discurso sacerdotal. Visto que o sacerdócio de Cristo é inviolável e “intransferível”, ele é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus (v. 25). [Observação: (a) melhor seria traduzir o gr. eis to panteles (cf. Lc 13.11) por “completamente” do que definitivamente, como temos aqui. Assim, “ele pode garantir a salvação total e final deles” (F. F. Bruce, Peake, ad loc.); (b) o significado e o tempo do verbo ”aproximar-se” indicam que aqueles que se aproximam constantemente para adorar a Deus por meio de Jesus Cristo são os que ele é capaz de salvar.] Além disso, visto que o sacerdócio de Cristo é inviolável e “intransferível”, ele é capaz de fazer intercessão contínua por nós — ele pode defender a nossa causa diante de Deus ininterruptamente.
São feitos os contrastes finais que mostram a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico, primeiramente por meio do caráter pessoal dele como sacerdote e o dos sacerdotes: Ele foi alguém que satisfez exatamente as nossas necessidades, ”completamente puro”; eles eram obrigados a oferecer sacrifícios dia após dia (v. 27); e, em segundo lugar, entre a qualidade do sacrifício dele e a do sacrifício deles: O sacrifício dele foi de si mesmo, uma vítima consciente e voluntária, de tal natureza que nunca precisou ser repetido, daí que ele o fez uma vez por todas (v. 27); o sacrifício que os sacerdotes faziam era de animais irracionais, oferta involuntária, cujo sangue nunca poderia tirar o pecado (cf. lO.lss), daí que era um procedimento diário e incessante (v. 27).