Comentário da Carta de Tiago 2:18

comentario da carta de tiago 18 Não obstante, alguém dirá: “Tu tens fé e eu tenho obras. Mostra-me a tua fé à parte das obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.”

Neste caso, Tiago usa um artifício literário. Evidentemente prevendo que haveria alguém associado com a congregação cristã que levantaria objeções às suas declarações inspiradas sobre a fé e as obras, ele apresenta “alguém” como que dirigindo as palavras já citadas a outro membro da congregação.

Se ele for considerado como alguém que apóia o argumento de Tiago, então
este “alguém” está falando a um objetor, que acredita que basta a mera fé. Ele diz ao objetor: “Tu [afirmas que] tens fé e eu tenho obras.” Prosseguindo, este “alguém” levanta o desafio: “Mostra-me a tua [suposta] fé à parte das obras, e eu [em apoio do argumento de Tiago] te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.” De fato, quem afirma ter fé, mas não tem obras para prová-la, não teria realmente a fé verdadeira que conduz à salvação. Sua suposta fé seria ficção sem vida.

Por outro lado, Tiago talvez quisesse apresentar este “alguém” no papel dum objetor na discussão sobre a fé e as obras. Começar Tiago com a palavra grega que significa “mas” ou “não obstante” dá apoio a esta conclusão. Neste caso, a declaração do objetor a outro membro da congregação seria: “Tu tens fé e eu tenho obras.” Ou, conforme A Nova Bíblia Inglesa verte estas palavras: “Mas alguém talvez objete: ‘Aqui há um que afirma ter fé e outro que aponta para os seus atos.’” (Visto que no original grego não há aspas, pode-se considerar a declaração deste “alguém” como terminando aqui.)[1]

Como devemos entender as palavras que Tiago colocou na boca de tal pessoa? O indivíduo retratado seria alguém que cria que Tiago estava errado no seu argumento. Ele tranqüilizava ou consolava outro membro da congregação, alguém que afirmava ter fé, sem ter obras. Ele dizia, na realidade, àquele que não tinha obras: ‘A tua fé é suficiente. Um membro da congregação pode ter fé, e outro, obras. Tudo está bem. A fé e as obras são como dons diferentes — ninguém pode ter todos os muitos dotes encontrados entre os membros da congregação cristã. Não fiques perturbado. Tiago faz questão demais das obras. Prossiga; e podes ter certeza de que, mesmo que não tenhas obras (tais como prover alimento e roupa a irmãos e irmãs necessitados, mencionado por Tiago nos versículos 15 e 16), estás agradando plenamente a Deus, se tiverdes fé.’

Tiago responde então:[2] “Mostra-me a tua fé à parte das obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.” Em outras palavras, ele desafia aquele que professa ter fé sem obras a provar a sua afirmação, que não tem obras tangíveis para corroborá-la. Tiago, por outro lado, tem ações para provar a existência de genuína fé.

Não importa como se encare a colocação das aspas, é evidente que o ponto básico salientado é o mesmo, a saber, que o verdadeiro cristão precisa ter tanto fé como obras.

A fé que se professa aqui é a fé básica em Jesus Cristo e é essencial para o cristão. A mera profissão dela, porém, não prova a sua existência. A verdadeira fé tem obras vinculadas a si. Fé sem obras não é verdadeira fé, e quem tentasse identificar e ver tal fé não poderia encontrar nenhum vestígio dela, porque não apresenta nenhuma evidência de sua existência. Os pontos em que as boas obras deveriam evidenciar-se apresentam-se vazios. A verdadeira fé não pode ser separada de obras. Portanto, a réplica apresentada por Tiago mostra que a verdadeira fé tem substância. Tal fé demonstra seu poder de induzir o cristão a produzir obras.

O que está incluído nestas obras? O cristão, em todos os pontos da vida, deve querer harmonizar-se com a vontade divina, ‘fazendo todas as coisas para a glória de Deus’. (1 Cor. 10:31) Conforme mostra a ilustração de Jesus a respeito das ovelhas e dos cabritos, as obras da fé incluem ir em auxílio dos irmãos espirituais de Cristo, consolá-los em tempos de enfermidade e prover aos necessitados entre eles alimento, bebida, roupa e abrigo. (Mat. 25:35, 36) Também é vital a obra excelente da proclamação das “boas novas”. (Mat. 24:14) A fé que não possui tais obras mostra não ter poder, ser ineficaz e nada mais do que mera alegação.


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Notas

[1] Outras traduções que colocam apenas a primeira sentença (“Tu tens fé e eu tenho obras”) entre aspas incluem as do Centro Bíblico Católico; do pontifício Instituto Bíblico; de Mateus Hoepers; da Comunidade de Taizé; A Bíblia na Linguagem de Hoje.
[2] Existe a possibilidade de que Tiago, para evitar dar destaque às suas próprias ações justas, talvez descreva uma terceira pessoa, que ele apresenta como apoiando seu conceito e como retrucando com as palavras: “Mostra-me a tua fé à parte das obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.”