Parábola da Cordeirinha — 2 Samuel 12:1-4

Parábola da Cordeirinha — 2 Samuel 12:1-4

Parábola da Cordeirinha em 2 Samuel 12:1-4

por Biblioteca Bíblica

Parábola da cordeira

(2 Sm 12:1-4)


Essa parábola, habilmente formulada por Nata e usada para convencer Davi de seu terrível pecado, demonstra a eficácia da linguagem pictórica. Essa parábola de reprovação é considerada por muitos autores como fábula, mais do que parábola. De uma coisa sabemos: quando narrada, a tocante história da cordeira despertou o lado bom do rei Davi. Se Nata tivesse entrado no palácio real e, de forma direta e imediata, censurasse a culpa do rei decretando sentença devida ao seu pecado, é pouco provável que Davi desse ouvidos. O tratamento direto e franco da questão talvez fizesse o rei se irar e o impedisse de se arrepender. Davi poderia ter respondido a Nata da mesma forma que Hazael: “Como é que teu servo, que não passa de um cão, poderia fazer tão grande coisa?”.

Pelo emprego do método parabólico, contudo, Nata desmascarou o terrível pecado de Davi e extraiu dele a exclamação Pequei, que deu origem a todo o salmo 51 e ao começo de um arrependimento tão sincero quanto tinha sido grave a transgressão. A habilidade de Nata de ocultar a real aplicação da parábola faz lembrar as parábolas da Vinha do Senhor e dos Lavradores maus, proferidas por Cristo; na aplicação prática ao coração e à consciência do ouvinte, foi feita de maneira insuperável (Mc 12:1-12). As duas características gerais dessa parábola que estamos estudando são a benevolência e o perdão de Deus.

1. A benevolência de Deus. Embora Davi tivesse pecado em primeiro lugar perante Deus (SI 51:4), o Senhor deu o primeiro passo para devolver o seu servo transgressor à benevolência divina por meio do arrependimento. Dessa maneira lemos que “O Senhor enviou Nata”. Apesar de o profeta ser, sem dúvida alguma, conhecedor do pecado de Davi, não procurou o rei senão quando enviado do alto. Davi tinha caído num poço terrível, e somente a graça divina poderia resgatá-lo e restaurá-lo. Que sabedoria de Deus escolher Nata como porta-voz! Não contava ele com a confiança de Davi, e não fora ele o portador de boas novas ao rei? (2Sm 7:1-19). O sentimento que um tinha pelo outro fez com que as desconfianças de Davi fossem desarmadas, e o preparou para ouvir a tocante história de Nata. Quando nos desviamos do caminho da obediência rumo à vontade de Deus, ele tem as suas maneiras e os seus métodos de nos restaurar à sua benevolente graça (SI 23:3; 40:2).

Outra evidência do desejo de Deus de tirar Davi do lamaçal depreende-se da incomparável história que ele inspirou Nata a contar ao rei. Graças ao coração de pastor do rei, ele seria tocado pela história. Quando examinamos essa parábola incomparável, ficamos, antes de mais nada, impressionados com “Havia numa cidade dois homens”. Em certo sentido, eram iguais, companheiros e compatriotas. Por “dois homens”, entendemos Davi e Urias, que, embora estivessem no mesmo nível como seres humanos, ambos sujeitos às leis de Deus, eram porém, diferentes.

Davi era, por nascimento, membro da privilegiada nação de Israel, a qual Deus tanto abençoou de for¬ma significativa, e dela tornou-se um grande rei. Urias era um súdito do rei e, por opção, habitante da cidade em que Davi morava e reinava.

Quanto às qualidades, Davi e Urias eram “numa cidade dois homens”, visto serem ambos audazes, corajosos e valentes. Desde a mocidade, Davi era conhecido pela bravura, da mesma forma que Urias, o hitita. Parte do triste pecado de Davi foi ter usado a bravura de Urias para causar-lhe a morte.

As diferenças entre os dos dois homens retratados por Nata eram gritantes. Habitando “numa cidade”, eram como dois pólos quanto à posição social e aos privilégios: “um rico e outro pobre”. Deus, por sua misericórdia, tinha dado a Davi muitas riquezas. Como era próspero! Todavia, essa benevolência divina pode mostrar-se uma dádiva perigosa: “Riqueza significa poder para satisfazer os desejos ou para realizar a vontade”. Temos um adágio que diz: “O dinheiro fala alto”. Aposição de Davi como dirigente rico lhe possibilitou regalar-se em deleites ilícitos.

O “pobre” era Urias, soldado do exército de Davi, e portanto obrigado a submeter-se à sua soberana vontade. A despeito da posição menos privilegiada, Urias teve ações mais nobres que as do rei. Tal diferenciação apenas agravava o crime hediondo de Davi.

A parábola de Nata apresenta ainda outra oposição: “O rico tinha ovelhas e gado em grande número, mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma pequena cordeira”. Davi, sendo rei e rico, possuía muitas esposas, mas Urias não era polígamo — tinha apenas uma esposa, a quem dava todo o seu amor. Da mesma forma que o rico da parábola não soube avaliar a afeição do seu vizinho pobre para com a única cordeirinha que tinha, Davi também não conhecia o amor puro e exclusivo por uma só mulher. Que contraste chocante há entre a paixão ilícita de Davi e o puro e profundo amor de Urias! Como disse o autor de Miracles and parables of the Old Testament [Milagres e parábolas do Antigo Testamento]: “O rio que se mantém em seu curso é uma bênção para o país em que se encontra; mas o mesmo rio, quando destrói suas ribanceiras e inunda a terra, torna-se um meio de desolação e de destruição. Assim se dá com a afeição lícita e com a paixão ilícita”.

Quando a parábola foi desdobrada e o rei ouviu que o “homem rico [...] tomou a cordeira do pobre, e a preparou para o homem que lhe havia chegado”, “o furor de Davi se acendeu sobremaneira”, e considerou aquele rico digno de morte em razão daquele ato tão desalmado e impiedoso. Ellicott, ao comentar esse aspecto diz: “Os impulsos generosos de Davi não haviam sido destruídos pelo pecado, nem seu senso de justiça; o seu caráter impulsivo no mesmo instante (ISm 25:13,22,23) o fez indignar-se sobremaneira”. Mas quão cabisbaixo ficou ao descobrir que, por planejar a morte de Urias, ele era o que matara a cordeira do pobre.

Com ousadia e sem demora, Nata aplicou a parábola à consciência já desperta de Davi e disse: “Tu és esse homem”. Davi, antes sensibilizado pelo sofrimento que o pobre teria experimentado ao ver sua cordeira transformada em alimento na mesa do rico, agora tem consciência de quanto o ferido Urias não teria sofrido naquele ato de sedução da sua amada esposa.

2. O perdão de Deus. Culpado de um grande crime, Davi conscientizou-se da necessidade de uma grande confissão — o que fez, assim que se identificou com a parábola: “Pequei contra o Senhor”. A resposta de Nata foi imediata: “O Senhor perdoou o teu pecado. Não morrerás”. Contudo, embora o pecado de Davi tenha sido perdoado e, em decorrência disso, ele tenha escrito os salmos 32 e salmo 51, muitas das consequências do ocorrido se mantiveram: “a espada jamais se apartará da tua casa”. Será que não poderemos perceber agora o profundo significado do “refrigera a minha alma” de Davi? Se nós, como crentes, pecamos, não importa qual seja o nosso pecado, a promessa é: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda injustiça”. Davi condenou-se a si mesmo de forma tão absoluta quanto condenara o rico da parábola e, com duradoura e profunda dor, usufruiu mais uma vez do sorriso perdoador de Deus.