Interpretação de Habacuque 2

Interpretação de Habacuque 2

Interpretação de Habacuque 2


Com 2:1, a expostulação do profeta chega ao fim. Não foi com ceticismo que ele apresentou a sua queixa a Deus, mas com fé, pois estava agora preparado a aguardar no Senhor, certo de que viria uma resposta. A declaração feita às vezes de que Habacuque é o primeiro exemplo nas Escrituras de um duvidador honesto é inteiramente sem garantia. Nada na linguagem da profecia traz qualquer elemento de dúvida. Na realidade, a profecia termina com uma nota de fé sublime. Uma coisa é encarar os problemas que têm de ser enfrentados por todos aqueles que crêem em um Deus bom e onipotente e perguntar por que as coisas são assim, ou como podem ser assim. É uma coisa inteiramente diferente duvidar da bondade ou justiça divinas, ou da própria existência de Deus, simplesmente porque alguém não consegue responder essas perguntas.
2:1. Torre de vigia. Diversos intérpretes entendem que é uma torre ou elevação de fato, citando os exemplos de Moisés (Êx. 33: 21), ou Balaão (Nm. 22:41) e de Elias no Sinai (Monte Horebe, I Reis 19:8 e seg). Nenhum desses casos é na realidade comparável ao de Habacuque, que talvez apenas usasse uma figura de linguagem. Certamente ele devia ter-se preparado com oração e meditação para receber a resposta divina. Jeremias esperou dez dias por uma resposta à sua pergunta (Jr. 42:7). Provavelmente algum intervalo de tempo passou-se entre a expostulação do capítulo 1 e a resposta recebida. Habacuque registra apenas a sua determinação de aguardar uma resposta ; não nos diz quando ela veio.
V. A Segunda Resposta do Senhor: O Propósito é Certo e a Fé Será Recompensada. 2: 2-4.
Estes três versículos contêm o que talvez seja a porção mais difícil da profecia, tanto do ponto de vista de tradução, quanto da interpretação.
2. Escreve a visão. Tem-se discutido se o profeta realmente anotou a visão em tabuinhas para o público ler, mas todos concordam que ele recebeu a ordem de registrar a visão. O propósito do registro era duplo: Para orientar aquele que lê; a visão foi para um tempo determinado e devia ser preservada a fim de ser comprovada. Sobre tábuas. Diferentes tipos de material eram usados para fazer registros, uma vez que os judeus tiveram cantata com todas as civilizações do Oriente Próximo. (saías e Jeremias usaram códices, embora Isaías também tenha usado tabuinhas (Is. 30:8). Pode-se supor racionalmente que Habacuque registrou a sua visão em uma tabuinha de barro, a qual ele apresentou a muitas pessoas. Para que a possa ler até quem passa correndo. O assunto devia ficar tão claro que qualquer um pudesse lê-lo e passá-lo adiante. Em Dn. 12: 4 também, as palavras, “muitos o esquadrinharão”, parecem apontar para uma publicação de informações, uma vez que acrescentou-se que o saber se multiplicará.
3. Tempo determinado . . . para o fim. O cumprimento da visão devia acontecer no tempo determinado por Deus mesmo. Considerando que essas mesmas duas palavras foram usadas em Dn. 8:19, alguns concluíram que se referem ao tempo do fim, ou os últimos dias. Aqui as palavras se referem ao desígnio divino com referência aos caldeus. Devemos, portanto, entender que a visão se refere à destruição de uru poder mundial ímpio, do qual a Babilônia era a manifestação existente e que só o dia do Messias veria um cumprimento final dessa promessa. Mas se apressa para o fim, e não falhará. Os propósitos divinos se apressam para o cumprimento, embora na estimativa humana possa parecer que esteja havendo delongas desnecessárias. João Calvino diz: “Este é o verdadeiro sacrifício do louvor, quando nos refreamos e ficamos firmes na persuasão de que Deus não pode enganar nem mentir, embora possa parecer por algum tempo que ele não nos esteja levando a sério”. Certamente virá. A expressão idiomática hebraica que foi usada aqui foi literalmente traduzida na versão grega (a LXX), vindo ele virá. A referência é à certeza do acontecimento. O escritor da Epístola aos Hebreus usando a LXX, adaptou o texto à promessa da segunda vinda de Cristo, um acontecimento igualmente certo no plano de Deus, embora possa parecer aos olhos dos homens indevidamente deferido. Lemos assim em Hb. 10:37: “aquele que vem virá”.
4. Uma compreensão clara deste versículo é de grande importância para o cristão. Das passagens do V.T, citadas no N.T., esta aparece três vezes de maneira essencial no contexto. Deve-se notar que quando o versículo é usado no N.T. está como um princípio imutável do relacionamento do Senhor com o seu povo, não como uma predição de acontecimentos na dispensação do N.T. Em Habacuque, a divina resposta tem a intenção de estimula a esperança e a confiança daqueles que são espiritualmente filhos de Deus, enquanto dedara o destino certo do poder mundial caldeu.
Eis o soberbo. Dizer que se refere ao caldeu, distinguindo-o do judeu, é uma resposta muito simples. Mas considerando que a visão é uma resposta à pergunta de 1: 12-17, o caldeu é aquele que se tem em vista.
Pela sua fé. Um problema de menor importância é o seguinte : É o homem, justificado pela fé, que vive, ou o homem justo é o que vive pela fé? O uso que Paulo fez da passagem parece destacar o primeiro significado, embora o caráter de suas obras permita a segunda interpretação. De qualquer forma, o apóstolo usa a palavra “viver” com força particular. Não significa simplesmente sobreviver, mas viver eternamente na graça de Deus.
Uma pergunta mais importante é se o hebraico 'êmûnâ deve ser traduzido para “fé” ou “fidelidade”. Em muitos lugares do V.T. tem o segundo significado, como, por exemplo, em II Reis 12:15 e Jr. 5:1. Contudo, é digno de nota que a raiz desta palavra já foi usada em Hc. 1:5 com o sentido de dar crédito à palavra ou promessa de Deus. Mais ainda, a fidelidade, mesmo como um aspecto do caráter do homem, não preenche a lacuna. A fidelidade tem de ser exercida em relação alguém ou alguma coisa. Neste caso o indivíduo tem de ser fiel a Deus, à palavra e à aliança de Deus. Ele deve confiar firme ou profundidade em Deus mesmo. O uso neotestamentário está de completo acordo com isto.
Pode-se destacar também que seria melhor enriquecer nossa idéia neotestamentária do significado da “fé” usada no V.T. A fé não é um mero consentimento para com uma proposição sobre Deus conforme revelada em Jesus Cristo, Seu Filho. É o oposto do orgulho que incha, da auto-confiança. É humildade diante de Deus, uma prontidão de se conformar coma Sua vontade. É uma convicção de que Ele não pode mentir nem falhar (2:3), uma dependência apesar das circunstâncias externas (3:17). Um homem profundamente religioso como Habacuque dificilmente teria deixado de pensar em Abraão e no que se disse dele, que ateu no Senhor e isto lhe foi imputado por justiça.
Viverá. Sem dúvida nesta profecia se encontra presente a idéia de sobrevivência. Não obstante, à vista do relacionamento espiritual envolvido, esta não é a única idéia. O significado verdadeiro está bem ressaltado no pedido que Abraão faz em Gn. 17, 18, usando o mesmo verbo: “Que Ismael possa viver diante de ti”. Viver significa não apenas ter segurança ou proteção nesta vida, mas desfrutar a bondade divina, que é melhor do que a vida. É ser querido por Ele, objeto do Seu cuidado.
Permanecem duas perguntas em relação ao uso que Paulo faz de Hc. 2:4 em Rm. 1:17 e Gl. 3:11. O apóstolo não estaria usando a palavra “fé” no sentido distinto de uma antítese às obras da lei como meio de aceitação diante de Deus? Esta antítese não se encontra em Habacuque.
Mais ainda, não seria a fé da qual Paulo fala uma fé no Messias, do qual não se faz menção em Habacuque?
Deve-se reconhecer desde o princípio que Paulo não tinha a intenção de ensinar que a justificação pela fé em Cristo foi apresentada pelo profeta. Ele ensina, entretanto, que um princípio definido tem sido exposto nas Escrituras em relação ao relacionamento do homem com Deus e que este princípio opera mais definidamente no refilo do padrão legal do homem diante de Deus. Colocando o assunto em outras palavras, Habacuque estabeleceu um princípio através do qual a fidelidade, que é uma confiança humilde e inabalável na palavra de Deus, foi declarada ser o instrumento que ocasiona o bem-estar e a segurança do povo da aliança. Paulo dedara que o mesmo instrumento é o meio de se alcançar a justificação diante de Deus. Fazendo assim ele não priva a idéia da fidelidade, ou da fé, do seu verdadeiro significado. Na realidade, se muitos pregadores evangélicos modernos dessem à palavra “fé” o significado que a palavra hebraica tem, haveria menos superficialidade na profissão e prática do Cristianismo.
Por outro lado, também se deveria reconhecer que Paulo, em comparação com Habacuque, alarga infinitamente o alcance da palavra “viver”, pois ele a aplica à vida futura, à esfera da salvação ou bem-estar eterno, distinguido-a do bem-estar meramente temporal. Que o apóstolo está justificado fazendo assim é logo reconhecido pelos cristãos, uma vez que os escritores do N.T. empregara muitas formas e figuras do V.T, com uma plenitude de significado de muito transcendendo àquele que trilha para os crentes da velha dispensação. Finalmente, a antítese entre o princípio da fé ativa e o princípio das obras da lei meritórias como meio de salvação é, naturalmente, uma parte do argumento do próprio apóstolo. É um desenvolvimento lógico da natureza da própria fé.
VI. Cinco Castigos para a Iniquidade, quer dos Judeus, quer dos Caldeus. 2:5-20.
5. O vinho é enganoso. A palavra hebraica yayin, “vinho”, constitui um problema porque aparece no texto como sujeito do verbo. A LXX a interpreta figuradamente como o arrogante. Alguns comentaristas mudam as consoantes formando outra palavra, “o opressor”. O Comentário Qumran apóia o texto hebreu, entretanto. Provavelmente o significado é que a conduta do homem enganoso é como a que o vinho produz. Lembramo-nos das palavras de Kipling em “Recessional”:
“Se, bêbados à visão do poder, soltamos
Violentas palavras que não Te respeitam”.
Cuja gananciosa boca se escancara como o sepulcro (sheol). O Sheol, habitação dos que partiram, é imaginada como uma criatura voraz ansiosa por engolir a humanidade.
6. Todos estes. A referência é às nações e povos mencionados no versículo 5. Provérbio. A palavra hebraica significo uma semelhança, da qual ela toma o sentido de parábola. Considerando, entretanto, que não há nenhuma parábola neste capítulo, a palavra deve ser entendida como o equivalente a um dito zombador. Penhores. A palavra que foi usada aqui não se encontra em nenhum outro lugar das Escrituras, mas esta tradução é a melhor. O significado se encontra no ódio do hebreu ao usuário e nas leis levíticas contra a aceitação de penhores de valor maior do que o exigido pela segurança. Os caldeus roubaram os pobres, açambarcando tudo o que podiam ganhar de maneira ilegal.
7. Os teus credores. Os caldeus, embora agissem como credores, eram na realidade devedores de todos; e chegaria a sua vez de serem abalados ou irritados (cons. Mt. 18:28).
8. Os mais povos te despojarão a ti. Os babilônios seriam recompensados na proporção de olho por olho e dente por dente. A lei da. retaliação que está em todo o V.T. desde Gn. 9:6 não pretende ser uma regra de vingança mas um princípio de justiça. Os homens receberão o castigo que merecem. 
Considerando que os caldeus foram o alvo do primeiro castigo, os castigos enunciados no restante do capítulo, nos versículos 9-20, aplicam-se mais universalmente, e certamente incluem os pecados de Judá e Israel. Confinar a condenação divina aos inimigos de Israel somente seria confirmar num sentido de segurança carnal os pecadores dos quais Habacuque se queixou no princípio.
9. Ajunta . . . bens mal adquiridos. Aqui o extorsionário e o concessionário são condenados. Basicamente, é claro que não foram considerados perversos apenas os ates específicos, mas os alvos e as tendências da alma da qual fluíam. Em lugar alto o seu ninho. A águia e o abutre constroem seus ninhos nas alturas, em penhascos inacessíveis. Esperar manter a felicidade e a permanência através de acumulação desonesta de poder e propriedades é tentar “estabelecer” o seu ninho “em lugar alto”. Por outro lado, o Senhor é a habitação dos crentes em todas as gerações.
10. Vergonha maquinaste (AV, consideraste). Os caldeus e outros não planejaram realmente a confusão para si mesmos; antes, Deus transformaria em vergonha o que eles tinham inventado. Eles, portanto, pecaram contra suas próprias almas, embora talvez parecesse que eles tinham pecado contra outros.
12. Edifica a cidade com sangue. Expressões semelhantes em Mq. 3:10 e Jr. 51:8 apontam para o fato de que os pecados de Judá, como também os da Babilônia estão envolvidos aqui. É muito possível que seja uma referência ao desgoverno de Jeoaquim (cons. Jr. 22:13). Árduas atividades construtivas eram geralmente enfrentadas pelos monarcas na busca da auto-glorificação. Com sangue. É uma expressão frequente significando culpa de sangue ou culpa grave.
13. Não vem do SENHOR. A causa principal do fracasso dos planos e programas humanos é a providência soberana de Deus. Ela não se limita em sua aplicação à destruição da Babilônia. Os termos usados são muito generalizados e incluem todos os que se opõem à vontade de Deus e o Seu reino. O Senhor dos exércitos não é simplesmente o Deus das batalhas e, portanto, Aquele em quem se encontra a vitória final dos judeus. Ele é o Senhor de todos os exércitos do universo e é capaz de fazer a Sua vontade entre os exércitos dos céus e os habitantes da terra. Labutem para o fogo. Eles assumirão um trabalho inútil.
14. A terra se encherá. Muitos têm considerado este versículo como predição ou da dispensação do Evangelho ou do reino milenial de Cristo. Diferindo da predição de Isaías, em Isa. 11:9, que prediz um tempo quando os homens conhecerão a Deus, desfrutando de íntima comunhão com Ele, este versículo diz que haverá uma manifestação da glória do Senhor. A referência é ao poder e à majestade de Deus conforme demonstrados no juízo contra os ímpios e os inimigos do Seu povo (cons. Nm. 14:21-23; Sl. 97). Como a água enche o mar com abundância transbordante, assim a glória de Deus se manifestará a todos os homens em medida abundante.
15. Que dá de beber ao seu companheiro. Uma comparação com diversas outras passagens do V.T. , tais como Jr. 25:15, 16; Is. 51:17; Sl. 75:8, mostra que esta declaração não deve ser aceita literalmente. O conceito é o de induzir em um estado de humilhação e prostração desamparada como o de uma pessoa embriagada. As vergonhas. A concupiscência foi usada como metáfora para o bárbaro desejo do poder. O uso dessas figuras implica, naturalmente, em uma forte condenação dos atos pessoais que substituem a figura.
16. Este versículo promete que os caldeus sofreriam nas mãos do Senhor o mesmo tipo de vergonhosa exposição que eles infligiram aos outros. A tua incircuncisão. Ficar em tal condição era se expor como objeto de zombaria diante do povo de Deus (Juízes 14:3; 15:18; I Sm. 17:26) e não ter condições de comparecer diante de Deus. Chegará a tua vez de tomares o cálice da mão direita do SENHOR. Não é uma convicção de que algo justo deverá prevalecer, ou que a injustiça será punida na ordem natural das coisas. É uma filosofia da história na qual Deus julga as nações e o desmoronar do império é o resultado de Sua vontade.
17. A violência (feitacontra o Líbano. Monarcas sucessivos de diversas nações cortaram a madeira do Líbano, caçaram seus animais selvagens e mataram o seu gado. Neste exemplo o Líbano é um nome usado para descrever a Judéia, como também em Jr. 22:6, 23; Zc. 10:10; 11:1.
18. Mestra de mentiras. Em que sentido podem os ídolos, que são mudos, serem também mestres de mentiras? Conforme Calvino observa, eles seduzem as almas simples. São instrumentos de iludir homens. A imagem, disse Matthew Poole, “era o produto da arte (do homem) e contudo a esperança de sua alma”.
19. Que diz ao pau: Acorda . . . A linguagem, obviamente, é de zombaria, como a de Elias escarnecendo dos sacerdotes de Baal. Uma inscrição babilônica em honra de Bel diz: “Quanto tempo o senhor que dorme continuará dormindo?”
20. No seu santo templo. Enquanto os mestres de muitas nuances de opiniões teológicas identificam o santo templo como sendo o santuário de Jerusalém, uma comparação com Sl. 11:4; 18:6, 9; II Sm. 22:7, 10 mostra que a expressão é usada com referência específica aos céus. À vista do fato de toda a terra ser ordenada a permanecer em silêncio diante do Senhor, esta conclusão parece a melhor. Cale-se. O hebraico tem um imperativo forte, has! muito parecido com a nossa expressão Silêncio! Os crentes, especialmente, manterão suas almas em quietude e confiança, pois Deus tem prometido que até mesmo que a visão tarde em se realizar, não deixará de acontecer.

Índice: Habacuque 1 Habacuque 2 Habacuque 3