Leis Patriarcais no Antigo Testamento

Leis Patriarcais no Antigo Testamento


ESTUDOS BIBLICOS, TEOLOGIA
Um dos laços mais fortemente afirmados nas reconstruções do mundo patriarcal, em ambiente da Idade do Bronze, foi o notável achado de textos tratando de leis da família, de Nuzi e localidades adjacentes no Vale Superior do Tigre. Datam estes documentos dos séculos XV e XIV a.C. e provêm de uma sociedade hurrita situada a alguma distância ao leste da suposta terra natal dos patriarcas em Aram-Naaraim (tábua I: 1K).

Grande série de práticas legais usuais, evidenciadas nas tabuinhas de Nuzi, sugeriram íntimas afinidades com os costumes de matrimônio, família e herança dos antepassados de Israel. Dentre os paralelos entre Nuzi e costume e lei de família patriarcais estão os seguintes:

10. Uma esposa estéril deve fornecer a seu marido uma moça escrava por meio da qual ele possa ter filhos (Gn 16,1-2; 30,9).

11. O status da moça escrava e dos seus filhos é protegido contra o ciúme ou a arbitrariedade da esposa ou do marido (21,9-14).

12. Um marido poderia ter o status concorrente de irmão, adotando sua mulher do irmão natural dela (12,11-13; 20,2.12; 26,7).

13. Uma pessoa poderia vender a outra o direito de primogenitura (25,29-34).

14. Um casal sem filhos poderia adotar alguém para prover à subsistência deles, os quais, no fim, herdariam a propriedade deles, exceto que algum filho subsequente, nascido naturalmente, herdaria automaticamente no lugar do filho adotado (15,1-4).

15. A prática descrita no n. 5 aplicava-se também nos casos em que um genro fosse adotado como filho próprio (31,1-2).

16. Possessão dos deuses da família (ou terafim em KJV) era um direito à propriedade hereditária (31,34).

17. Um testemunho do leito de morte, ou bênção, pelo chefe de uma família, podia ter a força de lei (27,35-37; 48,8-22).

Baseando-se nestes paralelos, chegou-se à ampla conclusão de que a lei familiar hurrita era observada na totalidade da alta Mesopotâmia e assim era conhecida dos antepassados israelitas em Aram-Naaraim, de onde eles a trouxeram para Canaã. O fato de que a maioria dos defensores datavam os antepassados de Israel alguns séculos antes do que os documentos de Nuzi, não foi considerado grande dificuldade, uma vez que se admitiu que as mesmas práticas haviam estado em voga durante longo tempo antes de serem postas por escrito em Nuzi. Além disso, alegou-se que estes casamentos e costumes familiares, tão peculiares em muitos pormenores, cessaram de ser observados no antigo Oriente Próximo pelo final da Idade do Bronze. Portanto, os narradores de Gn 12-50 devem ter tido acesso direto aos antigos costumes da Idade do Bronze, visto que eles não poderiam possivelmente ter sido invenção gratuita de J, E ou P. Igualmente, pensou-se que os dados dos textos de Mari no médio Eufrates, de ca. 1800 a.C., suplementavam o quadro mais completo de Nuzi no tocante à noção de conservar a terra da família intacta à perpetuidade. Além disso, julgou-se igualmente que Mari demonstrava que o tipo de nomes que levavam os antepassados de Israel era um tipo limitado à Idade do Bronze e que estava em muita evidência na Mesopotâmia setentrional.

Não obstante a impressividade do argumento, a partir dos costumes e leis hurritas e amorréias, o valor da prova foi contestado fortemente e amplamente abalado pelo estudo ulterior, incluindo a publicação de textos hurritas adicionais. Em primeiro lugar, foi observado que os intérpretes anteriores propenderam a suprir as sagas de Gn com elementos desaparecidos, a fim de tornar os paralelos com Nuzi mais próximos do que eram na realidade. Por exemplo, nada se disse a respeito de Labão adotar seu genro Jacó (31,1-2). A "explicação" de Abraão de como Sara é realmente sua irmã, torna-a meia-irmã e não esposa não relacionada, sobre a qual ele tem a oportunidade de possuir direitos de irmão-adotivo (20,12). Igualmente, de modo algum se torna evidente que a relutância de Abraão a expulsar Agar e Ismael de sua casa esteja fundamentada na sua familiaridade com um costume ou lei que o proíbe (21,9-14).

Acrescente-se que os documentos de Nuzi freqüentemente foram lidos para conter ou sugerir cláusulas que os harmonizassem com os textos bíblicos. Por exemplo, embora um homem em Nuzi pudesse receber sua esposa de um irmão natural ou adotivo, que a entregava em matrimônio, não é manifesto que o marido também adotasse o status de irmão adotivo em lugar do irmão real ou fictício de quem ele adquiria sua mulher. Também é altamente duvidoso que a possessão de deuses da família fosse em si mesma sinal de direito de herança; antes, eles ficavam como símbolos da unidade e integridade da família. Finalmente, acredita-se agora que os arquivos de Nuzi, embora excepcionais na plenitude de sua representação da lei da família, de modo algum são peculiares à alta Mesopotâmia no BM II e BR. Vestígios de leis análogas foram descobertos nas leis antigas babilônica e assíria, e a presença dos mesmos costumes ou análogos é mencionada nos séculos posteriores no antigo Oriente Próximo. A tendência, portanto, é a qualificar agudamente, ou negar totalmente, a alegação de que os achados de Nuzi, necessária ou até provavelmente, situam os antepassados de Israel num contexto societário hurrita, na alta Mesopotâmia, no período de 2000-1400 a.C.

Outro aspecto usual das tradições de Gn é o colorido egípcio da novela de José, a qual espelha palavras de empréstimos egípcias, costumes e títulos da corte, práticas de sepultamento etc. (cf. e.g., 40-41; 47,13-26; 50,26). Muitos destes elementos egípcios a tal ponto são gerais que não designam nenhum período histórico particular. Os que podem ser verificados, confrontando-os com dados egípcios, sugerem em geral que o ambiente egípcio refletido neles provém mais provavelmente do século X e mais tarde do que da Idade do Bronze. Além do mais, duas observações enfáticas a respeito da recusa egípcia a comer com hebreus (asiáticos?) ou a associar-se com pastores (43,32; 46,34) não encontram apoio nenhum nas fontes egípcias.

Manifesta-se, então, que o sabor egípcio mais pormenorizado na novela de José é fornecido na etapa JE da composição escrita ou mais tarde, como também que não se exige em absoluto que os contadores orais de histórias ou os escritores das tradições de José tivessem qualquer conhecimento de testemunhas oculares do Egito.