Estudo sobre Gálatas 5

Estudo sobre Gálatas 4

Estudo sobre Gálatas 5


V. OS RESULTADOS DO EVANGELHO (SEÇÃO PRINCIPALMENTE PRÁTICA) (5.1—6.10)
5.1. Esse versículo aparece tanto como conclusão do trecho anterior (alguns comentaristas de fato afixam parte dele à frase anterior) quanto como início da aplicação prática que segue. Ele toca a nota principal da carta. ”A controvérsia está relacionada à liberdade da consciência quando colocada diante do tribunal de Deus” (Calvino).
Ao se voltar para os resultados práticos da doutrina que expôs, Paulo enfrenta o maior mal-entendido de todos: o do antinomismo, a idéia de que a liberdade da lei era a liberdade de desconsiderar os seus preceitos e, portanto, de pecar à vontade. A resposta de Paulo está intimamente ligada a duas características importantes do seu ensino anterior.
Em primeiro lugar, a nova vida do crente não é de forma alguma a sua própria vida, mas é a vida de Cristo nele. Assim Paulo tinha respondido anteriormente àqueles que o acusaram de Cristo ser “ministro do pecado” (2.17); longe de reduzir os judeus à posição de “pecadores gentios”, Cristo tinha elevado tanto judeus quanto gentios a um plano total mente novo. Ambos tinham igualmente morrido com ele e agora viviam na sua nova vida (v. 2.20 e 4.19). Ao desenvolver esse pensamento, ele agora mostra que a liberdade em Cristo não é liberdade para pensamentos e desejos obstinados e perversos; paradoxalmente, esse é o pior tipo de escravidão, a escravidão submissa à carne (a ”natureza pecaminosa”). Antes, ela é a santa liberdade do próprio Cristo tornando-se a minha própria liberdade. Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. (E importante observar que o versículo não contém artigo definido antes de escravidão; é um jugo de escravidão, e, portanto, tão aplicável à escravidão à carne quanto à escravidão ao monte Sinai.)
Em segundo lugar, o resultado da fé é a dádiva do Espírito, e o Espírito é a antítese da carne (3.2,3). O resultado da fé não é uma mudança teórica ou forense do seu objeto, mas a ministração prática e contínua do Espírito de toda a fonte de vida (3.5). Onde reina o Espírito, a carne não pode ter a primazia. Isso é desenvolvido nos v. 16-25 adiante.
v. 2-12. Em primeiro lugar, é necessário que se faça uma advertência. Nesse ponto da história, não poderia haver concessão alguma àqueles que queriam matar o evangelho no seu berço; tampouco a lei, por sua parte, poderia exigir menos do que obediência total. Ao avaliarmos os v. 2-5, precisamos lembrar disso e também de que o próprio Paulo circuncidou Timóteo (At 16.3). Não é a circuncisão como um ato que está em discussão aqui (como mostra o v. 6), mas, antes, a circuncisão realizada como um compromisso com o ritual judaico, ou a confiança nela como ato eficaz para a salvação.
O v. 6 contém uma equação que é de grande importância. E a realidade que importa, e não a forma; e a fé, quando expressa na realidade tangível e prática, é igual ao amor. O trecho paralelo em lGo 7.18,19 substitui a expressão a fé que atua pelo amor por ”obedecer aos mandamentos de Deus”. Isso contradiz o ensino de Gálatas e recoloca a lei no seu trono? Longe disso, pois Paulo vai afirmar no v. 14 desse capítulo também que toda a lei é resumida no amor (v. comentário adiante). Antes, é o primeiro sinal de uma mudança extraordinária na argumentação, que vamos encontrar explícita na próxima seção desse capítulo, e que vai mostrar que a lei e a fé estão alinhadas do mesmo lado nessa nova batalha contra a carne e a heresia do antinomismo, que é o seu fruto. Ambas as passagens devem ser lidas à luz de Rm 13.810 e de lGo 13 (em que a tríade de fé, esperança e amor que está contida nos v. 5,6 desse capítulo é desenvolvida de forma clássica).
A conclusão confusa e em staccato desse parágrafo no v. 7 revela a intensa emoção sob a qual o apóstolo estava escrevendo; não é de admirar que as suas próprias palavras tenham sido distorcidas e usadas contra ele (v. 11)1 Mas a sua confiança comovente nos seus convertidos (v. 10) e a sua percepção da tragédia do desvio deles (v. 7) revelam a afeição no seu coração e explicam a dureza da denúncia contra os falsos mestres. O trecho termina com uma referência zombeteira à circuncisão (cf. Fp 3.2) (mas aí pode estar embutida uma referência à excomunhão — cf. F. F. Bruce e W. M. Ramsay in loco), e a NIV (em inglês) faz um jogo de palavras entre o grego enkoptõ (“Who cut in on you”, talvez equivalente a “Quem cortou a sua frente [para interromper a corrida]”) e que se castrassem (apokoptõ, v. 12). Flogg e Vine ligam o versículo a 4.17 (“querem isolá-los”), mas aqui é usada uma palavra grega diferente (ekkleiõ).
v. 13-15. Paulo se volta agora para a primeira parte da sua resposta ao antinomismo (v. comentário de 5.1). Por paradoxal que fosse aquela primeira resposta, ela encontra a sua expressão em mais dois paradoxos, ambos resultados da alquimia do amor. A verdadeira liberdade se realiza na escravidão — a escravidão do amor (v. 13). A expressão sirvam uns aos outros está em contraste acentuado com o jugo da escravidão do v. 1; cf. Mt 20.26-28. Em segundo lugar, a igualação entre a fé e o amor é desenvolvida adiante, como previmos no v. 6; e no amor, que é a expressão da fé, a lei encontra o seu cumprimento completo (v. 14). Assim, por uma mudança da argumentação, que é a realização de um gênio inspirado, a fé e a lei já não são consideradas antagonistas, mas aliadas. E uma mudança de pensamento para a qual a transição da oposição entre fé e lei para a oposição entre carne e Espírito tinha preparado o caminho (v. comentário de 4.21-31).
Uma disposição um tanto mais calma se afirma na mente do apóstolo, evidenciada pela indicação de estranho humor no v. 15.
[Observação: v. 13. dar ocasião à...\ aphormê, uma base de operação na guerra.]
v. 16-25. A segunda parte da resposta à perversão antinomiana do ensino de Paulo é desenvolvida agora. A resposta está no lugar do Espírito na justificação pela fé. A recepção do Espírito tinha sido vista em 3.1-5 como a prova da verdade do ensino de Paulo. Agora é vista como a sua justificação definitiva na experiência.
Assim, há um salto no seu pensamento. A carne (“natureza pecaminosa”, nr. na NVI) aparece em um sentido muito mais grosseiro do que antes, enquanto o conflito entre fé e a lei que foi resolvido na seção anterior pode ser posto de lado com um olhar de esguelha (v. 18). As “obras” são agora vistas como uma parte essencial do evangelho da fé, mas elas são obras que se expressam como o fruto inevitável da salvação e da recepção do Espírito, e não obras que formam um caminho doloroso para a salvação que está fora do alcance do homem. Assim, o apóstolo acrescenta à palavra obras o qualificativo da carne (v. 19), e as virtudes são o fruto do Espírito (v. 22). Sempre que existirem tais obras, a lei é irrelevante: Contra essas coisas não há lei.
Assim, temos aqui em fase embrionária um tema que mais tarde seria desenvolvido na carta aos Romanos: o conflito entre a carne e o Espírito (Rm 7). Aqui em Gálatas, não há espaço para a discussão acerca de se esse conflito existe antes ou depois da experiência de conversão, e o debate acerca do trecho em Romanos teria sido evitado se se tivesse dado mais atenção à sua origem em Gálatas. Pode ser teologicamente inconveniente ouvir dizer que o convertido ainda está propenso a realizar os desejos pecaminosos da carne (ou da “natureza pecaminosa”) (v. 16 e 6.1), e no mesmo contexto que Aqueles que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus, mas acontece que isso concorda com a experiência. (Acerca de Reino de Deus, v. tb. Rm 14.17.)
E digno de observação que os frutos e sinais essenciais do Espírito registrados nos v. 22,23 não incluem nenhum dos charismata extáticos com que são tantas vezes identificados (v. comentário de 3.5). Não é preciso dizer mais acerca desses versículos; isso seria supérfluo. Eles estão em pé de igualdade com os seus pares no estabelecimento do ideal cristão: Fp 4.8; Tg 3.17; 2Pe 1.5-7; Rm
5.3-5. (A lista negativa dos v. 19-21 também tem suas listas paralelas: Rm 1.29-31; 3.1018; lGo 6.9-10; 2Co 12.20.) Os v. 24,25 indicam respectivamente profissão de fé e prática.
[Observações: 1) v. 17. de modo que vocês não fazem o que desejam: isso pode ser interpretado de duas maneiras: (a) “para prevenir que vocês façam as coisas más que de outra forma vocês teriam desejo de fazer” ou (b) ”para prevenir que vocês façam as coisas boas que a sua consciência os incentiva a fazer”. Hogg e Vine preferem a primeira opção, colocando as palavras Eles estão em conflito um com o outro em parênteses. A maioria dos comentaristas, no entanto, está contra eles, como certamente também o contexto.
2) v. 18. não estão debaixo da Ler. Calvino distingue entre a “capacidade diretiva” da lei e o “castigo” da lei. A sua capacidade diretiva permanece, mas a graça nos livra do seu castigo.
3)  v. 24. crucificaram a carne-, compare e contraste as metáforas semelhantes em 2.20 (“Fui crucificado com Cristo”) e 6.14 (“o mundo foi crucificado para mim”)]