Interpretação de João 4

João 4

Em João 4, Jesus e seus discípulos estão viajando por Samaria quando param em um poço em uma cidade samaritana chamada Sicar. Jesus, cansado e com sede, pede a uma mulher samaritana que vem tirar água para beber. Isto surpreende a mulher, já que judeus e samaritanos normalmente tinham pouca interação devido a tensões históricas.

Durante a conversa, Jesus revela seu conhecimento da vida pessoal da mulher, incluindo seus múltiplos casamentos. Ele fala sobre água viva, uma metáfora da vida eterna e da satisfação espiritual que ele oferece. A mulher fica intrigada e reconhece Jesus como profeta. Ela discute as diferenças nas práticas de adoração entre judeus e samaritanos, e Jesus explica que a verdadeira adoração ocorre em espírito e em verdade.

Eventualmente, Jesus revela sua identidade como o Messias para a mulher, e ela acredita nele. Ela volta para sua cidade e conta aos outros sobre Jesus, levando muitos samaritanos a virem e ouvi-lo por si mesmos. João 4 sublinha temas de sede espiritual, a universalidade do evangelho e o poder transformador do encontro com Jesus.

Interpretação

4:1-42 Samaria, um território que os judeus evitavam se possível, tornou se o cenário de um triunfo espiritual: um poço, uma mulher, um testemunho, a colheita dos samaritanos que creram. Tanto o samaritanismo quanto o judaísmo precisavam do corretivo de Cristo; precisavam ser substituídos pela vida do novo nascimento.

4:1-4 A crescente popularidade de Jesus, que excedia a de João, começou a alcançar os ouvidos dos fariseus. Para evitar problemas com eles nessa ocasião, Jesus determinou deixar a área e ir para a Galileia. Ali fez a maior parte de seu trabalho, de acordo com o registro dos Sinóticos. Era-lhe necessário atravessar a província de Samaria. Em João, essa palavra costuma apontar uma necessidade divina, e pode ser o caso aqui, indicando a necessidade de lidar com os samaritanos, abrindo-lhes as portas da vida. Além disso, há a necessidade mais evidente de alcançar a Galileia através de uma rota mais reta.

4:5, 6 Sicar (muito provavelmente Siquém) ficava algumas poucas milhas a sudeste da cidade de Samaria e bastante perto do Monte Gerizim, como também do terreno que Jacó deu a José (Gn. 48:22). Jacó lhe deixou também um poço por herança (Jo. 4:6). Diz-se que tinha cerca de 26 m de profundidade. Aqui, Jesus, cansado da viagem e por causa do calor do meio-dia (hora sexta), parou para descansar.

4:7-10. Uma mulher samaritana. Nenhuma referência à cidade de Samaria, que ficava muito distante, mas ao território dos samaritanos. Ela vinha equipada para tirar água. Considerando que a aldeia de Sicar tinha água, é possível que a caminhada solitária da mulher ao poço de Jacó indique uma espécie de ostracismo imposto pelas outras mulheres da comunidade (cons. 4:18). Jesus interrompeu o silêncio pedindo água para beber. Era um pedido natural à vista do seu cansaço. É um lembrete pungente da humanidade de nosso Senhor. Atendido ou não (a última alternativa parece a mais provável), o pedido introduziu a conversa. A partida dos discípulos foi providencial, pois a mulher não teria conversado com Jesus na presença deles. Duas coisas deixaram a mulher admirada: que Jesus fizesse tal pedido a uma mulher, pois os rabis evitavam qualquer contato com mulheres em público; e particularmente que ele falasse assim com alguém que era samaritano. Para explicar sua admiração, o escritor acrescenta a observação de que os judeus não se associavam aos samaritanos. Isto não pode ser aceito em sentido absoluto, pois foi refutado pelo versículo 8. Mostra a indisposição que havia entre os dois grupos de pessoas. Os judeus desprezavam os samaritanos porque eram um povo de sangue e religião misturados, apesar de possuírem o Pentateuco e professarem adorar o Deus de Israel. Um significado mais restrito foi proposto para as palavras da mulher “os judeus não usam os mesmos vasos que os samaritanos”. Isto se aplica bem à situação (D. Daube, The New Testament and Rabbinic Judaism, pág. 375-382). Respondendo, Jesus afastou-se de sua própria necessidade, sugerindo que a mulher tinha uma necessidade mais profunda, que alguém podia atender por meio do dom de Deus. Alguns o explicam em termos pessoais, referindo-se ao próprio Cristo (3:16), mas provavelmente seria melhor que o tornássemos equivalente à água viva. João 7:37-39 é o melhor comentário (cons. Ap. 21:6).

4:11, 12 Pensando no poço que estava diante dele, a mulher ficou perplexa. Jesus não tinha nenhum utensílio para tirar água e o poço era fundo. No fundo estava a água viva (corrente) alimentada por uma fonte. Este rabi estaria pretendendo evocar o que Jacó só conseguira com árduo trabalho? Ele realmente seria maior se o conseguisse.

4:13-15 A água do poço tinha de ser consumida ininterruptamente, mas a água que Cristo fornece satisfaz de modo que a pessoa nunca mais terá sede. É assim que a vida eterna refrigera. Pode-se estabelecer um paralelo com os repetidos sacrifícios da antiga aliança e o sacrifício do Cordeiro de Deus oferecido uma vez para sempre. Ainda não compreendendo, mas já receptiva, a mulher pediu essa água, para que a sua vida ficasse mais fácil (4:15).

4:16-18 Antes da mulher poder receber o dom da água viva, tinha de compreender o quão desesperadamente precisava dela. O dom era para a vida interior, a qual, no caso dela, estava realmente vazia. Teu marido... não tenho marido... cinco maridos... não é teu marido. A melancólica história de sua vida conjugal foi descoberta pelo poder de penetração de Jesus e por sua própria confissão. É provável que o divórcio entrou em pelo menos algum desses cinco relacionamentos que precederam o “status” final ilegítimo. Moralmente, a mulher estivera descendo há algum tempo.

4:19, 20 Para a mulher, Jesus era em primeiro lugar um judeu, depois alguém merecedor do título Senhor, e agora um profeta. Ele penetrara em sua alma. A referência à adoração no Monte Gerizim, instituída para competir com a dos judeus em Jerusalém, pode ter sido uma tática diversiva, mas é mais provável que fosse uma indicação da fome de um coração em conhecer o caminho para Deus.

4:21-24 A hora vem. Na nova ordem que Cristo veio inaugurar, o lugar da adoração subordina-se à Pessoa. O que importa é que os homens adorem o Pai, a quem o Filho veio declarar. Usando o pronome vós, Jesus talvez antecipasse a conversão dos samaritanos. A adoração dos samaritanos era coisa confusa (cons. II Reis 17:33). A salvação vem dos judeus, no sentido em que uma revelação especial lhes fora dada quanto à maneira certa de se aproximarem de Deus; e o próprio Jesus, como o Salvador, veio desse povo (Rm. 9:5). A hora, e já chegou. Mesmo antes da nova dispensação ser inaugurada em seu caráter universal, os verdadeiros adoradores têm o privilégio de adorarem Deus Pai em espírito e verdade. Espírito parece uma alusão a Jerusalém e sua adoração em termos da letra (Lei), enquanto que verdade faz contraste à adoração inadequada e falsa dos samaritanos. O novo tipo de adoração é imperativo porque Deus é Espírito (não um Espírito).

4:25, 26 A alusão que a mulher fez ao Messias foi provavelmente com base em Dt. 18:15-18, que era aceito como Escritura pelos samaritanos. Sendo o profeta por excelência, o Messias seria capaz de anunciar tudo. Essa melancólica projeção para o futuro foi desnecessária. Eu o sou, eu que falo contigo. Seria perigoso para Jesus anunciar-se desse modo entre judeus, onde as idéias sobre o messiado eram politicamente coloridas. Aqui, ao que parece, ele se julgava seguro. A semente estava plantada, e na hora exata, pois a conversa terminou com a chegada dos discípulos.

4:27-30 Os discípulos ficaram admirados ao ver que Jesus contrariava a convenção social falando com uma mulher (veja v. 9). Mas o respeito por seu mestre evitou que o interrogassem abertamente. Desimpedida do seu cântaro, a mulher retirou-se a toda pressa para a cidade, como prova do seu propósito de retornar, pois estava determinada a obter a água viva daquele momento em diante. Ela fez mais do que Jesus pediu, e não foi ter com um só homem, mas aos homens da cidade com a notícia de sua maravilhosa experiência. Ela não tinha a presunção de ensiná-los, mas colocou um pensamento em suas mentes, por meio de uma pergunta tentadora: Será que esse não é o Cristo? Os homens ficaram suficientemente impressionados para irem com ela ao poço.

4:31-38 Enquanto isso os discípulos insistiam com Jesus para que comesse, mas ele declinou dizendo que tinha um alimento que eles desconheciam. Este, ele explicou, era fazer a vontade de Deus (v. 34). Ele a fizera na ausência deles, e a fizera à luz da cruz, onde concluiria a obra que lhe fora confiada por Deus (cons. 17:4; 19:30). Seu ministério era tanto semear como colher. Quatro meses até à ceifa talvez fosse a espera normal no reino natural, mas levantando seus olhos os discípulos veriam terras que já branquejam (os samaritanos que se aproximavam), resultado de sua sementeira (4:35). No trabalho espiritual, o semeador e o ceifeiro costumam ser pessoas diferentes, que juntas se regozijam pelo que seus esforços combinados realizaram (vs. 36, 37). Aqui em Samaria e em muitas outras situações, os discípulos, embora não fossem os semeadores, seriam os colhedores. Outros talvez inclua Jesus e a mulher de Samaria. Num certo sentido até Moisés pode aqui ser incluído, sendo humanamente responsável por implantar a semente da expectação messiânica no coração da mulher.

4:39-42 Aqui somos informados do fruto que Cristo e a mulher puderam colher, como semeador e colhedor. Muitos creram no Senhor por causa do testemunho da mulher. Isso provocou um convite para que ficasse no meio deles, no que Cristo consentiu por dois dias. Durante esses dias, outros que teriam ouvido o testemunho da mulher e se inclinariam a crer em Jesus, tomaram-se crente em pleno desenvolvimento por causa do que receberam através da sua palavra, isto é, dos lábios de Jesus (v. 42). Salvador do mundo – uma grata confissão, uma vez que significava que tanto samaritanos como judeus poderiam ser salvos.

4:43-54 Este incidente é o único parágrafo do ministério narrado por João que relaciona com esta visita de Jesus à Galileia. O rapaz, doente em Cafarnaum, foi curado pela palavra de Jesus, quando este se encontrava em Caná, a milhas de distância.

4:43-45 O significado de sua própria terra tem sido discutido. Possivelmente a solução mais fácil é que o escritor esteja se referindo à Galileia como um todo. Uma falta de respeito era de se esperar ali, em contraste com a crescente popularidade que lhe foi concedida na Judéia (3:26; 4:1). O fato de que os galileus que estiveram em Jerusalém e viram os seus milagres ali estivessem prontos a aceitá-lo, não os colocava na classe de crentes permanentes e verdadeiros (cons. 2:23-25; 4:48). Finalmente, os galileus o desertariam (6:66). Enquanto estava em Caná, Jesus recebeu a visita de um oficial do rei (basilikos, indicando uma figura real, ou de alguém a serviço do rei). A esperança que o pai tinha de conseguir que Jesus curasse o seu filho parece que se baseava no contato com os galileus que viram os milagres de nosso Senhor em Jerusalém (4:47; cons. v. 45). Tendo viajado de Cafarnaum a Caná, o pai fez um pedido urgente e repetido (êrôta) para que Jesus descesse e curasse o rapaz. Jesus expressou o temor de q pai como muitos outros, estivesse tão preocupado com as notícias dos milagres realizados que não seria capaz de crer. Mais importante do que a saúde do rapaz era a fé do pai. A resposta do pai exala o desespero da necessidade (cons. Mc. 9:22-24). Jesus provou-se digno da fé e também simpático aos sentimentos do suplicante – Vai ... teu filho vive. Sua fé desenvolveu-se rapidamente, o homem creu na palavra de Cristo sem qualquer sinal visível, e seguiu o seu caminho satisfeito.

4:51-54 Os servos do nobre, vigiavam ansiosamente o filho do seu senhor na ausência deste, quando notaram a mudança drástica em suas condições e saíram ao encontro do pai com as boas novas. O próprio nobre, já tranquilo em sua fé, estava agora interessado em saber quando ocorrera a mudança. Quando comparou o tempo da ausência da febre com o momento de sua entrevista com Jesus, ficou sabendo que a cura não fora acidental. Creu ele. Sua fé foi confirmada pela experiência. Sua fé contaminou toda a sua casa (v. 53). No primeiro milagre em Caná, os discípulos creram. O segundo milagre realizado no mesmo local resultou em um círculo de fé mais largo.

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