Interpretação de Judas 1
I.
Identificação, Saudação e Propósito. Judas 1-4.
1. Judas identifica-se como o escritor,
descreve o seu relacionamento com Cristo e Tiago, e define seus leitores, tudo
em uma só curta sentença. Judas é um nome popular na tradição hebraica.
Uma palavra frequentemente empregada por Paulo – servo ou escravo –
foi usada e fala da devoção de Judas a Cristo. O relacionamento consanguíneo do
escritor com Jesus é de importância secundária. A soberania de Deus e a centralização
em Cristo são expressas na eleição e preservação dos leitores. O verbo que foi
traduzido para guardados aponta para a volta de Cristo. Judas
(Comentário Bíblico Moody) 3
2. A trilogia de Judas, misericórdia,
paz, e o amor, é notadamente semítica, e corresponde rigorosamente à “graça,
misericórdia e paz” de Paulo (II Tm. 1:2).
3. O propósito da carta está explicitamente
declarado, e o ponto de vista discutido está indicado. Judas não ordena
asperamente mas apela com amor a que esses cristãos se lembrem da comum
salvação. O advérbio grego hapax, uma vez (por todas, Hb.
6:4; 10:2; I Pe. 3:18), afirma a finalidade da revelação de Deus em Cristo na
história redentora. É o ponto fixo, não repetível, de nossa fé. Esta revelação
alcançou o seu alvo, pois foi entregue aos santos.
4. O motivo da carta foi a penetração de
pessoas ímpias na comunhão da igreja. Esses heréticos estão sujeitos a quatro
acusações: entraram secretamente ; já estavam destinados à condenação; são
ímpios, isto é, irreverentes; e negam a Cristo como Mestre e Senhor. Negar é
positivamente descrer do que Cristo testemunhou a Seu respeito. O
antinominianismo gnóstico implicava em dissimulação (lascívia), palavra
que traz em si a ideia de devassidão sexual.
II. Advertência contra os Falsos Mestres.
Judas 5-16.
5. Novamente foi usado o advérbio hapax
(cons. v. 3); aqui se refere ao conhecimento que os leitores têm do Evangelho.
O argumento de Judas é que a profissão de fé de um homem não coloca-o em
posição de justo diante de Deus. A possibilidade de escorregar está ilustrada
pelo exemplo dos israelitas incrédulos que foram salvos do Egito mas subsequentemente
destruídos.
6. A ilustração seguinte é a queda dos anjos
rebeldes, que se desviaram de sua vocação exaltando-se. A linguagem de Judas
aqui talvez reflita a influência do livro de Enoque, o qual contém uma
descrição elaborada dos anjos desobedientes. Gênesis 6:1-4 fornece a narrativa
bíblica original. Judas (Comentário Bíblico Moody) 4
7. Finalmente, Judas cita a história de Sodoma
e Gomorra para reforçar sua imagem. Essas cidades, através das Escrituras,
são simbólicas do juízo divino executado pelo fogo. Assim o seu destino foi uma
figura do destino dos crentes professos que não perseveram na justiça.
8. A irreverência é o pecado principal dos homens
ímpios do versículo 4. O sentido da palavra autoridades, ou os
gloriosos não está claro; pode se referir aos líderes cristãos.
9. Judas reforça o seu pedido de reverência
citando a história apócrifa de Miguel e o diabo, extraída da pseudoepigráfica
Assunção de Moisés. Embora Judas citasse este livro e o de Enoque, não se pode
apoiar a inferência de que ele lhe concedesse o status canônico ou
historicidade. A moral que Judas aponta é que Miguel mostrou reservas até mesmo
em seu relacionamento com o diabo, enquanto os falsos mestres não exibiam
reverência por qualquer autoridade.
10. Faltando a percepção espiritual para
reconhecer “os gloriosos”, estes homens ímpios os escarneceram. Com ironia
Judas destrói a afirmação gnóstica de superioridade espiritual professada por
eles, dizendo que eles possuem somente instintos de animais irracionais. O
conhecimento adquirido exclusivamente através dos sentidos naturais, e a
dependência no mesmo, conduz sem dúvida alguma à destruição.
11. Judas pronuncia um ai!, empregando
novamente uma tríade de exemplos históricos – Caim, Balaão e Coré. Caim
é tipo de injustiça, Balaão do espírito da mentira e cobiça (cons. Nm. 22-24) e
Coré, da rebelião dos descontentes contra autoridades devidamente constituídas
(cons. Núm. 16). Esses tipos de pecados solapam a saúde espiritual de toda a
igreja e destroem aqueles que os praticam.
12. O autor intensifica a condenação dos
falsos mestres voltando-se das analogias bíblicas para as naturais, das quais
apresenta cinco. Festas de fraternidade eram refeições feitas em conexão
com os cultos de adoração ou a Eucaristia, e sua, intenção era aumentar a
comunhão cristã dos crentes, fortalecendo seu senso de união com Cristo. Ao que
parece Judas (Comentário Bíblico Moody) 5
os heréticos
gnósticos corromperam tais festas em orgias vorazes, pervertendo assim seu
propósito. Eles se alimentavam sem se preocupar com o bem-estar espiritual da
Igreja. Nuvens sem água descreve especialmente esses homens; não tinham
preocupação espiritual, e eram carregados pelo vento como se não tivessem peso.
O outono é a estação dos frutos. Mas os falsos mestres não produzem fruto, e
tais árvores, estando duplamente mortas, estão destinadas à destruição.
13. As vidas dos ímpios são como as inquietas
ondas bravias do mar, as quais sujam de detritos as praias. Tais vidas,
além de produzirem condenação futura, são também motivo presente de vergonha e
ignomínia. Por último, Judas descreve os heréticos como estrelas errantes. Ele
dá a entender que sua existência é sem alvo e sem utilidade, a qual terminará
em eterno esquecimento. Enoque 18:12-16 pode ter influenciado o pensamento de
Judas aqui.
14,15. Nestes versículos surge um problema por
causa das citações de Enoque. Judas diz: Enoque, o sétimo depois de Adão. A
dificuldade é que Judas, ao que parece, atribui esta profecia do Enoque
apócrifo ao Enoque de Gênesis 5. Uma vez que não há citação bíblica de nenhuma
profecia de Enoque, ou Judas considerava canônico o Enoque apócrifo, ou cometeu
um erro óbvio. Contudo, a solução do problema pode se encontrar no fato de que
esta alegada profecia seja uma citação não de uma simples passagem de Enoque,
mas de diversas, e é provável que Judas também citasse a frase “o sétimo depois
de Adão” de Enoque 60:8. Assim Judas não estada se referindo ao Enoque de
Gênesis 5, mas referindo-se inteiramente, até mesmo na linha introdutória, às
palavras encontradas no Enoque apócrifo. Embora a profecia não tenha status
canônico, suas predições estão em paralelo com e apoiadas por numerosas
passagens bíblicas, tais como Mt. 25:31-46.
16. Depois de afirmar o destino dos falsos
mestres, Judas descreve o caráter deles de três maneiras. São resmungadores,
isto é, lamurientos furtivos; são descontentes, cujo único guia é a sua paixão
; e são dados à Judas (Comentário Bíblico Moody) 6
exibição
barulhenta, tendo em vista o seu próprio lucro. A linguagem reflete o
pensamento da Assunção de Moisés 5:5.
III. Exortação aos Cristãos. Judas 17-23.
17. Embora esta carta fosse escrita a
cristãos, nos versículos 5-16 Judas definiu os erros dos falsos mestres. Agora
volta sua atenção para seus leitores em uma exortação direta. Eles evitarão o
erro lembrando-se das palavras proferidas pelos apóstolos de que os falsos
mestres apareceriam logo dentro da própria igreja. Com isso poderão devidamente
“batalhar pela fé” (v. 3).
18. II Pedro 3:3 usa linguagem quase
idêntica. Ambas as passagens parecem referir-se a uma tradição oral corrente
sobre os ensinamentos apostólicos. No último tempo estabelece a
atmosfera e destaca que no final da dispensarão as pessoas se caracterizarão
por uma desesperada falta de espiritualidade. Escarnecer é ter atitudes ímpias
para com as coisas santas, e escarnecedores (zombadores) não
obedecem à lei do Espírito, mas seguem à lei da paixão da carne.
19. Judas continua sua acusação contra os
falsos mestres, enquadrando-os em dois grupos: são divisivos e sem o Espírito
de Deus. O verbo grego, promovem divisões, sugere um estabelecimento de
linhas demarcatórias que dão lugar a uru espírito faccioso. Além disso, revela
um senso de superioridade da parte destes falsos mestres. Com sutil ironia
Judas acusa os gnósticos, que se consideravam espirituais, de não ter o
Espírito. Ele afirma que a espiritualidade é uma qualidade de vida produzida
pelo Espírito de Deus, e não pelo exercício religioso só conhecido pelos poucos
iniciados.
20. Mais uma vez um desafio direto é feito
aos leitores. A pureza de vida começa com a sã doutrina, isto é, a “fé que uma
vez por todas foi entregue aos santos” (3). A chave para o significado de edificando-vos
se acha na frase seguinte, orando no Espírito Santo. A forte
implicação é que os homens verdadeiramente espirituais não são justos aos seus
Judas (Comentário Bíblico Moody) 7
próprios olhos
nem desprezam os outros (19), mas aqueles que oram no Espírito Santo.
21. Arndt usa a seguinte paráfrase: “Guarde-se
do perigo do mal, permitindo Deus demonstrar o Seu amor para você no futuro
também”. O meio ambiente atual do crente é o amor de Deus e a expectativa
futura é a garantia de vida eterna com Cristo Jesus.
22. O texto grego é de difícil interpretação
em Judas 22, 23. No v. 22 o verbo de maior evidência é eleeo, “socorrer”,
“mostrar compaixão”. O objeto da compaixão é aquele que duvida. Assim, nesta
passagem, Judas insiste com os cristãos a atender às dúvidas intelectuais e
morais dos afetados pelos falsos mestres. O fim em vista não é a expulsão e
condenação dos duvidosos mas sua restauração à comunhão.
23. Zacarias 3:2-4 pode ter influenciado os
pensamentos de Judas aqui, pois ele escreve sobre arrebatá-los do fogo. Fogo
sugere paixão sensual, mas é mais plausível que seja uma alusão ao juízo
eterno. É difícil saber se o escritor pretendia traçar uma nítida distinção
entre as duas classes de pessoas com o duplo uso de alguns, ou
simplesmente usou a expressão no sentido enumerativo. Seja como forem
entendidas as palavras, a atitude do cristão deve ser de misericórdia para com
o pecado, acoplada com ódio pelos pecados dele.
IV. Bênção. Judas 24, 25.
24,25. Uma das maiores e mais sublimes bênçãos
do N.T. é esta que se encontra no final desta curta epístola. Duas outras
bênçãos paulinas comparáveis são a de Rm. 16:25 e I Tm. 6:14-16. Vital a todas
as exortações feitas aos crentes é o lembrete dos recursos infinitos do próprio
Deus, único que tem competência para nos guardar de tropeçarmos nesta vida e
atraí-los a Ele próprio no último dia. Ele aperfeiçoará a obra da santificação
para que os crentes sejam irrepreensíveis, ou imaculados. Esta palavra
faz lembrar a descrição dos animais sacrificados no V.T. Judas 25 ensina as
duas coisas, a singularidade de Deus e a
igualdade de Jesus Cristo com Deus Pai. Assim ele milita contra a ideia de que
a divindade de Cristo foi uma invenção da igreja pós-apostólica. Deus é chamado
sete vezes de Salvador no N.T. Aqui o Seu poder salvador está comprovado
na Pessoa do Seu Filho, o qual a Igreja reconhece como “Senhor”, isto é, Deus.
A última atribuição de glória, majestade, domínio e autoridade é o testemunho
de Judas do benevolente caráter de Deus, o qual operou a nossa salvação por
meio de Cristo.