Estudo sobre Hebreus 8

Estudo sobre Hebreus 8

Estudo sobre Hebreus 8 

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2) O ministério sacerdotal de Cristo e a nova aliança (8.1-13)
Da descrição da grandeza do sacerdote, o autor se volta agora para tratar, como parte suprema da sua argumentação (Manson, Epistle to the Hebrews, p. 123), da grandeza do seu ministério — uma grandeza que é devida em grande parte à esfera em que é realizado esse ministério. O ponto mais importante do que estamos tratando (v. 1) não é simplesmente que temos um sumo sacerdote como esse descrito no cap. 7, mas que temos um sumo sacerdote tal que se assentou [...] nos céus (v. 1). Para o autor de Hebreus, o mundo invisível é o mundo real que a fé leva totalmente a sério (v. 2; cf. 6.20; 11.1,2,16; 12.22), e o mundo dos fenômenos não é nada mais do que cópia e sombra dessa realidade (cf. Nm 24.6, LXX, e Ex 25.9,40). Assim, quando ele afirma que Cristo como sumo sacerdote está nos céus, está fazendo mais do que simplesmente contar a seus leitores onde Jesus está agora. Ele está lhes contando que o ministério de Jesus é um ministério “real” porque a sua esfera de operação é o mundo real — o santuário, o verdadeiro tabernáculo que o Senhor erigiu, e não o homem (v. 2; cf. v. 5,6 acerca da prova bíblica para a existência do santuário celestial). Assim, o seu ministério, como sua pessoa (cap. 7), está em forte contraste com o dos sacerdotes levíticos. Por isso, Eles servem num santuário que é cópia e sombra daquele que está nos céus (v. 5). Eles e seu ministério não são nada mais do que sombras projetadas pelas coisas boas que estavam por vir, e não eram as realidades em si (cf. 10.1).
Recapitulando, a argumentação do autor é a seguinte: Cristo é um sumo sacerdote estabelecido por Deus (cap. 7). Visto que “a tarefa do sumo sacerdote é oferecer sacrifícios no santuário”, também era necessário que ele tivesse algo a oferecer (8.3) e um santuário em que fizesse isso. Mas porque já havia sacerdotes na terra que apresentam as ofertas prescritas pela Lei (v. 4), e visto que não havia lugar para Cristo no santuário terreno em virtude de sua descendência de Judá (cf. 7.13), sua esfera de serviço sacerdotal tinha de ser necessariamente o céu se ele queria realizar o propósito do seu ofício. Isso, então, significa que o ministério que Jesus recebeu é superior (v. 6). E, como inferência disso, a aliança que ele medeia é uma aliança melhor do que a anterior, visto que é (legalmente) baseada (gr. nenomothetêtai) em promessas superiores (v. 6).
O conceito de “aliança” tem um papel importante em Hebreus, usado pelo autor ao menos 17 vezes. A palavra grega traduzida por “aliança” é diatheke, que em épocas clássicas significava “prescrição”, “testamento”. Mas esse significado nunca é atribuído a essa palavra em Hebreus (com a possível exceção de 9.15,16). O contexto do autor para o entendimento de diatheke não é o mundo clássico, mas o mundo do AT. Aí foi usada pelos tradutores da LXX para transmitir ideias contidas na palavra hebraica berith — uma palavra que geralmente significava uma aliança ou um acordo entre duas partes consentindo em algumas condições estabelecidas para o propósito de atingir algum objetivo mútuo. Cada parte, então, estava sob a obrigação de cumprir seu lado do contrato. As vezes, a aliança era selada com o sangue de um animal sacrificado (Gn 15.1-10; Ex 24.5-8), que pode ter simbolizado a morte dos que estavam fazendo a aliança — morte que, figuradamente, os colocava numa posição de não poderem fazer nada para quebrar o acordo que tinham feito. [Observação: Com toda a probabilidade, o verbo hebraico “fazer uma aliança”, kãrath, remonta a exatamente esse ritual, pois literalmente significa “cortar”, i.e., cortar um animal para selar o contrato.] Além das obrigações exteriores que cada um assumia ao entrar numa relação de aliança, havia também um aspecto espiritual que fazia parte da antiga aliança — uma promessa de lealdade ou comunhão de alma — que pode ser mais bem ressaltada pela expressão “amor leal”.
A aliança entre Deus e o homem, no entanto, nunca pode ser considerada meramente um contrato entre duas partes iguais. Antes, Deus é o único que toma a iniciativa, que estabelece os termos sob os quais o acordo será posto em prática. Ele então convida os homens a se juntar a ele nesse acordo (cf. Hb 8.8,9, em que Deus fala e diz: “farei uma nova aliança...” ou “como a aliança que fiz”; cf. tb. Dt 4.13). Embora Deus seja o Parceiro Principal, por assim dizer, os homens, mesmo assim, são livres para responder, livres para escolher se vão aceitar ou não esse convite. Se aceitarem, tornam-se o povo que o adora, e ele se torna seu Deus (cf. Ex 19.5,6 com Hb 8.10).
Há muitas alianças mencionadas no AT, e a aliança é um conceito em desenvolvimento, mas o autor de Hebreus aqui parece ter em mente aquela aliança que foi iniciada no Sinai. As condições sob as quais ela entrou em vigor incluíam a obediência à lei (cf. Êx 24.6-8; Dt 4.12ss; 5.lss; lRs 8.21). A lei, no entanto, foi uma voz exterior ao povo e nunca realmente uma parte deles. Por isso, eles não conseguiam cumpri-la sem transgredir suas ordenanças. Isso, sem dúvida, era uma fraqueza séria da antiga aliança, mas não sua fraqueza maior, visto que no relacionamento de aliança não se esperava do povo que fosse impecável. Deus reconhecia que ”errar é humano” (Hb 5.2; 9.7) e, portanto, fez provisão para tais falhas humanas ao instituir o sistema sacrificial para a cobertura dos pecados de ignorância e erros cometidos dentro da aliança. [Observação: Pecados intencionais eram um outro assunto. Eram basicamente pecados contra a aliança e incluíam rebeldia propositada e incredulidade. Para esses pecados, não havia sacrifício (cf. Hb 10.26).] Foi nesse ponto, no entanto, que a real fraqueza da antiga aliança se tornou penosamente evidente. O seu sistema sacrificial, centrado como estava no sumo sacerdote, não podia nem mesmo lidar com as transgressões cometidas dentro da aliança com o efeito de dar às pessoas afetadas um verdadeiro sentimento de perdão (Hb 9.15; 10.4). Agora, no entanto, sob a nova aliança (embora as condições para sua eficácia não sejam explicitadas aqui), há a provisão da correspondência interior espontânea à vontade expressa de Deus por meio da inscrição das suas leis no coração humano (Hb 8.10), e do completo perdão dos pecados por meio da obra sacerdotal de Cristo. Agora o povo da aliança de Deus pode se aproximar dele com a consciência limpa (Hb 8.12; 10.21,22). Com base na ideia de que a aliança é um relacionamento existente entre Deus e o seu povo, mantido por meio do sacrifício expiatório, está claro que o sumo sacerdote se torna a figura central nela. O relacionamento de aliança, portanto, somente é tão bom quanto o sumo sacerdote que o administra. O ministério do antigo sumo sacerdote era imperfeito. Assim, a antiga aliança também era imperfeita e, portanto, transitória (8.13) — fraquezas que foram reconhecidas até pela própria antiga aliança, pois dela mesma vem a predição de uma nova para tomar o seu lugar (v. 8). Mas o nosso sumo sacerdote é Jesus, o Filho de Deus (4.14), consagrado para sempre para esse ofício por um juramento inviolável de Deus (7.21), que ministra continuamente de forma eficaz no mundo invisível das realidades (8.1ss). Não é de admirar, então, que o autor esteja tão seguro de que a nova aliança está baseada em promessas superiores (8.6; v. a discussão acerca disso em A. B. Davidson, The Epistle to the Hebrews, 1950, p. 162ss; E. D. Burton, Galatians (ICC), comentário de ”aliança” no Apêndice; G. Vos, The Teaching of the Epistle to the Hebrews, 1956).
Com base nisso, está claro que na mente do autor de Hebreus a profecia de Jeremias acerca da nova aliança agora teve o seu cumprimento na Era Cristã. Ele não aponta para alguma época futura quando isso vai ser verdade. E verdade agora. As leis de Deus estão escritas no coração dos cristãos (cf. Rm 7.22; 8.4), e Cristo é o sacerdote perfeito que torna possível que Deus lhes perdoe a maldade e esqueça os seus pecados (8.12). Que esse é o caso, pode ser visto por meio da comparação desse trecho com 10.15ss, em que o autor cita novamente essa mesma profecia de Jeremias e diz que o Espírito Santo está dessa forma dando testemunho a nós por meio da afirmação “Esta é a aliança que farei com eles [...] declara o Senhor”. A “comunidade de Israel” (8.8,10), assim, se torna o “Israel de Deus” de que Paulo fala em G1 6.16. O v. 11, que parece ainda não ter se cumprido, pode ser entendido como uma forma poderosa, talvez poética, de expressar a ideia de que o cristão, como ninguém antes dele, foi conduzido a um relacionamento íntimo e profundo com Deus a ponto de sua vontade se conformar à vontade de Deus “por meio de uma comunicação direta e pessoal de instrução e influência” (Vaughan, Comm., p. 150).