Interpretação de João 1

João 1

João 1 apresenta Jesus como o Verbo (Logos) que existiu com Deus desde o início da criação. O capítulo enfatiza a natureza divina e o papel de Jesus na criação. Também apresenta João Batista, que veio preparar o caminho para Jesus, e dá testemunho da importância de Jesus. O capítulo destaca a rejeição de Jesus por seu próprio povo e a oferta de salvação a todos que o recebem e acreditam nele. João 1 estabelece as bases para os temas de luz, vida e crença que serão desenvolvidos ao longo do Evangelho de João.

Interpretação

1:1-18 Sem delongas o escritor apresenta a figura central do Evangelho, mas não a chama de Jesus ou Cristo. Neste ponto Ele é o Logos (Palavra). Este termo tem raízes no V.T., sugerindo conceitos de sabedoria, poder e um relacionamento especial com Deus. Era também largamente usado pelos filósofos para exprimir ideias tais como discussão e mediação entre Deus e o mundo. No tempo de João toda sorte de leitores entenderiam sua adequabilidade aqui, onde a revelação é a nota principal. Mas o aspecto diferente é que o Logos também é o Filho do Pai, que se encarnou a fim de revelar Deus plenamente (1:14,18).

1, 2 O princípio do Evangelho (Mc. 1:1) foi ligado ao princípio da criação (Gn. 1:1) e vai além dela dando uma visão da Deidade “antes que o mundo existisse” (cf. Jo. 17:5). A Palavra não se fez; era. Com Deus sugere igualdade e também associação. O Verbo era Deus (divindade) sem confusão de pessoas.

1:3. Todas as coisas inclui a totalidade da matéria e existência, mas considerada aqui em seu “status” individual e não universal.

1:4. A vida está nEle, não simplesmente através dEle. Como vida, a Palavra comunicava luz (conhecimento de Deus) aos homens.

1:5 As trevas são em primeiro lugar morais. Nem todos têm vantagem da luz (cons. 3:19). Provavelmente o pensamento não é idêntico a 1:9, 10; assim as trevas não a prevaleceram é uma tradução menos aceitável do que as trevas não a venceram.

1:6. Houve. Antes, veio. Esta é a aparição de João na história, como enviado por Deus. A frase resume o material contido em Lc. 1:5-80; 3:1-6.

1:7 Que João veio para testemunho, ou para testificar, é a maior ênfase deste Evangelho (1:15, 34; 5:33, 36, 37; 15:26, 27; 19:35; 21:24). Sua missão foi testemunhar da luz, que brilhava desde a Criação e estava ali para iluminar os homens com a sua presença. O testemunho foi idealizado para que os homens viessem a crer (a palavra “fé” não aparece neste Evangelho, mas o verbo quase se transforma em um refrão; cons. 20:31).

1:9 A luz verdadeira não transforma João em uma luz falsa. Dá a entender que é uma luz antitípica, máxima – o sol, não uma vela. Daí, venerar João indevidamente, depois que a Luz despontou, é errado (3:30; Atos 19:1-7). A sintaxe do versículo no grego é difícil. A verdadeira luz que, vinda ao mundo; ilumina a todo homem é a tradução mais provável. Através de sua presença entre os homens o Logos traria uma iluminação superior àquela que fora proporcionada aos homens antes de sua vinda.

1:10, 11 A Luz era verdadeira e resplandecente, mas a acolhida que teve foi desapontadora. Além da semelhança que há nos dois versículos, jazem neles diferenças deliberadas: estava, mundo; veio, o que era seu; e os seus não o receberam. Deixar de discernir o Logos pré-encarnado é mais compreensível do que a recusa trágica de seu próprio povo, em aceitá-lo quando veio entre eles.

1:12, 13 Nem todos recusaram a Luz. Aqueles que a receberam ganharam poder (autoridade, direito) de serem feitos (naquele exato momento) filhos de Deus. Aqueles que o receberam são descritos como aqueles que creem no seu nome (pessoa). Veja 20:31. Há duas maneiras de se dizer a mesma coisa. Os crentes são mais adiante descritos em termos do que Deus faz por eles. Eles nasceram ... de Deus. Não é um processo natural que traz pessoas ao mundo – não do sangue (literalmente, sangues), sugerindo a mescla das correntes sanguíneas paterna e materna na procriação. Da vontade da carne sugere o desejo natural e humano de se ter filhos, como da vontade do varão (a palavra usada para marido) sugere o desejo especial de se ter uma descendência que continue com o nome da família. Assim, o novo nascimento, algo sobrenatural, foi cuidadosamente resguardado da confusão com o nascimento natural.

1:14 Antes que a fé possa produzir o novo nascimento, deve haver um objeto sobre o qual repousar, tal como a encarnação do Verbo, o Filho de Deus. Deus, tendo se expressado na criação e na história, onde a atividade do Logos era evidente mas a sua pessoa velada, agora se revelava através do Filho em forma humana, que não era simples semelhança, mas carne, João poderia ter usado “homem” mas escolheu declarar a verdade da encarnação enfaticamente como se quisesse contrariar aqueles que tinham tendências gnósticas. Essa falsa visão de Cristo recusava-se a aceitar que a divindade pura pudesse assumir corpo material, uma vez que a matéria era considerada má (cons. I Jo. 4:2, 3; II Jo. 7). Habitou. Tabernaculou. Em combinação com a glória sugere a personalização da nuvem luminosa que repousava sobre o tabernáculo no deserto (Êx. 40:34). O Verbo encarnado é também a resposta à oração de Moisés (Êx. 33:18). João não narra a Transfiguração, pois apresenta todo o ministério como uma transfiguração, exceto quanto à luz da qual fala, que é moral e espiritual (cheio de graça e de verdade e não algo visível, cons. Jo. 1:17).

1:15 Mais informações (cons. 1:7) são apresentadas sobre o testemunho do Batista à luz do aparecimento público de Jesus. Jesus veio depois de João em tempo mas veio antes dele em importância, pois era antes dele na qualidade de Eterno (cons. 1:1).

1:16 O Evangelista confirma a singularidade de Cristo. Não só João Batista mas todos os crentes participaram de sua plenitude – a perfeição da divindade (cons. cheio em 1:14). Graça por graça descreve uma manifestação acumulada sobre outra – uma verdadeira plenitude.

1:17 Assim como Jesus Cristo ultrapassou a João (1:15), assim também foi superior a Moisés. Ambos trouxeram algo de Deus, mas um trouxe a lei que condena, o outro a graça que redime da lei. Verdade sugere a realidade da revelação divina de Cristo.

1:18 Deus é invisível, porque é Espírito (cons. 4:24;1 Tm. 6:16). Teofanias não revelam sua essência. Mas o Filho unigênito de Deus (aqui, os principais manuscritos têm Deus em vez de Filho; cons. Jo. 1:1) revela. No seio do Pai dá a entender com Deus (1:1). A missão do Filho foi declarar (fez conhecer; a palavra grega dá-nos o nosso “exegeta”) o Pai. Cristo interpretou Deus ao homem. Nada é perdido (cons. Hb. 1:2, 3; Gl. 1:15).

1:19-36 Em seu desejo ardente de magnificar Cristo, João transformou um interrogatório sobre si mesmo em um forte testemunho sobre o Maior que ia se manifestar. O batismo de Jesus executado por João, que não foi narrado neste Evangelho, já tinha acontecido (veja 1:26).

1:19. Os judeus. Como de costume, João está se referindo aos líderes da nação. Esses sacerdotes eram fariseus (v. 24). Duas coisas provocaram a delegação: a forte pregação de João, que cativava multidões (Mt. 3:5), e sua atividade, batizando (Jo. 1:26). Tal pessoa despertou tanta preocupação nesses líderes que eles perguntaram, Quem és tu?

1:20 João leu seus pensamentos. Eles, tal como as multidões (Lc. 3:15), ficavam imaginando se ele poderia ser o Cristo prometido.

1:21 Sua negação levou-os à segunda pergunta. Elias era esperado antes da vinda do Messias (Ml. 4:5). Embora João não fosse o Elias pessoalmente, estava em sua função (Mt. 17:11-13). Por profeta devemos provavelmente entender o profeta de Dt. 18:15, 18. Alguns o consideravam distintamente do Messias (Jo. 7:40).

1:22-24 A delegação não podia ser satisfeita com negativas. Pressionado a revelar seu papel, João replicou na linguagem profética (Is. 40:3). Era uma verdadeira identificação. João vivera no deserto e ali elevara sua voz para anunciar a aproximação do reino (Lc. 1:80; 3:2, 3).

1:25-28 Um papel assim secundário parecia não ser justificativa suficiente para João administrar o batismo. Mas ele se defendeu – era simplesmente com água. Ele proclamava a presença do pecado e a necessidade de uma purificação que ele mesmo não podia efetuar. A obra final da purificação (ele deu a entender) repousava sobre alguém maior do que ele, Alguém que ainda era desconhecido das autoridades (1:26). João considerava-se indigno de ser Seu servo. Essa conversa foi mantida em Betânia, a leste do Jordão. Não deve ser confundida com Betânia de 11:1,18.

1:29 No dia seguinte surge uma nova situação. A delegação partiu e Jesus apareceu no cenário. Mas não houve nenhuma troca de palavras entre ele e João. Satisfeito por ter afirmado aos fariseus a grandeza de Cristo, João tornou-se agora específico quanto à Sua pessoa e obra. Seu próprio ministério baseava-se sobre o fato do pecado; o de Cristo relacionava-se com a remoção do pecado. Cristo era o Cordeiro de Deus. A História (Êx. 12:3) e a profecia (Is. 53:7) juntam-se para fornecer os antecedentes desse título. É preciso ter em mente também os sacrifícios diários no templo.

1:31-34 Quando Jesus procurou o batismo de João, o Batista não o reconheceu (cons. Lc. 1:80), mas ele tinha recebido um sinal de identificação de Deus – o Espírito descer do céu como pomba permanecendo sobre Ele. Além do sinal foi-lhe dada uma palavra referente à obra que Ele realizaria com a capacitação celestial para tanto concedida – Ele batizaria com o Espírito. Tal pessoa, João sabia, não poderia ser ninguém menos que o Filho de Deus. Ninguém de menor estatura poderia usar com tanta autoridade o divino Espírito. João deu três testemunhos excelentes da pessoa e obra de Cristo. Como Cordeiro, sua missão era a da redenção. Ao batizar com o Espírito, Ele fundaria a Igreja. Como Filho de Deus, Ele seria digno de adoração e obediência.

1:35, 36 Estes versículos são de transição. Eles nos informam que João tinha discípulos e que ele também desejava transferi-los para Jesus. Esta era importante parte de sua tarefa de precursor, como o restante do capítulo declara.

1:37-51 O desejo altruísta de João de glorificar Cristo produziu frutos entre seus seguidores. Sem nenhuma ordem ou sugestão de sua parte além do seu testemunho, dois discípulos seguiram Jesus. Um é identificado como sendo André. O silêncio quanto ao nome do outro aponta para o escritor do Evangelho, que não menciona o seu nome por causa da modéstia.

1:37-42. Seguiram a Jesus. O ato físico expressou a intenção de segui-lo no sentido espiritual. Que buscais? Tal pergunta poderia ser uma demonstração de repulsa, mas não quando pronunciada com delicadeza. A contra-pergunta, Onde assistes? Tal como o fato de o seguirem, pode sugerir um sentido mais profundo – Qual é o segredo de sua vida e poder espirituais? Sua habitação poderia não atraí-los, mas a conversa sublime que se seguiu permaneceu como flagrante memória. Anos mais tarde João se lembrou da hora do dia – quatro da tarde.

1:41 O significado de primeiro não está claro. Nenhuma atividade posterior de André foi declarada. Possivelmente, primeiro tem a intenção de sugerir que o outro discípulo (João) também procurou seu irmão Tiago, que aparece antes, nos Sinóticos, como discípulo de Jesus (Mc. 1:16-20). Achou... achamos. A narrativa está cheia da alegria do descobrimento (cons. Jo. 1:43, 45). Messias, o termo hebreu para “o ungido”, tem o seu correlativo na palavra grega Cristo. André atreveu-se a chamar Jesus de Cristo porque o Batista o apresentou assim aos seus seguidores, ou por causa das horas passadas na companhia de Jesus?

1:42 O trabalho pessoal de André começou cedo e com seus parentes. A troca do nome de Simão para Cefas, o termo aramaico para Pedro, significando pedra, provavelmente indica uma mudança prometida da fraqueza para a estabilidade e força (Lc. 22:31, 32).

1:43 Novamente a mudança do dia foi observada (cons. 1:29, 35, em contraste à ausência de tais traços no Prólogo). Desta vez Jesus faz a descoberta (cons. Lc. 19:10), e ordena a Filipe que o siga (contraste com Jo. 1:37).

1:45-51 Filipe vindicou a confiança de Jesus nele como discípulo buscando Natanael e transmitindo-lhe a convicção de que Jesus de Nazaré era o muito esperado que preencheria as predições de Moisés e dos profetas. Pode-se testemunhar do Senhor mesmo quando o conhecimento ainda é incompleto ou defeituoso. Jesus, o Nazareno, revelou -se concisamente como o celestial Filho do homem (v. 51). Mesmo Natanael percebeu rapidamente que o filho de José era o Filho de Deus (v. 49). O primeiro impulso de Natanael foi o de duvidar que Nazaré fosse capaz de produzir alguma coisa boa, muito menos o Messias (v. 46). Isso não implica necessariamente que a cidade tivesse má reputação, mas antes sugere o caráter irrelevante do lugar. Vem, e vê. Experiência é melhor do que argumentação. Israelita sem dolo sugere um contraste de Jacó, que se tornou Israel só através da experiência da conversão. A mesma penetração que leu o coração de Simão (v. 42) como num livro aberto e que penetrou na vida íntima de Natanael (vs. 47, 48) foi agora cordialmente reconhecida na confissão deste último – Filho de Deus... Rei de Israel. A sombra da figueira, um sossegado refúgio para a alma reverente, foi silenciosamente partilhada pelo Cristo perspicaz. Filipe compreendeu que o mestre tinha de ser mais do que ela entendia. E o fim não era aquele, pois o Salvador prometia coisas maiores. Jacó continuava no fundo da cena (v. 51). A visão que ele teve dos anjos em Betel seria ultrapassada quando os discípulos vissem no Filho do homem aquele a quem o céu seria aberto (cons. Mt. 3:16) e aquele que na qualidade de Mediador, liga o céu à terra. Filho do homem. Um título indicando uma figura sobrenatural e celestial em Dn. 7:13 e no apocalipse judeu, foi o método preferido por Jesus para designar- se a si mesmo, de acordo com os Evangelhos. Esse nome era preferido ao de “Messias” porque não sugeria aspirações políticas ao longo de um reino temporal, tal como a maioria dos judeus aguardava. A glória do Filho (Jo. 1:14), vista em parte por esses primeiros discípulos (vs. 39, 46), foi ainda mais desdobrada daqui em diante (ERC).

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