Interpretação de Habacuque 3

Habacuque 3

VII. Uma Visão do Juízo Divino. 3:1-16.
Este capítulo é chamado de oração pelo escritor (tepillâ), embora se concorde universalmente que a maior parte dele é a descrição de uma teofania experimentada pelo profeta. Só o versículo 2 é um pedido. Contudo as atitudes de temor reverente, de respeito, de fé que triunfa em circunstâncias perturbadoras encontram-se tão profundamente enraizadas no espírito da oração que pouca dúvida pode existir que a “oração” inclui todo o capítulo. O capítulo também é chamado de salmo embora não por Habacuque – uma vez que as instruções darias no título se referem ao modo pelo qual devia ser cantado, e a subscrição diz que instrumentos devem acompanhar o cântico. Além disso, o enigmático Selá, que geralmente indica as pausas periódicas, ou talvez mudanças de tempo, aparece três vezes.
Por diversos motivos, como já foi mencionado na Introdução, pensa-se que este capítulo tenha sido escrito por outra pessoa e não por Habacuque. Isto significaria, naturalmente, que 3:1, que lhe atribui o capítulo, estaria incorreto. O fato do terceiro capítulo não aparecer no Comentário Qumran não constitui objeção real. Nem o argumento de que esta passagem não tem a forma de diálogo das seções anteriores. A própria natureza do capítulo, que é uma oração, impede o estilo de diálogo. Há algumas evidências linguísticas que confirmam a unidade do livro, além do fato da teodicéia ser incompleta sem este capítulo.
1. Sob a forma de canto. Shigionoth é uma palavra de significado incerto, sendo mais seguro transliterá-la assim. A Vulgata Latina a traduz para pro ignorantiis, “pelos pecados feitos em ignorância”. A profecia não dá a idéia de que os pecados de Judá ou os dos caldeus pudessem ser considerados pecados cometidos em ignorância. Provavelmente a palavra indica o tipo de música ou o tempo no qual o salmo podia ser cantado quando usado no culto.
2. As tuas declarações. São aquelas do juízo divino que provavelmente trarão sofrimento a Habacuque e àqueles que file são ligados por laços comuns de fé e amor. É o juízo anunciado no cap. 1.
Aviva. Embora as versões inglesas traduzam o hebraico para reaviva ou renova, o profeta não está pedindo a Deus que repita o que já fez nos grandes dias de outrora. O verbo foi usado em outras passagens com força cansativa, como, por exemplo, em Gn. 7:3; 19:32; Dt. 32:39, onde o significado é preservar com vida, ou chamar à vida. Pede-se a Deus que ponha em operação as Suas obras, isto é, Seu programa exposto, para que se torne uma ação viva. Que esse é o caso está confirmado pelo paralelismo: “no decurso dos anos faze-a conhecida”. A tua obra é então o propósito anunciado em 1:5, junto com os juízos enunciados no capítulo 2.
No decorrer dos anos. Bengel, um comentarista mais antigo, declara que este versículo aponta para o nascimento de Cristo e a era cristã. A obra de Deus tem de ser feita em um período que divide a história, o Velho Testamento do Novo. Esta proposição não tem encontrado boa aceitação. Habacuque está pedindo que no correr dos anos futuros Deus possa castigar e curar.
Alguns acham que os versículos 3-15 descrevem uma teofania, ou uma manifestação da Divindade ao profeta. Outros acham que é simplesmente um recital poético das obras divinas com um motivo referente ao Êxodo, isto é, empregando os padrões da atividade divina no período do Êxodo. Não há motivos para acharmos que Habacuque tivesse o tipo de experiências teofanias dadas a Abraão. Ao mesmo tempo estes versículos são mais que uma celebração poética.
Enquanto a linguagem parece referir-se ao Êxodo e narrativas subsequentes de Deus lidando com Israel, há também uma grande dose de originalidade na descrição. O profeta fala, por exemplo, de montanhas retorcendo-se e fragmentando-se e também de uma exibição de brilhante resplendor que encheu a terra e o céu. É melhor considerar todo o panorama de perturbações cósmicas que são o resultado da presença de Deus como sendo parte da visão do profeta.
3. De Temã . . . de Parã. Parã era a área deserta a oeste do Arabá e perto do sítio tradicional do Monte Sinai. Tema era a rochosa capital-fortaleza de Edom, mas o nome também indica o território a leste de Pará. Deus é representado aproximando-se em Juízo vindo do distrito onde Israel não só experimentara sua graça redentora mas também fizera aliança com ele. Também foram os distritos nos quais algumas das gerações incrédulas pereceram. Do seu louvor. Louvor aqui não se refere ao louvor enunciado pelos habitantes da terra, mas antes à excelência de Deus que merece o louvor de toda a criação.
4. Raios brilham da sua mão. A palavra hebraica “chifres” também é usada para descrever raios de luz, cujo significado parece óbvio aqui. Esses raios emanavam de ambos os lados. O centro de onde vinha esse brilho parecido como sol era o esconderijo do poder de Deus.
5. A peste, e a pestilência são fenômenos que acompanham o aproximar-se do senhor, como os relâmpagos e os trovões acompanham o aproximar-se de uma tempestade. Talvez o profeta veja a criação animada murchando diante de Deus, como se fosse ferida por um vento pestilento. Deixa um caminho chamuscado como se fosse cauterizado pelo fogo.
6. Ele pára. Jeová interrompeu Seu avanço para que pudesse examinar a terra, para determinar a espécie e grau de juízo a ser administrado. As montanhas tremiam e se desfaziam só por Deus tocar nelas. Aqui há um argumento a fortiori. Se as próprias rochas e montanhas que desafiaram a destruição do tempo desfaziam-se em nada sob o toque dos pés do Senhor, ou sob os seus olhos, então quem permanecerá no dia de Sua ira?
7. Cusã. Aceita-se de modo geral que Cusã é a Etiópia. Contudo é mais lógico supor que Cusã era a parte do território sobre o qual os midianitas vagavam e que foi de lá que veio Zípora, a esposa de Moisés, chamada de cusita.
8. Acaso é contra os fios, SENHOR?... A pergunta é retórica, calculada para levar a mente para o motivo verdadeiro da visitação do Senhor – a salvação. A salvação divina constitui, pode-se presumir, o tipo de livramento pelo qual o profeta orou no capítulo 1. Incluirá o livramento da violência e da malícia pelas quais os piedosos estão rodeados, de modo que a lei já não ficará mais relaxada. A salvação não é sinônimo daquilo que nos é oferecido em nosso Senhor Jesus Cristo, embora sob diversos aspectos seja uma prefiguração da obra do Messias.
9. E farta está a tua aljava de flechas. De todas as cláusulas da profecia inteira, esta é provavelmente a mais difícil de explicar. Pode ser uma interpolação, significando que a única esperança de Judá é a promessa convencional de Deus, particularmente a Aliança do Sinai ou Mosaica. Em um pequeno grupo de manuscritos antigos esta frase diz: E farta está a tua aljava de flechas, que tem bom sentido mas não tem o apoio dos melhores manuscritos hebraicos.
10. As profundezas do mar. . . levantam . . . as suas mãos. Em sua visão o profeta vê ondas imensas se levantando no mar, e se lembra dos gestos do homem acossado pelo terror.
11. O sol e a lua param. As duas esferas que dão luz à terra e governam o tempo pareciam estar consternadas, junto com o restante da criação, diante do esplendor do Senhor quando Ele apareceu em juízo. Pareciam pálidas em comparação com a luz das flechas de Deus e sua espada reluzente.
12. Marchas. O Senhor marchava através da terra como um conquistador triunfante, pisando as nações como um camponês pisa os grãos.
13. Para salvamento do . . . (como teu ungido. ungido deve ser o remanescente fiel entre o povo da aliança. No tempo do V.T. todos os israelitas não constituíam o Israel (Rm. 9:6). A libertação divina estendia-se às pessoas que esperavam pela consolação de Israel na pessoa do seu rei messiânico.
13. E lhe descobres de todo o fundamento (até o pescoço, ou até a rocha). Aparentemente o texto deveria ser a rocha. As duas palavras são muito parecidas no hebraico. A figura é do conquistador derrubando os fundamentos até o chão. A casa dos ímpios é totalmente demolida.
16. Ouvi-o. Embora a visão fosse vista, seu significado foi ouvido, ou assinalado pelo profeta. Cons. Is. 55:3, “ouvi, e a vossa rima viverá”. O profeta sabia muito bem o que significava a execução do juízo divino para ele e para o povo entre o qual vivia. O efeito imediato sobre ele foi o de tremendo espanto, como indica a comoção dos órgãos internos. O efeito final, entretanto, foi o de fé confirmada. Conforme Calvino declara: “Aquele que em tempo antecipa a ira de Deus e se sente tocado pelo temor, logo que ouve que o juízo divino está perto, assegura-se do mais seguro refúgio para o dia da aflição”.
VIII. O Triunfo da Fé. 3:17-19.
17. A menção da figueira, da videira, da oliveira, dos cereais e dos rebanhos abrange toda a linha dos produtos agrícolas dos quais a nação dependia. Presumivelmente a razão para o fracasso das colheitas fosse a invasão caldéia. As tropas inimigas não só acabavam com a terra mas com frequência e deliberadamente destruíam árvores e colheitas. Uma antiga crônica egípcia gaba-se de que os soldados egípcios arruinaram as árvores frutíferas de uma planície costeira da Palestina.
18. Todavia eu me alegro no SENHOR. A ruína tão vivamente descrita leva o profeta não ao desespero mas a fé no seu Senhor.
19. Os meus pés como os da corça. A corça é veloz e não pisa em falso, por isso escapa rapidamente ao perseguidor. O quadro é o de alguém supremamente confiante em que aquele que leva o seu povo a passar por provações é fiel e fornecerá em cada provação um caminho de escape, para que o povo seja capaz de enfrentá-la.
Ao mestre de música. Esta oração foi evidentemente destinada ao coro dos levitas, embora o salmo, ao contrário de alguns outros que foram encontrados fora da coleção, como, por exemplo, II Sm. 22:2 e segs. e I Cr. 16:8 e segs., jamais fosse colocado dentro do Livro dos Salmos.

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