Interpretação de Jó 2

Jó 2

2:1-3. Convocado novamente diante do trono da corte celestial para prestar contas, Satanás não apresenta relatório voluntário de sua tentação a Jó. Deus, contudo, para glorificar o Seu nome, declara abertamente a integridade comprovada e verdadeira do Seu servo. Sem causa (v. 3c). Esta é a mesma palavra hebraica que Satanás usou (“debalde”) em sua pergunta (1:9). Deus faz eco ao termo para se opor à insinuação de Satanás. Agora era óbvio que Jó servia a Deus sem interesse e, portanto, Satanás o acusava sem causa.

2:4-6. “Pele por pele” (v. 4b). Uma paródia cínica do reverente louvor com o qual Jó reagiu à sua desolação (1:21). Satanás insinua que mesmo a doxologia de Jó, brotada na angústia da aflição, era a reação calculada de um hábil regateador. Embora desapontado por Deus não lhe ter permitido ficar com nada, Jó escondeu sua amargura pelas perdas, sem profana solicitude por seu bem-estar físico: “tudo quanto o homem tem dará por sua vida” (v. 4b). Satanás dá a entender que Jó, através de sua doxologia apenas fingiu amor a Deus como gratificação exorbitante mas necessária para garantir sua saúde. Toca-lhe nos ossos e na carne (v. 5b). Se Deus consentir que Satanás toque não simplesmente nas posses de Jó, mas também em sua pessoa, de modo que não reste nenhuma vantagem para “o acordo religioso”, Jó devolverá maldição por maldição. Assim novamente Satanás continua a partir da depreciação da piedade passada de Jó até uma predição de que ele se comprovará profano. Assim novamente Deus permite que o mistério da aflição venha tragar o seu servo.

2:7, 8. “Tumores malignos” (v. 7b). Opiniões médicas modernas não são unânimes no diagnóstico da doença de Jó, mas de acordo com a prognose dos dias de Jó, era aparentemente incurável. Os horríveis sintomas incluíam erupções inflamadas acompanhadas de intenso prurido (2:7, 8), feridas contaminadas por bichos (7:5), erosão óssea (30:17), escurecimento e descamação da pele (30:30) e terríveis pesadelos noturnos (7:14), embora alguns desses sintomas possam ser atribuídos à prolongada duração que se seguiu à instalação da doença. Todo o corpo de Jó, ao que parece, foi rapidamente tomado pelos sintomas repugnantes e dolorosos. Embora Satanás fosse obrigado a poupar a vida de sua vítima, o sofredor provavelmente pensava que sua morte era iminente. “Em cinza” (v. 8b). A doença incurável foi tal que reduziu este antigo príncipe dos patriarcas orientais, respeitado acima de qualquer outro, a um pária da sociedade humana. Antes considerado o sal da terra, foi agora expulso dela como se fosse refugo. Sua habitação foi o isolamento completo daquilo que provavelmente era o monturo da cidade.

2:9, 10 A narrativa nos faz pensar na tentação do Éden (Gn. 3). A esposa de Jó desempenhava um papel notavelmente semelhante ao de Eva. Ambas sucumbiram ao tentador e se tomaram seu instrumento para ruína do marido. Satanás poupou a esposa de Jó – como poupara os quatro mensageiros – para usá-la mais tarde em sua guerra contra a alma de Jó. “Amaldiçoa a Deus, e morre” (v. 9b). A blasfema apostasia na qual insistia que o sofredor incorresse era precisamente o que Satanás profetizara de Jó. Seu maligno conselho conduziu esta fase do tormento de Jó para o mais alto grau de intensidade e provocou sua segunda reação decisiva. “Como qualquer doida” (v. 10a). A caridosa reserva da resposta de Jó testifica tão convincentemente quanto suas doxologias da genuinidade de sua piedade. Ele não chamou sua esposa de doida, mas acusou-a de estar falando, no seu frenético desespero, como alguém em cuja companhia ela não costumava andar. A loucura do seu comportamento realça mais a sabedoria da piedosa paciência de Jó. Na Bíblia, “sabedoria” é uma virtude religiosa, e a “loucura” à qual Jó se refere não é ausência de acuidade intelectual mas grosseira anarquia e impiedade (cons. Sal. 14:1). “Não receberíamos também o mal?” (10b). O verbo significa receber com mansidão, com paciência. É usado em um antigo provérbio cananita: “Se as formigas são magoadas, elas não se submetem (passivamente) mas mordem a mão do homem que as feriu” (Cartas de Amarna, 252:18). “Em tudo isso não pecou Jó com os seus lábios”(v. 10c). Ele não amaldiçoou a Deus, como Satanás profetizara confiantemente. Certamente não há aqui nenhuma sugestão velada de que Jó tenha amaldiçoado a Deus em seu coração. A sabedoria de Jó comprovou-se perfeita; ele servia a Deus verdadeiramente, sem pretensão à alguma coisa, pelo próprio Deus.

Satanás seduziu Adão quando ainda Adão se encontrava na integridade de sua justiça após a criação. Por causa disso Satanás achava que poderia passar uma rasteira nos depravados filhos de Adão segundo a sua vontade e que poderia espezinhá-los. Mas aqui se encontra a grande maravilha da graça redentora: o pecador Jó permanece triunfante, onde o justo Adão caiu tragicamente! Assim, para confusão de Satanás e conforto dos santos, o Senhor deu prova inequívoca de que uma justiça mais duradoura do que a de Adão estava sendo providenciada através do segundo Adão. Este triunfo da paciência de Jó sobre a malícia do Adversário forneceu um selo, especialmente para os séculos que precederam a Encarnação, da promessa de Deus de que Ele concederia aos fiéis o dom da salvação eterna através do Cristo que viria.

A. A Vinda dos Homens Sábios. 2:11-13.

A prova da sabedoria de Jó não terminara ainda. Uma nova fase desta sabedoria começa agora com a agravação do estado de Jó mediante tormento espiritual. Embora Satanás não apareça novamente, ele continua presente sutilmente usando os bem-intencionados confortadores de Jó como cúmplices involuntários, com sucesso mais aparente do que seus esforços até este ponto.

2:11. Após a segunda crise da tentação e antes da chegada dos amigos, há um intervalo de vários meses (7:3), durante os quais o espírito de Jó foi perturbado pelo desespero inexorável do sofrimento na carne enquanto a ruína da enfermidade imunda o desfigurava além do reconhecimento (veja caps, 19 e 30). “Três amigos de Jó”. Os queridos companheiros e conselheiros do “homem que era o maior de todos os do Oriente” deviam ser príncipes do seu povo e sábios de renome. Temã, em Edom, era proverbial por sua sabedoria (Jr. 49:7). A tribo dos suítas (cons. Gn. 25:2, 6) e sem dúvida dos naamatitas localizavam-se nas terras do leste, região de homens sábios (cons. I Reis 4:30).

2:12, 13. Embora os amigos estivessem cônscios das calamidades de ló, não estavam preparados para o que encontraram. Seu silêncio atordoado de uma semana de duração foi como o luto por um morto (cons. Gn. 50:10; I Sm. 31:13). Sinceros em sua simpatia, sua presença muda, evidentemente pouco conforto fornecia. A julgar de sua subsequente interpretação da miséria de Jó, sua missão de consolo teria falhado antes, se tivessem falado. Contudo, parece lamentável que o prolongado silêncio precisasse ser quebrado pelo grito do atormentado sofredor e não por uma palavra de consolo de um amigo.

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