Interpretação de Colossenses 2

Interpretação de Colossenses 2



Colossenses 2
Como teleios acima, diversas palavras aqui – mistério, sabedoria, conhecimento, cabeça (v. 10), preciosas aos gnósticos, foram transformados em eficientes instrumentos da verdade cristã. Esta seção de transição vai de uma apresentação do Senhorio de Cristo até um ataque contra as insidiosas doutrinas que estavam pondo em perigo esse Senhorio na igreja de Colossos.
1-3. A luta. A figura sugerida pelo grego foi extraída de uma competição atlética. A palavra, primariamente, descreve, como o versículo acima, a guerra espiritual do apóstolo em oração contra os principados e potestades (cons. Ef. 6:12). Paulo não ordena que desça fogo do céu como juízo (Lc. 9:54), mas, positivamente, orou para que os colossenses e laodicenses, que ao que parece estavam ameaçados pela mesma heresia, fossem confortados (v. 2), isto é, fortalecidos, pela exortação, pela renovação ética (amor) e percepção espiritual (compreenderem). A ortodoxia sem o amor é estéril, e o amor sem a verdade “vira papa”; mas juntos resultam em percepção espiritual, conhecimento do mistério de Deus. Se há algum segredo, diz Paulo, Cristo é esse segredo – Cristo, a encarnação da sabedoria de Deus (Moule, op. cit.), Cristo como o exclusivo mediador do dom de Deus aos homens (cons. Pv. 2:3-9).
4-7. Como membro do corpo de Cristo, presente com eles em espírito, Paulo esclarece agora o propósito dos comentários precedentes. Ele teme que raciocínios falazes, isto é, raciocínio persuasivo (pithanologia), viessem alterar a ordem e a firmeza deles. Essas palavras emparelhadas são termos militares traduzindo o pensamento de um inimigo abrindo uma brecha em uma antes sólida formação de tropas. O apelo dos enganadores para a filosofia e sabedoria (cons. 2:8,23), é uma via de acesso não de todo desconhecida atualmente. Paulo não respondia aos falsos raciocínios com obscurantismo, nem com uma ordem a que os crentes fechassem seus ouvidos, mas com um pedido razoável a que retomassem a sua positiva tradição cristocêntrica pela qual receberam o Evangelho (cons. 2:8). Desse ponto de partida a vacuidade do raciocínio gnóstico tornar-se-lhes-ia aparente.
III. O Senhorio de Cristo e a Falsa Doutrina em Colossos. 2:8 – 3:4.
A. A Suficiência Exclusiva de Cristo. 2:8-15.
O apóstolo começa seu argumento com uma reafirmação da raridade de Cristo e do relacionamento do crente com Ele. Como cabeça e dominador de toda autoridade e como a própria esfera da existência da nova dispensação do cristão, o lugar de Cristo na vida cristã é todo-inclusiva, e exclusiva de todos os outros.
8. A heresia colossense era uma “filosofia” conforme a tradição (parodosis) dos homens e rudimentos do cosmos (cons. 2:20). Paulo não condena a tradição em si mesma mas antes estabelece um contraste com esta heresia e a tradição segundo Cristo, que os colossenses receberam (2:7). Há então uma tradição própria – à qual o apóstolo expressa gratidão em outras passagens (por exemplo, Rm. 6:17; I Co. 11:2, 23; 15:3; Fp. 4:9) – a essência da qual jaz em sua apostolicidade (veja Cl. 1:1). Tradição apostólica tem o status da revelação, pois nela o próprio Cristo exaltado fala através de seus representantes autorizados (cons. Oscar Cullmann, “Tradition “, The Early Church, pág. 59-99).
9,10. A palavra grega para divindade ou deidade é o nome abstrato de Deus (Arndt) e inclui, além dos atributos divinos, também a natureza divina (Beng). Opondo-se à idéia docética de que a matéria é má, está a afirmação bíblica de que a própria divindade manifestou-se corporalmente (somatikos) ou em realidade material (Lightfoot; cons. Jo. 1:14). Outros (Moule, por exemplo) interpretam somatikos com o significado de: 1) um organismo de Cristo em contraste com o pleroma múltiplo de poderes cósmicos; ou, menos provavelmente, 2) o Corpo de Cristo, isto é, a Igreja. A plenitude (pleroma; cons. nota sobre 1:19) que é inerente a Cristo, impregna aqueles que estão em união com Ele para aperfeiçoá-los (pepleromenoi) ou dar-lhes a plenitude (cons. Ef. 1:23). União com Cristo somente é suficiente, pois Ele é o cabeça de todas as outras autoridades; elas nada podem acrescentar à santidade ou à redenção.
11,12. No N.T. não por intermédio de mãos é um termo quase técnico usado em relação às realidades da nova dispensação comunitária em contraste às instituições e rituais da antiga aliança. Refere-se com muita freqüência à Igreja na qualidade do verdadeiro templo de Deus dado à luz na morte e ressurreição de Cristo (Mc. 14:58; Jo. 2:19, 22; Atos 7:48; II Co. 5:1; Hb. 9:11, 24). Aqui identifica a morte e ressurreição de Cristo como sendo a verdadeira circuncisão (cons. Fp. 3:3), na qual os cristãos, na qualidade de Corpo de Cristo, participaram. Ambos os conceitos são, para Paulo, expressões da realidade comunitária implícita na fé dos cristãos – união com a morte e ressurreição do Salvador (veja Introdução).
No despojamento do corpo da carne. Veja comentário sobre 2:15.
Batismo pode se referir primeiramente ao batismo da morte de Cristo (cons. Mc. 10:38; Lc. 12:50), embora o batismo cristão não deve ser excluído (cons. Rm. 6:4). Não há uma analogia direta entre o batismo cristão e o rito da circuncisão da “velha dispensação”. Circuncisão aqui é a morte de Cristo, pela qual Ele operou o rompimento da velha dispensação, purificando do pecado e reconciliando com Deus (cons. Dt. 30:6; Jr. 4:4; 9:25, 26). É com isso que o batismo cristão tem de ser relacionado.
13. Para os gentios a morte de Cristo como figura da circuncisão tinha significado especial: sua antiga alienação do povo de Deus estava simbolizada pela incircuncisão literal (cons. Ef. 2:11). Entretanto, o uso aqui de carne, isto é, o homem sob o pecado, para indicar uma incircuncisão moral é possível. A ressurreição, vista como ação comunitária juntamente com ele, encontra a sua realização através do gracioso perdão de Deus (cons. Ef. 2:1-10).
14. O escrito é um certificado de débito (Deiss, BS, pág. 247) e presumivelmente se refere à lei escrita de Moisés. Para os gentios ela também pode incluir a lei com a qual suas consciências concordavam (cons. Rm. 2:14, 15; Êx. 24:3; Ef. 2:15). Esta obrigação que, não estando quitada, permanecia contra nós foi paga na cruz.
15. Despojando, ou melhor, despindo (apekdyomai) é uma palavra composta, não essencialmente diferente de outra expressão paulina, ekdyo. Esta última, usada na LXX (e no grego clássico) em se tratando de “desnudar” inimigos de guerra, fornece a pista para o significado aqui.
No tempo do V.T. os prisioneiros eram despidos de quase toda a roupa. Esse ato veio a simbolizar a derrota, e para os profetas significa o juízo de Deus (cons. Ez. 16:39; 23:26). No N.T. esta idéia entra no reino das “últimas coisas” quando os justos serão vestidos, em contraste com os injustos, que ficarão despidos e nus sob o juízo de Deus (cons. Mt. 22:11; Ap. 3:17, 18; 16:15; II Co. 5:3, 4). O presente versículo, descrevendo Cristo como “despindo” principados e as potestades através de Sua morte e ressurreição, provavelmente se refere, de um lado, aos poderes angélicos (através dos quais a cédula das ordenanças foi dada, Gl. 3:19) que controlam os governadores humanos e, de outro lado, a males personificados, tais como a morte. Cristo morreu, “para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão” (Hb. 2:14, 15). Para o indivíduo, a morte ainda tem de ser destruída (I Co. 15:25, 26); “em Cristo” sua destruição aconteceu quando, na Sua triunfante ascensão, o Salvador levou-a cativa com todos os outros poderes (Ef. 4:8). Semelhantemente, despindo ou despojando (apekdyomai) o corpo da carne (Cl. 2:11), pode se referir ao julgamento comunitário sobre a cruz do corpo da carne adâmico, isto é, o homem todo sob o pecado, sob o juízo, sob a morte. Neste caso, esta frase contrasta como “corpo de Cristo” (cons. I Co. 15:22; Robinson, The Body, pág. 31). O perdão gracioso de Deus (Cl. 2:13) tem de ser compreendido à luz do significado da cruz: nela o débito do homem está cancelado e os poderes que mantém o homem cativo são eles mesmos publicamente derrotados e feitos prisioneiros. Tomando consciência disso, torna-se aparente o absurdo que há em se voltar, buscando um complemento para a redenção, do Cristo triunfante para os poderes subjugados.
B. As Práticas Colossenses Negavam o Senhorio de Cristo. 2:16-19.
16,17. Pois. Paulo bate com força na mesa e tira as conclusões a partir de seu argumento. As práticas censuráveis, que evidentemente foram impostas pelos falsos mestres, além de se invalidarem diante da liberdade cristã (cons. Rm. 14; Gl. 5), também, como acontecia entre os gálatas (3:1-12; 4:9, 10) ameaçava afastá-los de Cristo, levando-os de volta às trevas da antiga dispensação (cons. Hb. 10:1-10). Paulo aponta que os simbolismos ilusórios e as proibições se desvaneceram diante de Cristo, à luz da realidade. Impor tais leis (hoje nós a chamamos por nomes diferentes) a outros como testes de sua maturidade espiritual é o mais evidente sinal de imaturidade cristã e erro. Corpo é geralmente interpretado como “realidade” ou “substância”, em contraste com o “tipo” do V.T. (Lightfoot), mas corpo de Cristo não pode se limitar a isso. “Substância”, “Igreja” e “último sacrifício perfeito”, todas podem ser idéias que se amontoaram na mente do escritor. . . “ (Moule).
18,19. A descrição reflete uma competição atlética na qual o competidor é desqualificado ou impedido de receber o prêmio (cons. I Co. 9: 24; Gl. 5:7; Fp. 3:14; II Tm. 4:7). Os falsos mestres ou 1) impediam os colossenses em sua carreira cristã, ou 2) os intimidavam, declarando-os desqualificados se não seguissem a orientação prescrita. Humildade, a qual em Cl. 3:12 é uma virtude, foi aqui condenada por causa do objeto para o qual essa atitude submissa e atividade foi dirigida. Adoração dos anjos (ton aggelon). Seja qual for a função mediadora que os anjos tiveram na velha dispensação (cons. Gl. 3:19), agora está obstada pela habitação de Cristo. Para Paulo, os anjos ainda podiam ter alguma função ministerial (I Co. 11:10; cons. Mt. 18:10; Hb. 1:14; lI Pe. 2:11; Judas 8, 9), mas a doutrina herética parecia ter ido além da reverência do V.T. e dos judeus para com os anjos – mais além até do que as extravagantes especulações rabínicas – dedicando-se a um culto que, tal como a devoção hodierna dos católicos romanos à Virgem Maria, deslocavam a centralidade de Cristo. Ernst Percy (Die hobleme der Kolosser und Epheserbdefe, pág. 168, 169), destacando a identidade virtual do culto dos anjos com humildade (cons. Cl. 2:23), vê Paulo a dizer: “Suas práticas legalistas chegam até à adoração de anjos”. Mas algo mais do que isto estava envolvido (cons. Bruce).
A base do erro é a mente egoísta ou carnal (veja coment. sobre 2:15) que passa o tempo elucidando visões que teve. (Uma cláusula difícil. Veja Bruce, Moule.) Tal mente deixa de se apegar a Cristo, a Cabeça, da qual o corpo, isto é, a Igreja, se nutre para crescimento verdadeiro e piedoso. Em contraste com o uso anterior, cabeça aqui reflete não tanto autoridade quanto origem ou fonte da saúde e vida da Igreja.
C. As Práticas Colossenses Contradizem Sua Vida Comunitária em Cristo. 2:20-3:4.
20-22. Os rudimentos (stoicheia) ou espíritos elementares são identificados 1) com poderes demoníacos aos quais foi delegada autoridade no cosmos e, portanto, sobre os homens (cons. 2:15), ou 2) com poderes angélicos que geralmente eram os intermediários da lei e exerciam na velha dispensação uma certa soberania sobre os homens. (O leitor deve consultar a cuidadosa dissertação de E.D. Burton, em Galatians, pág. 510-518 Ed.) Alguns poucos comentadores (Moule, por exemplo) traduzem a frase para ensinamento elementar, isto é, um ritualismo judeu ou pagão que se coloca contra a liberdade do espírito. No Calvário o cristão morreu com Cristo para a velha dispensação, e portanto ele não deve viver como se o mundo (kosmos) ou suas ordenanças ainda tivessem algum direito sobre ele (cons. Rm. 6). Submeter-se às coisas que se destroem é admitir que pertence à velha dispensação perecente, à mortal raça adâmico (cons. I Co. 15:45-50); e é uma negação da vida da nova dispensação à qual, no corpo ressuscitado de Cristo, o cristão foi incorporado.
23. Aperfeiçoamento do caráter cristão através de regras é a doutrina dos homens (cons. Cl. 2:8). Embora a observância de tabus dê ao homem a reputação de sabedoria espiritual e humildade sacrificial, tais tabus na prática “honram, não a Deus, mas ao orgulho do próprio homem” (tradução de Phillips). Phillips, provavelmente com razão, entende que sensualidade é “o velho homem”, o homem em sua rebeldia do pecado, e não simplesmente um termo sensual (cons. 2:18). Em contraste, disciplina do corpo (E.R.C.) deve ser literalmente entendida como prática ascética.

Índice: Colossenses 1 Colossenses 2 Colossenses 3 Colossenses 4