Estudo sobre Daniel 3
III. A IMAGEM E OS TRÊS JOVENS TEMENTES A DEUS
(3.1-30)
1) A imagem de Nabucodonosor (3.1-7)
A reforma de estátuas
antigas ou a confecção de novas era uma característica comum das
responsabilidades do rei. Não sabemos qual deus foi honrado por essa
estátua, não há pista remanescente fora desse capítulo; é improvável
que se tenha representado o rei por meio dela. Alguns têm sugerido que
o sonho do cap. 2 induziu Nabucodonosor a erguer esse colosso. Por
outro lado, a ideia já em desenvolvimento nas intenções do rei pode
ter precipitado o sonho, vinte e sete metros de altura e dois metros e
setenta centímetros de largura-. qualquer que tenha sido a figura que
foi criada, ela pode ter sido elevada sobre um pedestal. Estátuas de
ouro eram encontradas com frequência nos templos, e os textos antigos
descrevem muitas delas. O ouro revestia um material mais simples (cf. Is 40.18ss). Nabucodonosor
conta do ouro que ele esbanjou nos santuários da Babilônia, e
Heródoto descreve os seus ricos utensílios e grandes estátuas (I.
183). Dura-, um local desconhecido na região plana dos rios da
Babilônia, onde o monumento seria visto de longe, recebendo também a luz
solar. v. 2. convocou-, para mostrar as realizações do rei e
garantir a lealdade dos seus oficiais. Alistar títulos fazia parte do estilo de
narrativa (cf. 2.2), característica preservada também na Babilônia.
Sobreviveu uma lista da corte de Nabucodonosor, encontrada na cidade da
Babilônia (ANET p. 307-8). Metade dos oito títulos são
termos do persa antigo (sátrapas, conselheiros, tesoureiros, juízes);
dois, assírios assimilados pelo aramaico (prefeitos, governadores)-,
dois, aramaicos (magistrados, autoridades provinciais). Essa lista
imponente é repetida no v. 3 e parcialmente no v. 27, assim como os
instrumentos musicais são repetidos nos v. 5,7,15. v. 4. o arauto-,
um membro indispensável da corte antes da época da comunicação de
massa. Como em Et 3.12 etc., tomou-se o cuidado de transmitir o
decreto a todos. v. 5. A música era essencial nos templos e
palácios antigos. Cantores e instrumentistas eram recrutados de perto
e de longe, de forma voluntária ou como tributos ou cativos. Dos seis
instrumentos na orquestra de Nabucodonosor, três têm nomes gregos, cítara,
harpa e flauta dupla (qitros, psantêrtn, sumponyã). Visto
que certamente havia gregos na Babilônia de Nabucodonosor (v. comentário de
1.5 e Introdução, “As línguas de Daniel”), essas palavras não são “evidência
filológica sólida do reflexo da civilização helenista em Daniel”
(Montgomery). Embora não ocorra nenhum exemplo de sumponyã como
instrumento musical em fontes gregas antes do século II a.C.,
a palavra é comum em outros sentidos musicais (harmonia, alguns acordes),
e poderia ter sido usada assim aqui (v. T. C. Mitchell e R. Joyce em Notes...,
e J. Rimmer e T. C. Mitchell, Ancient Musical Instruments of Western Asia in the
British Museum, London, 1969). v. 6. fornalha-,
o castigo é conhecido de raras referências em textos legais cuneiformes
(cf. ANET, 3. ed., p. 627-8). Entre o Tigre e o Eufrates, em
torno da cidade da Babilônia, havia muitas “olarias”, algumas com
fornos (embora a maioria dos tijolos fosse simplesmente queimada ao sol),
proporcionando uma ferramenta sempre disponível para a execução dos
inimigos do rei.
2) Os três amigos confiantes (3.8-18)
v. 8. denunciaram,
por inveja, uma sorte comum aos honestos, sem meios satisfatórios de
refutação, pois a acusação não era falsa, v. 10. decreto, uma
palavra diferente da palavra persa dat de 2.9ss; 6.5ss,
provavelmente o seu sinônimo aramaico. v. 12. alguns judeus. lit. “homens
de Judá”, a raça estrangeira ajuda a formar um retrato de desavença. que
não te dão ouvidos-, destaca-se com isso a bondade do rei para com os
três e a deslealdade destes, como também a sua posição religiosa; eles são
retratados como homens que rejeitaram os valores de Nabucodonosor. v.
13. Essas acusações falsas tocam no ponto fraco do rei, mas ele não
puniria os homens sem ouvi-los. Se isso fosse verdade, esse desafio era
digno de ser visto, e o seu castigo seria um espetáculo público salutar. A
sua pergunta se concentrou no aspecto religioso (nem aqui nem no v.
18 é repetida a acusação “não te dão ouvidos”), e ele ainda ofereceu uma
oportunidade aos acusados de provar a sua lealdade, sob coerção. E que
deus (v. 15) faz eco à zombaria de Rabsaqué, oficial
de Senaqueribe (2Rs 18.32-35), orgulho que de forma traiçoeira recai
sobre os altamente bem-sucedidos, v. 16-18. Como resposta, os três
amigos admitiram que não tinham defesa alguma; eles se confiaram
totalmente ao seu Deus. Os v. 17,18 são mais bem traduzidos assim: “Se
o nosso Deus, a quem servimos, é capaz de nos salvar, ele vai nos salvar
[...] mas se não, que seja conhecido a ti, ó rei...”, respondendo à
pergunta do rei do v. 15 (v. P. W. Coxon, VT 26 (1976), p. 400-9).
A fé e as convicções dos três não permitiriam que prestassem culto aos deuses
da Babilônia nem que adorassem a imagem de ouro, mesmo que
o seu Deus não se dispusesse a intervir.
3) Saídos das chamas (3.19-30)
Provocação declarada, foi o
que Nabucodonosor concluiu, e isso inevitavelmente o levou ao ápice de sua
fúria. Para demonstrar o poder absoluto do tirano, o fogo foi
atiçado até o calor máximo; não deveria sobrar nem vestígio dos
rebeldes insolentes, nem mesmo cinzas identificáveis. (Queimar
restos humanos era algo repreensível, Am 2.1.) v. 21. Os três foram
amarrados pelos soldados mais fortes como uma parte da exibição pública.
Evidentemente, os amigos estavam usando vestimentas da corte; os termos
são obscuros, provavelmente os três são persas, v. 24,25. Nem o
tirano nem a sua fornalha se mostraram tão fortes como ele tinha
pensado; a esperança aparentemente sem fundamento expressa pelos três (v.
17) foi vindicada. Nabucodonosor pôde enxergar dentro da fornalha através
de uma porta ou de um respiradouro lateral, ao passo que os três haviam sido
lançados nela por meio de uma abertura superior, e foi ali que o calor
matou os guardas. Somente Nabucodonosor viu o quarto homem, um de forma
claramente sobrenatural. As suas palavras se parece com um filho
dos deuses não revelam a forma em que se fez esse reconhecimento.
Se o aramaico pode ser considerado equivalente ao hebraico ”filho(s)
de deus(es)”, esse era um membro da corte celestial (Jó 1.6 etc.), como
afirma o relato do rei (v. 28). Provavelmente não se deve ver aqui
uma aparição pré-encarnada de Cristo; o NT não faz essa tentativa de
identificação (contraste Is 6.1 com Jo 12.41). v. 26. Deus Altíssimo-,
essa é a percepção de Nabucodonosor de um
poder pessoal muito superior a qualquer poder que ele ou os seus deuses
poderiam demonstrar. Mesmo confessando isso, ele continuou politeísta,
apegando-se aos deuses que tinha conhecido desde a infância, em vez de se
devotar Aquele que acabara de conhecer, v. 27. A proteção de Deus se
estendeu a toda a roupa dos três e até aos fios de cabelo, testemunhando
assim do seu poder total e do controle sobre as forças da natureza
(contraste com o destino dos homens do rei, v. 22). v. 28,29. A fé e
as convicções que os três tão tenazmente defenderam diante das ameaças do
tirano recebe um tributo do próprio tirano. A partir daí, a religião
deles era uma religião permitida e protegida. Assim, a fé e a confiança de
poucos beneficiaram a muitos.
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