Interpretação de Atos 28

Atos 28

28:1 Depois de alcançar a praia, descobriram que a ilha era chamada Malta (Melita), a cerca de cem milhas ao sul da Cilícia. Malta (palavra cananita que significa “refúgio”) era habitada por um povo de ascendência fenícia.

28:2 Do ponto de vista romano e grego, qualquer pessoa que falasse uma língua estrangeira era um bárbaro. Os bárbaros não é nenhuma referência a qualquer atitude selvagem ou cultura primitiva, mas simplesmente indica que a sua língua (fenícia) não era o grego nem o latim. Uma vez que chovia e fazia, frio, esses nativos trataram-nos com singular humanidade acendendo um fogo para que os enregela-dos e ensopados viajantes pudessem se aquecer.

28:3 Uma grande fogueira para tão grande grupo precisava de constante fornecimento de lenha, e Paulo saiu à procura de madeira para alimentar as chamas. Em um feixe havia uma serpente venenosa, dura de frio; e, enquanto o apóstolo aquecia as suas mãos junto ao fogo, a víbora, reanimada pelo calor, fugiu das chamas e mergulhou suas presas na mão de Paulo.

28:4 Os nativos interpretaram este acontecimento em termos de sua própria superstição. Concluíram que Paulo realmente devia ser um assassino; e, embora tivesse escapado à morte no mar, Dike, a deusa da justiça, elaborava-lhe um destino adequado.

28:5, 6 Quando Paulo sacudiu a mão, fazendo a serpente cair de volta no fogo, sem ele sofrer dano algum, os nativos chegaram à conclusão de que estavam completamente errados. Em lugar de vítima dos deuses, ele mesmo era um ser divino que não podia ser ferido pelos infortúnios comuns aos homens.

28:7 A palavra usada foi encontrada em duas inscrições como título conferido a uma autoridade da ilha. Não sabemos se esse principal era uma autoridade nativa ou um representante de Roma. Esse Públio tinha um patrimônio nas proximidades onde hospedou Paulo e seus companheiros por três dias, dedicando-lhes graciosa hospitalidade.

28:8 Disenteria e febre eram doenças comuns na ilha de Malta.

28:9, 10 Curaram em 28:9 é uma palavra com ideia diferente de curou em 28:8. Sugere não curas milagrosas mas tratamento médico, provavelmente nas mãos de Lucas, o médico. Os versículos 10 e 11 sugerem que este ministério médico durou por todos os três meses que eles ficaram em Malta, de modo que quando Paulo e Lucas deixaram a ilha, foram alvo de muitas honrarias, e seu navio foi carregado com tudo quanto necessitavam para o restante da viagem.

28:11 O naufrágio aconteceu na primeira metade de novembro. Três meses depois, nos meados de fevereiro, ainda podia ser considerado cedo demais para navegação segura, mas ao que parece a primavera chegara cedo. Encontraram um navio que ia da Alexandria para a Itália, o qual invernara na ilha. Os navios antigos levavam o nome das suas figuras de proa. Este navio tinha por figura ou emblema o Dióscuros, uma palavra que significa “filhos de Zeus”, Castor e Pólux, que eram considerados os padroeiros dos navegantes.

28:12 Navegando diretamente para o norte, chegaram a Siracusa, a cidade mais importante da Cecília, localizada no lado sudeste da ilha.

28:13 De Siracusa, como os ventos não eram favoráveis, foi necessário ir bordejando de um lado para outro a fim de alcançar Régio no artelho da Itália. Aqui o grupo esperou um vento mais favorável e quanto o vento sul começou a soprar no dia seguinte, facilmente alcançaram Potéoli, na baía de Nápoles, o porto regular de chegada para os navios que transportavam cereais da Alexandria.

28:14 Ao que parece Júlio, o centurião encarregado dos prisioneiros, tinha assuntos oficiais que o detiveram em Potéoli, e ele permitiu que Paulo aceitasse o convite dos irmãos cristãos da cidade para ficar com eles os sete dias. Permissão semelhante ele recebeu em Sidom (27:3).

28:15 A notícia da chegada de Paulo alcançou Roma durante esses sete dias, e os irmãos cristãos desceram a Via Ápia para encontrar-se com Paulo e Lucas acompanhando-os de volta à cidade. A palavra traduzida para vieram ao nosso encontro é a mesma palavra usada para o “arrebatamento” dos crentes no encontro com o Senhor nos ares em sua segunda vinda (I Ts. 4:17). É um termo regularmente usado para as boas vindas oficiais prestadas por uma delegação que vai ao encontro de um visitante oficial e o acompanha à cidade. A Praça de Ápio fica cerca de sessenta e oito quilômetros de Roma, e as Três Vendas fica cerca de dezesseis quilômetros mais perto. Ambas eram pontos de parada da Via Ápia, com casas de pouso para os viajantes descansarem.

28:16 A declaração, o centurião entregou os presos ao general dos exércitos (ERC) só se encontra em alguns poucos dos textos mais antigos e provavelmente não é autêntica. Paulo não ficou preso em uma cadeia, mas ficou sob a guarda de um soldado que era responsável por ele, sob risco de vida, devendo apresentá-lo no devido tempo. Paulo foi acorrentado ao pulso do soldado (veja v. 20), mas tinha permissão de morar em sua própria casa e desfrutava de bastante liberdade. Esta é a última seção escrita na primeira pessoa do plural. Entretanto, uma vez que Lucas é mencionado na correspondência de Paulo escrita em Roma (Fm. 24; Cl. 4:14), está claro que ele permaneceu com o prisioneiro em Roma.

28:17-20 Havia um certo número de sinagogas judias em Roma, mas estando Paulo prisioneiro, ainda que desfrutando de certa liberdade, não lhe era fácil visitá-las. Por isso ele convocou os líderes dos judeus para lhes expor o seu caso. Declarou que não violara nenhum dos costumes judeus e que era um homem inocente que fora entregue como prisioneiro nas mãos dos romanos. Apesar do fato dos romanos terem desejado libertá-lo, os judeus se opuseram a essa decisão, e por isso Paulo sentira que sua única via de escape era apelar para César. Entretanto, Paulo não queria fazer nenhuma acusação contra os judeus por causa do tratamento que lhe fora dispensado. Ele era prisioneiro apenas pela esperança de Israel. Com isso queria dizer que a sua fé cristã era o verdadeiro cumprimento da esperança do povo de Deus.

28:21, 22 Os líderes judeus declararam que não receberam nenhuma carta nem emissários de Jerusalém acusando Paulo de alguma coisa. Mais ainda, deram a entender que não estavam familiarizados com esta seita à qual Paulo pertencia, mas tinham ouvido contar que era fortemente criticada em outros lugares. F.F. Bruce (Commentary on Acts) sugere, logicamente, que a esta altura os líderes judeus não estavam falando a verdade. Seria impossível não estarem familiarizados com a igreja cristã em Roma, uma vez que sabemos da carta de Paulo aos romanos que ali existia uma igreja vigorosa (veja também 18:2). Mais ainda, é muito improvável que os judeus romanos não tivessem recebido um aviso de Jerusalém, porque mantinha-se constante comunicação entre as duas cidades. Entretanto, ao que parece nada se fez contra Paulo, e os judeus, portanto, acharam mais sábio dissociar-se inteiramente do caso para evitar incorrer na ira do governo romano.

28:23 Algum tempo mais tarde, os judeus vieram novamente à casa de Paulo para ouvir as opiniões dele. A mensagem de Paulo consistia de testemunhar o reino de Deus, procurando persuadi-los a respeito de Jesus. As coisas referentes à pessoa de Jesus e ao reino de Deus são conceitos visivelmente sinônimos. Paulo incumbiu-se de lhes mostrar que as coisas sobre Jesus e o reino de Deus eram o verdadeiro cumprimento da lei de Moisés e dos profetas e que a fé ancestral de Israel encontrara cumprimento na fé cristã.

28:24-27 A reação dos líderes judeus em Roma, diante da mensagem de Paulo, foi a mesma de sempre. Alguns creram, mas a maioria rejeitou a sua mensagem. Vendo isto, Paulo citou Is. 6:9, 10, que descreve a estupidez e embotamento espiritual do povo de Deus. A situação angustiosa em que se encontra é desesperadora e não há possibilidade de se voltar para Deus a fim de ser curado.

28:28 O livro de Atos chega ao clímax com esta declaração: A salvação de Deus foi enviada aos gentios. E eles a ouvirão. Os últimos 8 capítulos do livro de Atos – mais da quarta parte do livro – são delicados ao registro das experiências de Paulo em Jerusalém e sua viagem à Roma. Surge a questão: Por que Lucas dedicou tanto espaço a esses acontecimentos quando sua narrativa anterior passou por alto de acontecimentos igualmente importantes com um sumário dos mais carentes? A resposta deve ser que um dos propósitos principais de Lucas era o de mostrar que exatamente como a nação judia rejeitou Jesus como o seu Messias e o colocou nu, na cruz, assim também os líderes dos judeus, tanto em Jerusalém como em Roma, confirmaram seu caráter apóstata rejeitando a maior figura da igreja apostólica e o seu evangelho. Por outro lado, onde quer que Paulo fosse, ele foi recebido pelos gentiosdevotos nas sinagogas e alcançou a proteção das autoridades romanas. A tônica do caráter empedernido de Israel e a receptividade dos gentios está resumida em Atos 28:25-28. Estas palavras permanecem como uma declaração formal do desgosto divino por causa da rebeldia de Israel. A partir daí o Evangelho encontrou acolhida entre os gentios. A rebeldia de Israel completara-se.

28:30, 31 O final do livro de Atos deixa o leitor atencioso com muitas perguntas sem resposta em sua mente. Paulo morou em Roma por dois anos completos, não em uma prisão mas com liberdade de manter sua própria casa que alugara sob a custódia de um soldado romano. Isto não lhe concedia uma liberdade completa de movimentos mas capacitou-o a receber em sua casa todos aqueles que desejavam conversar com ele e ouvir a sua mensagem. Novamente Lucas resume o ministério de Paulo em Roma com as duas frases, pregando o reino de Deus... ensinava as coisas referentes ao Senhor Jesus Cristo. A conclusão óbvia é que as boas novas sobre o reino de Deus é um sinônimo das coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo. Esta é a mesma mensagem que ele pregou aos líderes judeus quando vieram vê-lo logo após sua chegada a Roma (v. 23).

Ficamos com as perguntas: Que fim teve a prisão de Paulo? Em que resultou o seu apelo a César? Ele foi considerado culpado e foi executado, ou foi considerado inocente e foi libertado; ou foi o caso encerrado à revelia? A implicação natural de 28:30 é que após os dois anos, o apóstolo foi libertado da prisão. A tradição nos conta que ele foi executado em Roma em 64 A.D. ou um pouco depois. Isto deixa um intervalo de uns dois ou três anos entre o final de Atos e a morte de Paulo. As três Epístolas Pastorais que revelam terem sido escritas por Paulo refletem um ministério itinerante e de pregação que não se encaixam no livro de Atos. Apesar dos argumentos contra a autenticidade das Epístolas Pastorais, a conclusão mais provável é que Paulo foi solto após dois anos de prisão, entregou-se a um novo ministério, o qual se reflete nessas cartas, e que finalmente sofreu uma segunda prisão em Roma, a qual se reflete em II Timóteo.

O final mais ou menos abrupto do livro de Atos tem sido explicado de diversos modos. Alguns defendem que Lucas pretendia escrever um terceiro volume para registrar o julgamento e libertação de Paulo e suas subsequentes viagens missionárias, mas por algum motivo foi impedido de executar seu propósito. Outra possível explicação é que Atos foi escrito durante o aprisionamento de dois anos, pois vemos em Fm. 24 e Cl. 4:14 que Lucas esteve com Paulo durante esse tempo em Roma. É provável que Lucas tenha ajuntado material para sua narrativa sobre a igreja primitiva durante os dois anos da detenção de Paulo em Cesareia e composto o livro de Atos durante esses dois anos em Roma. Neste caso, a narrativa termina desse modo porque ele terminou a história e no momento nada mais havia para registrar. É provável que as cartas aos Filipenses, Efésios e Colossenses e a carta a Filemom fossem escritas por Paulo durante a sua prisão em Roma. Porém, alguns mestres acham que essas “Epístolas da Prisão” foram escritas em outra ocasião em Éfeso, prisão esta que não é mencionada no livro de Atos, ou possivelmente na prisão em Cesareia.

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