Livro de Juízes — Fundo Histórico

ESTUDO BIBLICOS, TEOLOGICOS, LIVRO DE JUÍZES
O presente livro trata dos acontecimentos que se seguiram dois ou três séculos depois da entrada das tribos de Israel em Canaã sob a chefia de Josué (cerca de 1250-1200 a.C.). Este período coincide com o início da Idade de Ferro no Médio Oriente, quando se descobriu o novo processo da sua fundição, mais comum que o cobre e o estanho, componentes do metal que dera o nome à precedente Idade de Bronze, mas não tão fácil de trabalhar. Há, naturalmente alguns exemplos isolados de utensílios preparados séculos antes de ferro meteorítico, mas o fabrico ainda era tão diminuto que não trazia grandes vantagens à civilização. Só com o decorrer dos tempos se foi verificando as aplicações que o precioso metal poderia ter não somente na agricultura e na indústria, mas sobretudo na guerra. Julga-se ter sido descoberto na Ásia Menor oriental, precisamente na região de Kizzuwatna, pertencente ao Império hitita, cerca do ano 1400 a.C. Tanto assim, que o vocábulo hebraico barzel, com que se designa o ferro, deriva dum termo hitita: barzillu. Os reis dos hititas, bem como os do Império vizinho de mitani, procuraram por todos os meios guardar o segredo da produção e tomaram medidas enérgicas acerca da produção e exportação do ferro. Os últimos daqueles monarcas chegaram a enviar presentes de ferro aos faraós, até que o Império mitani foi esfacelado pelos hititas cerca de 1370 a.C. Mas quando Ramessés II escreveu ao rei hitita Hatusilis III cerca de 1260 a.C. pedindo-lhe um fornecimento de ferro, o seu real “irmão” desculpou-se sob vários pretextos e apenas lhe enviou uma espada. Tal política de reserva e segredo, como aliás ainda hoje existe, não podia ser duradoura; e pelo ano 1200 a.C. no Médio Oriente, com as suas grandes civilizações, a Idade do Bronze passou, com o unir dos grandes Impérios e a Idade do Ferro inicia-se com invasões bárbaras.

No Velho Testamento surgem as primeiras peças de ferro no leito de Ogue, rei de Basã (Dt 3.11) nos carros dos cananeus (Js 17.16), e os novecentos carros de ferro do capitão Sísera (Jz 4.3); finalmente, nos diversos objetos fabricados exclusivamente pelos filisteus com prejuízo dos filhos de Israel (1Sm 13.19-22).

A entrada dos israelitas em Canaã e a consequente fixação ao solo da tão desejada Terra da Promissão deu-se na altura do grande movimento de povos (possivelmente migrações em larga escala nas estepes da Eurásia), que implicava a queda dos impérios do Rei Minos, dos hititas e dos micênios. Canaã era o centro do grande movimento das hordas invasoras, tanto do mar, como da terra. As relações deste país tornaram-se cada vez mais íntimas, sobretudo com o Egito sob a dinastia asiática dos hicsos (cerca de 1720-1580 a.C.), e os reis da décima oitava dinastia (1580-1319), que expulsaram os governadores hicsos, e anexaram Canaã ao Império egípcio. Mas no fim daquela dinastia vemos as cidades orientais de Canaã atacadas por um povo chamado habiru, nome atribuído a grupos semi-nômades que circulavam através de toda a Ásia Ocidental desde o século XVIII a XIII a.C. A palavra “habiru” pode identificar-se com “hebreus”, nome do povo a que pertenciam os israelitas, o que não quer dizer que estes habiru fossem os mesmos, e só esses, que penetraram em Canaã sob a chefia de Josué. A correspondência diplomática do reinado de Akhnaton (1377-1360), revelada nos documentos descobertos em Tell-el-Amarna em 1887, contém desesperados pedidos de auxilio dos governadores da província de Canaã contra o usurpador habiru, auxílio esse que aliás nunca chegou a concretizar-se.

Já na décima nona dinastia (1319-1200) registrou-se uma tentativa por parte dos faraós de levar a cabo a reconquista de Canaã, o que deu origem a graves conflitos com o império hitita ao norte da Palestina. Depois da batalha indecisiva de Cades, no Alto Orontes, em 1297, os dois imperadores firmaram um tratado (cerca de 1280) e concordaram em delimitar os seus estados, embora o fizessem com toda a prudência, visto que ambos tinham razão de olhar ansiosamente para novas ameaças. O rei hitita foi ameaçado pelos assírios a oriente, enquanto a ocidente os Ahhiyawa (aqueus?) os iriam apoquentar, acossados por outros povos vindos do interior da Europa. Quanto ao Egito, o litoral do grande país dos faraós começou a ser atacado por bandos de piratas vindos pelo mar, armados, mais tarde repelidos por Merenptah (cerca de 1230 a.C.), tal como foi dominada uma ação conjunta levada a cabo por outros corsários no reinado de Ramessés III (cerca de 1194). Nestas condições, e impossibilitados de se estabelecerem no Egito, esses invasores dirigiram-se às costas de Canaã. Destes, os mais notáveis eram os filisteus, que tão larga ação iriam exercer em grande parte em Canaã até ao reinado de Davi (1010-970), dando mesmo à região um nome derivado desse povo: Síria Filistina, (Gr. Syria Palaistine).