Interpretação de João 6

João 6

Em João 6, Jesus realiza a alimentação milagrosa de cinco mil, usando apenas cinco pães de cevada e dois peixes para suprir abundantemente a grande multidão reunida.

Em seguida, ele caminha sobre as águas para alcançar seus discípulos que estão em um barco no Mar da Galileia, demonstrando seu domínio sobre a natureza.

O capítulo também inclui um ensinamento significativo conhecido como discurso do “Pão da Vida”. Neste discurso, Jesus explica que ele é o verdadeiro pão do céu, o Pão da Vida, e aqueles que se aproximam dele com fé terão a vida eterna. Ele usa a metáfora de comer sua carne e beber seu sangue para simbolizar esse alimento espiritual.

Como resultado deste ensinamento, muitos dos discípulos de Jesus acham difícil aceitar suas palavras e abandoná-lo. Contudo, os seus doze discípulos, incluindo Pedro, afirmam a sua fé em Jesus como o Santo de Deus.

João 6 enfatiza o poder milagroso de Jesus, o seu papel como fonte de sustento espiritual e de vida eterna, e os desafios que os seus ensinamentos representaram para alguns dos seus seguidores.

Interpretação

6:1-71 Alguns mestres, advogando que os capítulos 5 e 6 foram trocados, apontam certas vantagens em colocá-los na posição anterior. Mas falta de evidências documentárias para tanto formam barreira formidável para aceitarmos esse ponto de vista. O milagre diante de nós é apenas um “sinal” registrado em todos os quatro Evangelhos. Marcos e Lucas contam que Jesus estava ensinando a multidão antes do milagre, mas só João registra o sermão que Jesus pronunciou no dia seguinte.

6:1-4 O outro lado do mar, neste caso, é a praia oriental. Outro nome para esse corpo de água é Lago de Genesaré (Lc. 5:1). Atraída pelos milagres de Jesus, uma grande multidão o seguia pela praia setentrional. Isso pressupõe um ministério de certa duração, talvez diversos meses, no setor da Galileia, depois dos acontecimentos do capítulo 5 localizados em Jerusalém. Ao monte. As terras altas. A menção da proximidade da Páscoa é significativa. Uma vez que João não registra a instituição da Ceia do Senhor como parte de sua narrativa dos acontecimentos da Semana da Paixão, provavelmente ele está chamando a atenção do leitor para a realização do milagre e o discurso sobre a ordenança central da fé cristã.

6:5-7. A cidade mais próxima era Betsaida. Seria difícil para o povo obter pão, devido à distância e a hora tardia. Jesus chegou à conclusão que ele e o seu grupo deviam fornecer o necessário (v. 5). Aconselhou-se com Filipe sobre as possibilidades, já sabendo o que faria, mas desejando experimentar a fé do discípulo. Filipe era natural de Betsaida (1:44). Duzentos denários de pão, calculou o apóstolo, não seriam suficientes. Um denário valia cerca de vinte centavos e era o que se costumava pagar a um trabalhador por dia. Um trabalhador com uma família de cinco membros provavelmente gastava metade do ganho diário em alimento. Supondo que a família tivesse três refeições por dia, podemos concluir que meio denário lhes forneceria o alimento de um dia ou quinze refeições. Um denário inteiro forneceria a ração para dois dias ou trinta refeições. Duzentos denários forneceriam uma refeição para cerca de 6.000 pessoas. Nessa multidão só os homens eram cerca de 5.000 (6:10).

6:8, 9 Não foi necessário exaurir a tesouraria, nem causar demora importuna procurando comprar alimento. André aproximou-se informando sobre um rapaz. A palavra grega usada indica uma faixa etária larga. Pode indicar também um escravo, mas seria pouco provável. Os pães eram pouco maiores que pãezinhos de lanche. O suprimento parecia tristemente pequeno para a necessidade.

6:10, 11 Havia necessidade de ordem para a grande operação em vista. Segundo as ordens de Jesus, dadas através dos discípulos, o povo assentou-se. A menção da relva indica a primavera (cons. v. 4). Assim o povo ficou melhor acomodado. Depois Jesus agradeceu a provisão. (Teria dado graças também pela generosidade do rapaz?). Logo a seguir, distribuiu o alimento aos discípulos, os quais por sua vez distribuíram-no entre a multidão. No processo da distribuição ocorreu o milagre. O povo saciou-se de pão e peixe, em contraste com a estimativa de Filipe ‘‘um pouco”.

6:12, 13 A prodigalidade da distribuição foi complementada pela escassez de recipientes para se guardar as sobras. Os dons de Deus não devem ser desperdiçados. Doze cestos foram necessários para guardar os pedaços, e assim todos os discípulos estiveram ocupados.

6:14, 15 Não havia dúvida de que um sinal fora realizado. O povo viu e ficou impressionado. Todos foram beneficiados. Viram que o seu benfeitor não era um homem comum, e concluíram que ele devia ser o profeta esperado (Dt. 18:18). Aqui, como em João 4, o profeta parece ser identificado com o Messias, enquanto que em João 1:20, 21 os dois foram discriminados. Na mente do público provavelmente não havia uma linha dura e firme entre os dois representantes. O profeta se tornaria rei de qualquer maneira, se esta multidão pudesse fazer a sua vontade. Tal movimento expressaria imediatamente a sua gratidão pelo milagre e também garantia a canalização do poder de operar maravilhas de Jesus para as necessidades da nação, tanto econômicas como militares. A expectativa popular do Messias estava para ser expressada de maneira dramática. Mas aquele cujo reino não era deste mundo (18:36), percebendo a intenção, frustrou-a retirando-se.

6:16-21 O Senhor que atende à necessidade da multidão, atendeu agora à necessidade dos seus discípulos, que foram apanhados por uma tempestade noturna no lago, sem Jesus, mas ao que parece esperando que viesse ter com eles (v. 17), os discípulos dirigiram-se para Cafarnaum. À dificuldade da escuridão acrescentou-se o infortúnio de um vento rijo que soprava com ondas. Já tinham avançado cerca de vinte e cinco a trinta estádios da praia (cada estádio tinha cerca de 190 metros). Quando a situação estava se tomando mais desesperadora, Jesus se aproximou. Ao medo da tempestade acrescentou-se agora o medo da aparição. Mas a voz de Jesus, dizendo, Sou eu. Não temais desvaneceu seus temores. Receberam-no em seu barco e acharam-se imediatamente em terra. Os Sinóticos contam-nos que, nesta ocasião, Jesus andou sobre as águas. Seu poder miraculoso manifestou-se também na remoção da barreira da distância. A gravidade e o espaço, ambos estão sob o seu controle. João não acrescenta nenhuma interpretação à sua narrativa. A passagem é útil por si mesma, ensinando que apesar de forças que se opõem Jesus capacita o Seu povo a atingir os alvos que Ele estabelece diante deles, inclusive o próprio céu.

6:22-25 Estes versículos apresentam o cenário do discurso. Talvez fosse a tempestade que impediu o povo de abandonar a área do milagre da multiplicação dos pães, além da impressão de que Jesus ainda se encontrava por perto. O desejo de tê-lO como seu líder e provedor ainda era forte. Vendo que não partira com os Seus discípulos, ficaram perplexos quanto aos Seus movimentos. Quando uma busca pela área mostrou-se infrutífera, e chegaram barcos de Cafarnaum, a multidão decidiu entrar nos barcos e atravessar o lago na esperança de encontrá-lO do outro lado. Quando...? (6:25) Jesus era um homem misterioso para eles.

6:26-34 Repreendidos pelo Senhor, as pessoas exigiram um sinal como base para crerem nEle. Mesmo tendo visto o milagre (cons. 6:14), Jesus acusou-as de não verem, isto é, de não enxergar além dos aspectos externos. Elas só viam a provisão do sustento material e sentiam-se satisfeitas (v. 26). O ensinamento de Jesus aqui tinha duplo aspecto, pois ele contrastou o alimento que perece com o alimento que permanece para a vida eterna, e também colocou o trabalho em contraste com a dádiva (cons. Is. 55:1, 2). Mesmo o alimento que Jesus tinha providenciado do outro lado do lago era perecível. Mas Ele podia dar aquele que seria significativo para a vida eterna. Seu poder para fazê-lo descansava na autoridade de que Deus Pai o investira (selou com voz divina no batismo e concessão do Espírito). A advertência sobre o trabalho não foi inteiramente compreendida, pois o povo continuou perguntando o que devia fazer para executar as obras de Deus (v. 28), isto é, para executar obras aceitáveis diante dEle. Em resposta, o Senhor apontou a fé como sendo a obra maior e indispensável (v. 29). Isto lhes pareceu ser um requisito fora do comum. Afinal, muitos falaram em nome de Deus no passado e não exigiram que se tivesse fé neles, mas apenas naquele que os enviara. Por isso a multidão sentiu-se justificada em exigir um sinal especial para sustentar esta especial reivindicação. Para crer nEle, precisavam de algo parecido com fazer vir pão do céu (6:31), em contraste com o milagre do outro lado do lago.

Para evitar mal-entendidos, Jesus fê-los lembrar que não foi Moisés mas Deus que lhes dera pão no deserto, o qual também lhes garantia o pão do céu. Por verdadeiro devemos entender perfeito, aquele que atende às mais profundas necessidades do homem. Cristo identificou o pão como sendo o que (v. 33), alguém que já descera do céu para dar vida ao mundo. Mas uma identificação explícita com ele mesmo não foi feita na ocasião. O povo queria desse pão, mas parece que ainda pensava nele em termos materiais, tal como a mulher de Samaria pensava na água viva (v. 34).

6:35-65 Esta seção compreende o discurso propriamente dito, interrompido três vezes por perguntas e discussões.

6:35 Finalmente Jesus identificou-se como o pão da vida. Além dEle ter vida em Si mesmo, pode também transmiti-la aos outros. Mas esse pão não é algo externo, algo separado dEle. É preciso ir a Ele, que é o equivalente a crer nEle. Aqueles que vêm, terão a fome espiritual banida para sempre. Comer e beber ocorre junto aqui, talvez em antecipação ao versículo 53. Ninguém precisa se afastar de Cristo para qualquer outra satisfação.

6:36 Ver não resultou em crer (cons. 6:30). “Ele mesmo era o sinal que os judeus não conseguiam compreender. Nenhum outro mais convincente podia ser fornecido” (B.F. Westcott, The Gospel According of John).

6:37 Mesmo assim, o Filho não desanimou, pois todo aquele que o Pai Lhe desse viria, e vindo encontraria nEle não o espírito da rejeição mas antes de boas vindas.

6:38 Essa recepção era inevitável, pois a vontade do Pai era o deleite do Filho.

6:39, 40 Essa vontade não se limitava à chamada mas se estendia também à preservação daqueles que foram dados a Cristo (cons. 17:12). A reunião do último dia desafiará o poder da morte.

6:41, 42 A ofensa da humanidade do Nazareno cegou seus ouvintes. Eles sabiam demais a respeito dEle, inclusive quem eram Seus supostos pais, para aceitarem a conclusão de que Ele desceu do céu (cons. Mc. 6:2, 3).

6:43, 44 Aqueles que murmuravam (como seus pais no deserto) diante da alta reivindicação do Filho do homem provaram que não sabiam o que era ser trazido pelo Pai. Sem essa aproximação, uma inclinação do coração induzida por Deus, ninguém pode vir a Cristo. Ninguém pode depender de seu próprio entendimento.

6:45 A aproximação é mais devido ao ensinamento do que por meio de algum processo místico. Aqui Cristo citou Is. 54:13. Se todos for enfatizado, fica removido qualquer elemento de restrição que possa parecer escondido na ideia de aproximação conforme declarado em Jo. 6:44.

6:46 Mas conhecimento imediato de Deus só pode vir por meio de Alguém que tenha visto o Pai. Essa é a proclamação principal do Evangelho (cons. 1:18).

6:47, 48 Verdades apresentadas anteriormente são novamente enfatizadas.

6:49-51 Os judeus exigiram que Jesus trouxesse pão do céu. Qual o resultado permanente que resultaria? Os pais que comeram o maná estavam mortos, mas aqueles que participaram do pão que é o Filho de Deus não morrerão (espiritualmente), pois a própria vida de Deus tornou-se deles. A carne de Jesus, sua verdadeira existência corpórea, seria dada pela vida do mundo. Isso apontava para a cruz.

6:52-54 Ainda pensando em termos materiais, os judeus discutiam entre si sobre a possibilidade de Jesus lhes dar a sua carne para comer (v. 52). Tornando o assunto ainda mais complicado, nosso Senhor indicou que o Seu sangue, além de Sua carne, devia ser aceito se alguém quisesse ter vida (v. 53). À vista da proibição do V.T. contra a ingestão de sangue (Lv. 7:26, 27), a ofensa contido nas palavras de Jesus deve ter aumentado. Essas palavras parecem antecipar o significado da Ceia do Senhor.

6:55-58 A seguinte citação resume melhor o pensamento: “O alimento e a bebida da Eucaristia são, fisicamente, o pão e o vinho, e espiritualmente, a Carne e o Sangue do Filho do homem: o verdadeiro alimento e a verdadeira bebida porque efetuam a sagrada união do Filho de Deus com aqueles que creem nEle, comunicando assim a vida eterna e garantindo a imortalidade. A união do Pai com o Filho é, portanto, entendida enlaçando também os crentes. Assim como o Pai comunica vida ao Filho, assim o Filho comunica vida àqueles que se alimentam dEle, concedendo-lhes a imortalidade” (Hoskyns). Essa alimentação não precisa ser confinada à celebração da Eucaristia.

6:59. Em Cafarnaum escavou-se uma bela sinagoga, a qual tem um pote com maná como motivo de decoração. Embora essa estrutura seja de um período posterior ao de Jesus, uma sinagoga provavelmente havia no mesmo local no tempo de Jesus.

6:60-65. Esta seção relaciona-se especialmente com a reação dos discípulos diante das palavras de Jesus. Devem ser considerados à parte dos “judeus” do contexto precedente e dos Doze nos versículos seguintes. Estes discípulos eram seguidores, mas sentiram, à vista desse ensinamento, que não podiam mais continuar.

O duro discurso é este se refere à necessidade de comer a carne de Cristo e beber seu sangue. Sua ascensão, que para os verdadeiros crentes confirmaria suas declarações, apenas aumentariam a ofensa para aqueles que não podiam aceitar a sua humanidade oferecida por eles na morte na cruz (v. 62). Até mesmo a carne de Cristo, declarada tão indispensável, de nada adiantaria a não ser que o Espírito a vivificasse para o crente. Suas próprias palavras, entretanto, participavam do caráter do espírito, isto é, davam vida. Elas salvariam, não independente da obra histórica da cruz, mas apontando para essa obra e interpretando-a. A própria resistência encontrada pelas suas palavras entre os discípulos supostos demonstrou que a sua fé era superficial. Jesus discernia não apenas a presencia a fé falsa; mas até a traição em potencial da parte de um dos seus seguidores.

6:66-71 O efeito do discurso sobre os Doze está sendo agora apresentado. Este foi o momento da separação para muitos dos que foram Seus discípulos (6:66). Sua partida provocou a pergunta de Jesus aos Doze quanto às intenções deles (v. 67). Pedro, como rocha, permaneceu firme. Sua confissão é semelhante à que foi registrada pelos Sinóticos em relação com o incidente em Cesareia de Filipe (Mt. 16:16), mas em harmonia com o discurso enfatiza que Jesus tem palavras da vida eterna (cons. Jo. 6:63). Outros só viam as palavras. Pedro viu que proporcionavam o gozo da vida eterna, ainda que não entendesse no momento o significado da cruz. Havia outro no grupo que não podia falar, porque era um diabo (diabolos). O significado não é que fosse um instrumento de Satanás quando Cristo o escolheu, mas que se tornara tal. Judas pertencia à multidão que partia, mas permaneceu. Ofendido porque Jesus recusou-se ser feito rei, conclusão à que chegamos quando estudamos a sua carreira mais de perto, um dia iria traí-lo, apesar de trair a confiança daqueles que confiaram nEle para conduzi-los à vitória messiânica.

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