Agostianismo — Pais da Igreja
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Nome dado aos ensinos
gerais filosófico-religiosos de Agostinho. Os escritos onde se acham essas doutrinas
são os seguintes: Sobre o Livre-Arbítrio; Concernente ao Mestre; Confissões;
Sobre a Doutrina Cristã; Inquirições da Fé, da Esperança e do Amor; Sobre a
Trindade; e A Cidade de Deus.
Em seus escritos e
ensinos, Agostinho é o elo de ligação entre o pensamento grego e as
especulações dos escolásticos. Foi o maior dos pais latinos da Igreja, não
tendo rivais na Igreja Cristã, desde o Apóstolo Paulo, na opinião de alguns. D
eu à Igreja oriental suas definições cristológicas, e à Igreja ocidental a sua
vida. Nele convergem os ideais católicos e as convicções protestantes
posteriores. O Santo Império Romano foi fundado sobre os seus conceitos,
contidos na obra A Cidade de Deus, que
por mil anos dominou os desenvolvimentos políticos da Idade Média. As
combinações de Agostinho. Talvez seja
por demais simplista asseverar que Agostinho era um teólogo e filósofo
cristão-platônico. Não há que duvidar que estava pesadamente endividado a
Platão, e boa parte de sua teologia cristã foi expressa através das ideias e
das terminologias platônicas.
Naturalmente, ele
estava fortemente escudado na Bíblia, mas Platão, corretamente manuseado, não é
antibíblico. Sua inspiração. Seu
pensamento era controlado por dois pólos: Deus e a alma. Escreveu ele: “Desejo conhecer
Deus e a alma. Nada mais? Nada mais!” E também: “Ó Deus, Tu és sempre o mesmo.
Oxalá eu conhecesse a mim mesmo e conhecesse a Ti”. (Confissões) Elementos do agostianismo:
1.
A vereda da felicidade e da salvação. É a senda do autoconhecimento, em que o
indivíduo vem a conhecer a alma e suas exigências, divinamente outorgadas,
mediante a razão e as Escrituras. Essa vereda caracteriza-se pela formosura,
pela verdade e pela bondade. Quando conhecemos a nós mesmos, chegamos a
conhecer o criador do nosso “eu” — Deus. Nossos corações não têm descanso
enquanto não encontram descanso nEle.
2.
Teísmo. A única
posição intelectualmente válida para o cristão é o teísmo (ver o artigo).
Usando ideias platônicas, Agostinho definiu como obtemos esse conhecimento. Há
uma base racional e filosófica para crermos na existência de entidades imateriais,
as ideias eternas ou rationes aetemas. Essas existem na mente de Deus (ver o artigo
sobre o conceitualismo). Naturalmente, para tanto, Agostinho também empregava
conceitos bíblicos.
3. Importância da
defensibilidade filosófica. Ele tinha fé, crendo na revelação. — Mas
buscava intensa e incansavelmente uma base racional para a fé, tendo-a
encontrado em Platão, em contraste com os céticos.
4. Refutação do
ceticismo.
A verdade só floresce onde se acha a fé, e o ceticismo é trevas. O
ceticismo é contrário ao autoconhecimento, uma das grandes colunas-mestras de Agostinho.
Ele não podia evitar a ideia da verdade. “Se duvido, estou certo da verdade que
duvido. Se estou equivocado, então ao menos devo existir, para que possa ter-me
equivocado”. (Si fallor, sum). Isso,
naturalmente, antecipou a famosa declaração de Descartes: “Penso. Portanto,
existo”. Pode ter sido a inspiração da mesma.
5. Formosura e bondade. Essas ideias também são inatas ao homem, não
podendo ser evitadas, tal como se dá com a verdade, de modo geral. A
consciência da verdade, da beleza e da bondade são juízos do homem interior, da
alma. Temos consciência natural dessas coisas (ver o artigo sobre a Intuição). Nos juízos que formamos,
estão implícitas certas normas. A tomada de consciência dessas normas nos faz
tom ar consciência de Deus, pois Deus é o verdadeiro Bem, a verdadeira Beleza,
a própria Verdade. Temos ai as ideias platônicas, cristianizadas. Ver o artigo
sobre Formas, as Ideias Platônicas.
6. A descoberta de
Deus. Há uma
vereda interior que conduz a Deus, e os elementos de verdade, beleza e bondade
são nossos grandes guias. O décimo capítulo das Confissões de A gostinho traça
essa vereda, partindo de visões e ruídos, de impressões e percepções, partindo
daí para ideias destituídas de imagem. Estão envolvidas a razão e a intuição,
mas o Ser que buscam os é “luz inextinguível” e “luz inteligente”. Toda outra
luz, toda outra inteligência derivam-se dEle. E somente através das experiências
místicas, relativas a agora, e absolutas no mundo futuro da luz, realmente
chegaremos a conhecer a Deus. A luz do intelecto do indivíduo encontra-se dentro
da Luz, não da própria, mas daquela que tem afinidade com a dele. Essa é a
vereda que conduz a Deus. Naturalmente, Agostinho também se alicerçava sobre conceitos
bíblicos, e essa vereda passa pela missão de Cristo.
7. Evidências de Deus. Há “vestígios” de Deus na natureza. Agostinho
usava o argumento teleológico sobre a existência de Deus. A existência de desígnio requer a existência de um Planejador.
8.
O mal. O mal é a
privação do bem, e não uma entidade em si mesma, já que não é positivo. Assim,
a cegueira é a privação de luz. O mal também se assemelha às sombras escuras de
uma pintura, que não são atrativas, mas que, consideradas como um todo,
contribuem p ara a beleza. Portanto, o mal consiste em: 1. privação; 2. falta
de percepção. Essa atitude para com o mal, sem dúvida deficiente, surgiu na
tentativa de explicar como o mal pode existir em um mundo governado por um Deus
todo-bom e todo-poderoso.
9. Fé no cristianismo. A gostinho reconhecia as doutrinas cristãs,
aceitando a autoridade do Novo Testamento. Onde não se podia explicar ou
descrever a razão, assim ele se contentava com a simples fé no dogma.
10. A natureza de Deus. Agostinho declarava sua crença nos atributos
tradicionais de Deus, com o a perfeição, a
eternidade, a infinitude, a simplicidade, a unidade. Deus, em Sua essência,
desconhece acidentes, tendo criado o mundo do nada, conhecendo tudo, passado e
futuro. Com Sua presciência, Deus vê que o homem agirá livremente, sendo isso
uma garantia da liberdade humana, longe de ser um fator predestinador. Deus é a
causa inabalável de tudo, o sustentador de todas as coisas. O conceito
agostiniano de Deus como um ser infinito foi o padrão durante mais de mil anos,
após os seus dias.
11. Sobre as obras de Deus. A gostinho repelia a posição de Plotino (ver
sobre Plotino), de que o Universo é uma emanação de Deus. Embora Deus houvesse
planejado sua criação desde a eternidade (um conceito de Sua mente), Ele o
criou dentro do tempo, do nada (ex nihilo). As coisas materiais pertenceriam ao nível
mais baixo da criação. Dentro delas, porém , Deus plantou as Suas rationes seminales, ou sementes da razão. Por causa dessa im
plantação, novas form as de vida podem continuar a surgir, um a espécie de
conceito de “lei natural”, que governaria a esfera inferior, sem a intervenção
direta da parte de Deus.
12.
Sobre o tempo.
Há um a esfera destituída do fator tempo. A esfera eterna pertence a uma
outra qualidade. A abordagem agostiniana do tempo antecipou a teoria da
relatividade, embora a ideia já estivesse contida nos particulares de Platão
(objetos deste mundo) e nas formas (realidades espirituais que dão origem aos
particulares. Seu estudo sobre o tempo é considerado
a única filosofia original vazada em língua latina, embora os gregos já
tivessem dito coisas semelhantes. Ele confessava a sua ignorância sobre a
natureza real do tempo, embora frisasse seus aspectos psicológicos, considerando
o tempo como uma distensão da alma.
13. Sobre o
conhecimento. “Credo ut intelligam” (creio, a fim de
compreender). Não há conhecimento sem fé. O ceticismo nos faz mergulhar nas
trevas. H& percepção, mas esta envolve apenas verdades triviais, mundanas.
Há a razão, que ultrapassa aos sentidos; e há a intuição, inerente ao homem, a
qual pode definir muitas verdades. Além disso, há o contato direto com a
Inteligência, Deus, por meio das experiências místicas, culminando na visão
beatífica, que é o ponto culminante do conhecimento. O
conhecimento não consiste em mero entendimento teórico sobre algum assunto. Mas
é o que sucede à alma em sua busca pelo conhecimento de Deus. Agostinho usava a
Bíblia para definir artigos de fé,’ mas não hesitava em alegorizar trechos,
quando pensava que isso era necessário para a obtenção da verdade que
ultrapassava a mera letra inadequada. (Ver o artigo sobre as alegorias). Deus e a alma são os verdadeiros alvos do
conhecimento, m as todo conhecimento reflete a mente de Deus, pelo que faz parte
da teologia. A ciência conduz a Deus quando corretamente manuseada. Temos nisso
a doutrina da unidade da verdade, um
útil conceito.
14. Sobre o homem. O mal moral deve-se ao livre-arbítrio humano.
O homem poderia desejar ser feliz, seguindo a vereda necessária para tanto (eudemonismo).
Mas falta ao homem a visão do mundo eterno, e cada pecado é a rejeição desse mundo.
Os problemas morais específicos ventilados por Agostinho foram: veracidade,
autopreservação, castidade, paz e guerra. Para que haja uma guerra justa, deve
haver: a. uma autoridade legítima; b. uma causa justa; c. um a correta intenção; d. todos os outros meios devem ter sido
exauridos. A vontade divina, por si mesma,
não é oposta à guerra, se essas condições forem satisfeitas. Contudo, a
guerra só pode ser justificada após terem falhado todas as tentativas para
conservar a paz. Se os bons soldados merecem ser elogiados, muito mais o merecem
aqueles que procuram eliminar a guerra. O homem está tão profundamente
inoculado pelo pecado original, transmitido de geração em geração, que não merece
ser salvo. Em Sua graça, Deus predestina alguns para a salvação, mas deixa
outros receberem o que merecem. A
temporalidade humana contrasta com a eternidade divina, e o próprio tempo é
aquilatado pela alma do homem; m as Deus está acima do tempo. O homem, união de
uma alma eterna com um corpo físico temporal, não tem sentido apenas na esfera terrena,
mesmo que a preexistência não lhe possa ser postulada. (Ver o artigo sobre a
alma), que inclui teorias das origens. A encruzilhada de todas as questões
morais é o amor. O homem tem dois amores: o amor a Deus e o amor ao próprio “eu”.
Todos os problemas m orais têm começo no amor-próprio. Mediante o amor a Deus
pode ser atingida a felicidade, porquanto nisso o homem avizinha-se do Deus
eterno e chega a participar de Sua natureza, mediante a visão beatífica.
15. Política. Em sua obra, A Cidade de Deus, Agostinho
produziu a primeira e maior filosofia da história. A motivação foi a captura e
o saque da cidade de Roma pelos bárbaros, em 410 D.C. Visto que isso poderia
provocar acusações contra os cristãos (alguns disseram que o surgimento do
cristianismo correspondeu à queda de Rom a), a primeira preocupação de
Agostinho foi apologética; mas, à medida que escrevia, — ampliava seu tema, transformando-a
em uma filosofia da história. Ali ele concebe duas cidades: Jerusalém, a cidade
de Deus, que é a Igreja Católica, e Babilônia, a cidade terrena, o estado,
aliás, o estado pagão. Tal como no homem
há dois amores em choque, assim também se dá na sociedade dos homens. As
sociedades humanas aproximam-se mais do amor a este mundo, ou do amor a Deus,
segundo a vontade das m assas. A cidade do homem está sempre sujeita à ruína,
estando ali presentes todos os riscos da contingência. Mas a cidade de Deus
está acima de tudo, e pode influenciar e aprimorar a cidade do homem.. A cidade
de Deus é superior à cidade do homem , e deveria exercer autoridade sobre ela.
Daí a mescla de Igreja e estado, criando a base filosófica para muitos séculos
de conflito. O estado moldado pela cidade de Deus é denominado Roma, e isso
apresenta uma terceira alternativa. Visto que a cidade de Deus em seus ideais,
é superior à cidade do homem. Consequentemente, a voz da Igreja sempre deveria
ser ouvida pelas autoridades civis. Os quatro períodos da história. 1. Paraíso,
antes da queda; 2. o mundo após a queda; 3. o período da lei; 4. o período da
graça, desde a vinda de Cristo, à época em que vivemos. Algumas vezes,
Agostinho preferia uma divisão em sete períodos, para corresponder aos sete
dias da semana.
16. Um filho da Igreja. O conhecimento e o uso da Bíblia por parte de
Agostinho foi crescendo após sua conversão, e ele fez significativas
contribuições para a teologia. Foi chamado de “o doutor da graça”. Opôs-se à
heresia de Pelágio. A vontade de Deus depende de Deus, e som
ente por meio da graça divina o homem pode chegar à salvação e à perfeição.
Devido ao livre-arbítrio, o homem é responsável por seus atos. Deus oferece Sua
graça eficaz, mas o homem pode rejeitá-la. Deus prevê que o homem agira
livremente, pelo que a previsão divina não pode determinar as escolhas humanas.
Entre outros assuntos, Agostinho abordou o da encarnação, o da redenção, e o da
Igreja como corpo místico de Cristo, fazendo-o com profundeza. Escreveu sobre
os sacramentos e demorou-se especialmente sobre a doutrina do amor. Muito fez
para mostrar a relação entre a fé e a razão, embora sempre salientando o lugar
primacial da fé. Agostinho tem sido chamado de “o maior doutor da Igreja”. Ele
influenciou, em termos decisivos, a fé e a teologia da Igreja ocidental.
Através da Idade Média, mestres representativos apelavam para a sua autoridade.
Pode-se ver sua influência nas obras de Anselmo, Tomás de Aquino, Alberto Magno,
Pedro Lombardo, os membros das escolas franciscana e vitorina, e outros.
Agostinho é estimado como um dos grandes pensadores da humanidade, dentro ou fora
da Igreja.