Estudo sobre Habacuque 2
5) Deus responde (2.1-5)
Ao expressar a sua decisão
de recorrer à torre de vigia para lá aguardar a resposta de Deus,
Habacuque emprega uma figura de linguagem conhecida (Is 21.6,8) e adota a
atitude aceita de alguém que busca uma revelação divina (SL 5.3; Mq 7.7).
Ele tem uma esperança de dependência e de expectativa; ao
mesmo tempo, a sua linguagem indica uma atitude que é “ousada”, se
não desafiadora. A sua fé está sob cerco, e ele acha difícil imaginar
que algum alívio esteja vindo ao seu encontro. O problema que ele
propôs parece insolúvel; mesmo assim, está decidido a esperar e olhar atentamente até que
obtenha uma resposta. Ele espera que seja feita uma exceção
em relação à sua queixa e que ele vá ser “chamado à
responsabilidade” (Knox). Em vista disso, além de esperar para ver o
que o Senhor me dirá, Habacuque se ocupa com a ideia do que deve
responder quando for questionado. Cf. a Siríaca, “que ele responder”,
seguida pela JB (em inglês).
O oráculo em Sl é
prefaciado por algumas orientações em relação à sua compreensão. visão
descreve o modo da transmissão ao profeta (v. comentário de 1.1), como
também a sua natureza com relação ao público mais amplo. A ordem Escreva
claramente a visão assegura exatidão na sua transmissão; Escreva
[...] em tábuas garante a sua notoriedade. A expressão idiomática
“para que todo que a ler, corra” (nr. da NVI) representa não a influência
da palavra, mas a sua legibilidade (como está no texto da NVI: para que
se leia facilmente). Outra razão por que a visão precisa ser
registrada por escrito poderia ser a ênfase na imutabilidade do seu
conteúdo, pois aparecerão oportunidades para que se negue a sua
validade, e a evidente demora na sua realização vai sugerir que foi
anulada. O profeta recebe a certeza de que isso não vai ser assim (v.
3; cf. Hb 10.37).
A verdade vital agora
afirmada consiste em “duas coisas imutáveis” — o pecado não permanece
impune, e a justiça é sempre recompensada (v. 4). Deus insiste no fato
de que não abandonou a ordem moral do seu mundo.
O autor de Hebreus 10.38
recorre à primeira metade do v. 4 (citada livremente da LXX) para destacar que
a falta de perseverança é equivalente a não ser justo (não são bons)
— uma condição que resulta em fracasso; mas isso ele subordina à verdade
melhor — “Mas o meu justo viverá pela fé”. O uso que Paulo faz do
texto (Rm 1.17; GL 3.11) se concentra no exercício da fé, e não,
como aqui, na sua evidência — “ele desnuda a fidelidade ao seu cerne da fé
em Deus” (L. G. Allen, Vox Evangélica, 1964, p. 8). A
promessa viverá se torna “vida eterna” (Rm 6.22,23), e “justiça”,
o fato de o homem ser aceito por Deus (Rm 3.21-26). Está muito claro que
a revelação feita a Habacuque é o evangelho no seu estágio
embrionário.
Para o profeta, se era a
solução para um problema intelectual que ele estava esperando, não lhe foi
concedida. Em vez disso, e o que é muito mais importante, a
resposta dada está relacionada à situação prática e é dirigida ao seu
dilema espiritual pessoal. Assegura-se a ele que, embora tudo em
volta pareça contradizer esse fato, os ímpios que orgulhosamente se
desviam do caminho de Deus “vão fracassar” (RSV). Tão seguramente, o
indivíduo marcado pela lealdade a Deus e pela integridade “será preservado
e prosperará” (Allen, op. cit.). A chave pode não destrancar o escuro
mistério da providência divina, mas permite que o seu usuário
entre num âmbito de confiança crescente em Deus e, portanto, de paz.
O v. 5 apresenta uma série
de problemas textuais e exegéticos. Provavelmente é melhor se o considerarmos
um versículo de ligação entre o v. 4 e a seção seguinte. Nele, o profeta
descreve um embriagado cuja conduta é tola e perigosa: ao fazer isso, ele
amplia a referência a alguém que é arrogante e resume a descrição
ampliada contida no restante do capítulo. (O comentário de Cunrã traz
“riqueza”, como a NVI aqui; o TM traz “vinho”; cf. nr. da NVI. Quando mal
usados, tanto a riqueza quanto o vinho se tornam um passaporte para a
catástrofe.)
6) O cântico
dos cinco ais (2.6-19)
Ao anunciar as maldições
sobre o opressor babilônico, o profeta age como um porta-voz de muitos (v.
6a). A forma poética que ele adota é a do “cântico de escárnio” (cf. Is
14.323; Mq 2.4). Cada estrofe com o seu Ai daquele amplia a
afirmação do v. 4a e, de diversos pontos de vista, ilustra o princípio
fundamental de que o pecado traz o seu próprio castigo merecido. Na
retribuição que é distribuída, sempre há um elemento de adequação; o
castigo é feito para ser adequado ao crime. Em geral, ele assume a forma
de retaliação por parte dos explorados e oprimidos, embora as ordens
do Senhor Soberano não sejam completamente ignoradas (v. 13,16).
Primeiro ai (v.
6-8)
Mãsãl, que nesse contexto é bem traduzido por canções de
zombaria, tem como significado básico “uma comparação” (cf. Ez 24.3,
“parábola”), e isso não está totalmente ausente do seu uso aqui. A menção de extorsão e
credores, que tem sido considerada literalmente por alguns estudiosos
referência a características do reinado de Jeoaquim, provavelmente é
melhor compreendida no seu sentido figurado da política cruel de sequestro
e segregação exercida pelos babilônios. Nada restringe a ganância
insaciável deles, mesmo que isso inclua derramamento de muito
sangue e muita violência. Não é de admirar que os que sofrem
clamem Até quando...? (v. 6; cf. 1.2 — v. comentário). Mas o dia do
ajuste de contas virá, o “penhor” (RSV) será resgatado, embora de maneira
totalmente inesperada. Os sobreviventes dentre as vítimas do inimigo vão
contra-atacar com efeitos devastadores, aquele que saqueou os outros será
saqueado (v. 8).
Segundo ai (v.
9-11)
O conforto e a segurança
imaginária têm sido buscados por meios ilegítimos — lucros injustos.
E um caso da “face inaceitável do capitalismo”. O preço pago inclui a
ruína de muitos povos. O custo final será, na verdade, a perda da
vida. A primeira prestação desse pagamento é a acusação de uma
consciência pesada. Até os materiais da casa construída com esses
lucros obtidos de forma ilegal se expressam e testificam contra o
ocupante-proprietário (v. 11; cf. Tg 5.3). Ainda que tenha feito o seu ninho
no alto, este não garante a proteção esperada.
Terceiro ai (v.
12-14)
A Babilônia não é
mencionada especificamente, mas a comparação com o cântico de zombaria de
Isaías (Is 14.3-23) e o oráculo de Jeremias contra a Babilônia (Jr 50; 51,
especialmente 51.58) não deixa dúvidas a respeito da identidade da cidade
ameaçada de destruição. “Inútil” é o veredicto anunciado pelo Senhor
dos Exércitos sobre as realizações dos inescrupulosos; o seu fim será
o vazio e a perda. Em contraste gritante com essa perspectiva desoladora,
está a esperança radiante da vitória universal da glória de Deus
(v. 14, refratada de Is 11.9).
Essas coisas
todas desvanecerão;
A cidade de
Deus permanece (Lutero).
Quarto ai (v.
15-17)
A tática da terra arrasada
dos babilônios incluía o desmatamento — violência [...] contra o
Líbano, com o consequente massacre da vida animal — matança
[...] de animais. (Ambos fazem parte da preocupação divina, Dt
20.19; Jn 4.11.) À crueldade excessiva, muito sangue, e à
eliminação de muitas cidades, eles acrescentaram o sacrilégio, pois
as terras que eles devastaram são do Senhor (SL 24.1). Esse
tipo de ultraje carrega em Sl a semente da própria destruição (v. 17).
Além disso, o próprio Senhor garante que essa conduta, comparada às
obscenidades de uma orgia de bebedeira (v. 15), vai ser vingada
com exatidão inequívoca.
Quinto ai (v.
18,19)
O tema recorrente do
cântico, o pecado recai sobre o pecador, é ouvido mais uma vez nessa
última estrofe. Esse Ai é anunciado ao idólatra. A tolice inexplicável
da sua prática é exposta. Esforço (imagem feita por um escultor)
e dinheiro (ouro e prata) estão envolvidos na construção de um
ídolo, e mesmo assim ele é impotente para ajudar ou aconselhar. Mas o
homem que diz à madeira: ‘Desperte!’ Ou à pedra sem vida:
‘Acordei’ demonstra que a idolatria não é uma tolice inofensiva;
ela é prejudicial, pois destrói a inteligência básica do homem. O pecado,
não importa a sua natureza, não fica impune, e o castigo é
essencialmente retributivo.
7) Pós-escrito
(2.20)
Abruptamente a
atenção é desviada do ídolo inerte para O Senhor que está em
seu santo templo. O idólatra na sua tolice é falante diante da
“pedra muda”; toda a terra deveria ficar em silêncio na
presença do Deus vivo. Diante do chamado solene “Ore em silêncio”, o
coração e a mente são subjugados, e mesmo assim estão de sobreaviso para a
revelação majestosa que está para ser feita.