Estudo sobre Hebreus 3

Estudo sobre Hebreus 3





Hebreus 3

III. EXORTAÇÃO E ADVERTÊNCIA (3.1—4.13)

Exortação para considerar Cristo superior a Moisés (3.1-6a)

A seção anterior termina com uma descrição de Cristo como o sumo sacerdote misericordioso. Isso agora se torna o tema da nova discussão. Mas em forma invertida o autor trata primeiro da fidelidade de Jesus e depois da sua misericórdia (4.14ss).

Do ponto de vista da verdade teológica, o autor faz seu apelo aos santos irmãos, participantes do chamado celestial (v. 1). A palavra ”santos” tem o mesmo significado básico de ”santificar” e se refere, portanto, àqueles separados por Deus e para Deus, i.e., os cristãos (cf. comentário de 2.11; Lv 20.26; 1 Pe 2.9). A esses cristãos cujo chamado ou convite é “do céu [...] e para o céu” o autor se dirige agora pela primeira vez. Eles são encorajados a fixar os seus pensamentos em Jesus, apóstolo e sumo sacerdote, o objeto da sua confissão declarada, como sendo fiel àquele que o havia constituído (v. 1,2). E mesmo assim, não é que os cristãos devem fixar sua atenção em Jesus como fiel meramente, pois Moisés, que também foi considerado apóstolo (cf. Ex 3.10) e sacerdote (Êx 24.6-8; cf. tb. Fílon, On the Life of Moses, 2.2-5), foi fiel (v. 2; cf. Nm 12.7). Mas eles devem dar atenção cuidadosa e demorada à pessoa e obra de Cristo porque, por sua própria natureza, ele é completamente “outro” e muito maior do que Moisés. Moisés foi um servo fiel na casa de Deus (v. 2) — uma mera testemunha, por meio das leis morais e cerimoniais que ele estabeleceu, do evangelho que seria dito no futuro (v. 5). Mas Jesus é o Filho de Deus estabelecido sobre aquela casa, “o agente criador” por meio do qual ela foi construída, que é ele mesmo o evangelho previsto por Moisés e aquele por quem ele foi primeiramente anunciado (v. 3,5,6; cf. tb. 1.2; 2.3). O v. 4 é difícil, e essa dificuldade é muito pouco aliviada por se colocar o versículo em parênteses (como na RSV), pois ele não tem todas as características de um interlúdio. Tem alguma conexão com a referência a Jesus como o construtor no v. 3. Talvez seu significado seja que toda casa é construída por alguém, mas Deus é o edificador de tudo, cujo “agente criador é Cristo”. Ou talvez seu significado seja compreendido mais facilmente ao se traduzir a palavra “Deus” por “divino”, visto que no grego o artigo definido é omitido: “o edificador (i.e., Cristo) de todas as coisas é divino”.
E digno de observação que a expressão na casa de Deus (“em sua casa”, ARA) se refere a mais do que uma construção, portanto, à “família” de Deus. Evidentemente, descreve o povo crente em Deus no AT e também no NT, pois a “casa” é a mesma em ambos os Testamentos. Moisés foi servo na casa de Deus, uma casa que Cristo fundou, sobre a qual ele governa e à qual pertencem os cristãos — e esta casa somos nós (v. 6). Esse trecho argumenta fortemente a favor da continuidade entre o antigo Israel e o novo “Israel de Deus” (cf. G1 6.16).

Advertência acerca de pôr a perder o descanso que Deus prometeu (3.6b—4.11)

v. 6. esta casa somos nós, se é que nos apegamos firmemente à confiança e à esperança da qual nos gloriamos: Essa advertência é dirigida àqueles que “se confessaram cristãos. Ela tem o propósito de mostrar que o verdadeiro cristianismo é demonstrado pela perseverança, pela confiança contínua em Cristo e pela lealdade para com aquele que é a nossa esperança (cf. Cl 1.27). Não pertence à casa de Deus aquele que meramente professa pertencer. Pertence aquele que continua crendo ”até o fim” (v. 6, nota textual da RSV, uma leitura que, embora paralela a 3.14, provavelmente é genuína aqui à luz de sua ampla confirmação textual). O salmo 95, que é agora citado como a voz do Espírito ainda falando aos cristãos hoje (v. 7-11), tem o propósito na mente do autor de mostrar que a perda trágica de Israel foi devida à rebeldia ou incredulidade — a falta de manter uma atitude de confiança e obediência durante toda a sua caminhada do Egito a Canaã — e foi uma advertência a cristãos professos para não cometerem o mesmo erro. Serve, assim, para ilustrar o princípio já exposto antes, isto é, de que a perseverança é de fato a demonstração da fé. A saída inicial de Israel, o seu “batismo em Moisés”, sua participação da comida espiritual (cf. ICo 10.1,2), i.e., sua observação das obras divinas (v. 9), não garantiram a sua entrada em Canaã. Alguns continuaram a crer em Deus e entraram em Canaã, mas alguns se rebelaram e nunca experimentaram o descanso de Deus (v. 11; cf. v. 16-19). A jornada determinou a vitalidade da sua fé.

Portanto, visto que o Espírito Santo está falando ainda e dizendo: “Hoje” (v. 7,13,15), Cuidado, irmãos, para que nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo, que se afaste do Deus vivo (v. 12). A gravidade da situação é intensificada assim por três coisas: (a) pelo autor chamando a atenção para o fato de que é Deus que está falando, e não o homem — como diz o Espírito Santo (v. 7); (b) pelo fato de ele ressaltar que esse afastar-se é do Deus vivo, uma designação predileta para Deus em Hebreus (9.14; 10.31; 12.22; cf. tb. 4.12; 11.6), que retrata Deus como “totalmente vivo, ativo em se fazer conhecido aos homens, capaz de cumprir suas promessas e determinado a executar seus juramentos” (observação: a advertência contra afastar-se do “Deus vivo” não soa como uma advertência contra recair no judaísmo), e (c) por seu uso repetido do imperativo (3.12,13; 4.1,11). A prevenção para essa condição é encorajem-se uns aos outros (gr. “a si mesmos”, destacando a ”unidade do corpo cristão”) todos os dias (v.13). Isso exige tanto responsabilidade pessoal quanto coletiva. A expressão engano do pecado (v. 13) descreve o pecado como um sedutor e pode ser uma alusão àquele primeiro pecado quando Eva foi seduzida pela serpente (Gn 3.13; cf. lTm 2.14).

Os v. 12,13 juntos descrevem esse processo que ocorre no fundo do coração de um homem quando não há o fortalecimento constante da exortação mútua — um processo que inicialmente é invisível a qualquer observador. Primeiro a semente da incredulidade tem permissão para germinar, depois pensamentos maus e desafiadores de Deus começam a se espalhar. Esses gradualmente passam a dominar toda a atitude, até que todo o caráter é mudado. Uma nova tendência está no controle da pessoa envolvida. Sua resposta básica a Deus é NÃO. Já não há agora o SIM da submissão que ele professou no seu batismo (J. Schneider, The Letter to the Hebrews, 1957, p. 31-2). O autor reitera de forma mais intensa o que já disse anteriormente (v. 14), isto é, que há um simples teste pelo qual podemos saber se somos participantes de Cristo ou não, se somos “parceiros” dele (gr. metochoi tou christou, que em si tem um significado ambíguo): Apegamo-nos até o fim à confiança que tivemos no princípio [Observação: O gr. para “confiança” é hypostasis, aquele apoio firme em que “um homem se fundamenta para enfrentar o futuro” (J. Moffatt, The Epistle to the Hebrews, ad loc., p. 48). Aqui é a convicção, com que a vida cristã começou, de que Deus falou sua palavra definitiva e final em Jesus Cristo.] A experiência de Israel no deserto (v. 16-19) prova que “esse retrato da vida como um todo é o critério” pelo qual podemos ver objetivamente a realidade da sua fé. O que é fé para o autor de Hebreus? O cap. 11 é sua discussão completa desse tópico, mas ao compararmos o v. 18 com o 19 fica claro que ele entende fé como sendo algo muito semelhante a obediência ou lealdade.