Estudo sobre Gálatas 6

Estudo sobre Gálatas 6

Estudo sobre Gálatas 6


5.26—6.10. Esses versículos são o seu próprio comentário, em sua simplicidade e praticidade essenciais. Talvez estejamos em um mundo diferente da atmosfera tempestuosa de conflito que havia causado a carta. Como em todas as cartas, Paulo, o pastor, se afirma acima de todas as outras habilidades.
Aqui estão as regras dóceis e amáveis que devem regulamentar as relações interpessoais. A ausência de egocentrismo, de preocupação com a minha própria dignidade e posição, deve ser contrabalançada por aquela preocupação verdadeira que me leva a colocar-me na posição do outro e agir para com o outro da mesma forma que eu gostaria que ele agisse para comigo (5.26—6.2). Contudo, esse esquecimento de si mesmo, esse pensamento não-egoísta a favor dos outros, pode ser esperado somente de alguém que aprendeu a viver consigo mesmo, a aceitar as suas próprias habilidades e chamado e o nicho em que os seus dons precisam situá-lo. Somente dessa forma pode um homem adquirir aquela profunda segurança e a confiança na responsabilidade assumida e conscientemente cumprida (6.3-5).
Finalmente, existe a ênfase na generosidade e na mordomia altruísta dos bens materiais. Cobrindo desde as necessidades de mestres (v. 6) (não somente mestres itinerantes, como os apóstolos, mas sempre que preciso e apropriado significa auxiliar nas necessidades de mestres locais, como os anciãos de At 14.23, na própria igreja), a preocupação cristã deve atingir toda a família da fé e depois todos (v. 10). E significativo que a exortação à semeadura e colheita apareça no centro desse texto, flanqueada dos dois lados por instruções acerca da bondade prática e do fazer o bem aos necessitados. Não podemos limitar o seu significado a só esse aspecto da vida cristã, mas, colocado como está, liga o “semear para o Espírito” de maneira inseparável e para sempre à expressão prática da misericórdia e da bondade cristã. Nesse contexto, então, a expressão [semeia] para a sua carne (v. 8) é duplamente significativa: não é meramente “carne” no sentido geral, mas também indulgência e prazer pessoal diante da necessidade dos outros.
[Observações: 1) A ternura expressa pelo termo irmãos no v. 1 é especialmente adequada à carta. Cf. 4.12-20; 5.7-12.
2) v. 1. vocês, que são espirituais (hymeis hoi pneumaükoi) não é uma referência a uma classe especial de “homens espirituais” (“pneumáticos”), mas em potencial a todo crente que vive em conformidade com 5.25.
3) v. 2. a lei de Cristo-, v. comentário de 5.13-15 e cf. Tg 2.8.
4) Algumas versões (cf. ARC e ACF) introduzem uma dificuldade desnecessária nos v. 2,5 ao traduzir duas palavras gr. diferentes pela mesma palavra “carga” (a NVI traz respectivamente fardos e carga). Os versículos se referem, respectivamente, a provações ou dificuldades opressivas (v. 2) e responsabilidades devidas (v. 5).
5) v. 7. zomba-, uma palavra notável que significa “levantar o nariz para” ou, de forma mais coloquial, “empinar o nariz para”.]

VI. CONCLUSÃO (6.11-18)
A argumentação terminou, e o apóstolo toma a pena do amanuense para acrescentar alguns parágrafos de próprio punho com suas letras grandes (será que isso ocorreu para ênfase, ou em virtude de dificuldades visuais [cf. 4.12-15], ou seria simplesmente uma referência bem-humorada a uma idiossincrasia?). Um pouco da dor do conflito retorna à sua mente (v. 12,13) apenas para provocar uma irrupção de lealdade que vai viver para sempre na hinódia cristã (v. 14). Paulo conclui a carta ao voltar a sua atenção novamente para aquele ato irresistível e soberano de Deus que havia transformado a sua vida e a vida de todo um mundo à sua volta: De nada vale ser circuncidado ou não. 0 que importa é ser uma nova criação.
O que significa o Israel de Deus (v. 16)? A idéia de que seja somente um remanescente fiel da etnia de Israel está fora de sintonia com a carta, embora possa ser uma referência generalizada, e não exclusiva, àqueles hebreus que, como o próprio Paulo, haviam obedecido à verdade em Cristo. Seria, então, a igreja? Em potencial, talvez. Entretanto, o conceito de uma igreja universal, mesmo que tenha surgido nas igrejas em geral, ainda é futuro no pensamento do próprio Paulo, um conceito a ser desenvolvido das sementes de pensamentos como as que temos esboçadas nessa carta, e que atingiriam completa maturidade somente em Efésios e Golossenses, escritas nos anos finais da sua vida (v. Hort, The Christian Ecclesia, caps. 7—9, esp. p. 148). Paulo também não usa o termo em outro texto acerca da igreja.
Quem, então, constitui o Israel de Deus? O próprio apóstolo dá a resposta: todos os que andam conforme essa regra, aqueles que, ao compartilharem a fé que Abraão tinha, se tornaram filhos de Abraão. Não podemos dar definição mais exata. Assim, temos o apóstolo com a única glória que ele desejava: no seu corpo estavam os stigmata (as marcas características) de Jesus. Só estamos começando a compreender a dívida que, por Deus, a história humana e nós temos para com ele em virtude de sua visão quase que solitária.