Interpretação de João 19

João 19

Em João 19, Jesus é levado perante Pôncio Pilatos, o governador romano da Judéia, que o questiona, mas não encontra razão para condená-lo. No entanto, sob pressão da multidão, Pilatos finalmente concorda em crucificar Jesus. Jesus é ridicularizado e espancado, e uma coroa de espinhos é colocada em sua cabeça. Ele é levado ao Gólgota, onde é crucificado ao lado de dois criminosos.

Durante sua crucificação, Jesus pronunciou várias últimas palavras, incluindo a famosa “Está consumado”. Ele confia o cuidado de sua mãe, Maria, ao discípulo João. Jesus morre na cruz e um soldado perfura seu lado para confirmar sua morte.

José de Arimateia e Nicodemos, ambos seguidores secretos de Jesus, providenciam seu sepultamento em uma tumba próxima, cumprindo as profecias do Antigo Testamento. O capítulo enfatiza a crucificação e morte de Jesus, marcando um momento crucial na teologia e na história cristã, pois representa o sacrifício pelos pecados da humanidade.

Interpretação

19:1-3 O prisioneiro foi açoitado a mando de Pilatos. Esse foi o segundo expediente do governador, tendo falhado a primeira tentativa de garantir a libertação por causa da preferência a Barrabás. Pilatos pensou que os judeus ficariam satisfeitos se Jesus fosse humilhado sofrendo dessa maneira. O Senhor predisse este tratamento (Mt. 20:19). Veja também Is. 53:3. Uma coroa de espinhos. Foi zombaria da parte dos soldados, por causa da alegada realeza de Jesus. Há quem pense que esta coroa fosse feita das pontudas folhas da tamareira, relacionando-a assim com as palmeiras quando Jesus entrou em Jerusalém. Considerando que a palmeira era um símbolo das esperanças de independência dos judeus até os dias dos Macabeus, esta atitude dos soldados teria sido a rude resposta de Roma aos judeus como um todo. Do ponto de vista bíblico pode-se dizer que os espinhos expressam a maldição do pecado (Gn. 3:17, 18), que Cristo estava suportando pela raça humana. Um manto de púrpura. Muitas vezes associado à realeza. Assim vestido, Jesus tornou-se um objeto de divertimento e abuso dos soldados.

19:4, 5. Outra vez saiu Pilatos. Ele pretendia preparar o caminho para a apresentação de Jesus por meio de um pronunciamento grandioso. Eis que vo-lo apresento. Isto concordava com o espírito de zombaria dos soldados. Ele, o governador romano, apresentaria Aquele que se dizia ser um rei, mas que agora certamente não podia ser confundido com um rei. Eis o homem! Não sabemos o que Pilatos pretendia dizer com isso. Alguns veem na situação um desejo de despertar a piedade nos corações dos judeus. Mas o cenário dá mais a impressão de zombaria. Homem pode significar apenas “criatura miserável”. De qualquer maneira, as palavras de Pilatos, não acho nele crime algum, tem um estranho toque. Se o prisioneiro era inocente, por que foi chicoteado?

19:6 A resposta dos principais sacerdotes foi uma recusa ressoante a ser satisfeita com castigo doloroso e humilhante. Crucifica-o, crucifica-o. A resposta de Pilatos, Tomai-o vós, enfatiza o vós. Em outras palavras, “Se é preciso que haja alguma crucificação, vocês terão de fazê-la”. Pilatos estava fugindo de associar se ao desejo dos judeus, mas não estava seriamente dando permissão para condenarem Jesus à morte. Essa foi a terceira vez que o governador declarou-se incapaz de encontrar qualquer crime (aitia) em Jesus. A palavra foi usada no sentido legal com base na queixa apresentada.

19:7 Pilatos firmava-se na lei romana. Os judeus apresentaram algo mais em oposição. Temos uma lei. A ênfase recai sobre o nós. Nossa lei exige a morte do prisioneiro, porque a si mesmo se fez Filho de Deus. A passagem característica por trás da declaração é Lv. 24:16. Jesus foi acusado de blasfêmia durante o seu ministério (Jo. 5:18) e no final do mesmo (Mc. 14:62-64).

19:8 Mais atemorizado. O temor anterior de Pilatos foi devido à irritada persistência dos acusadores de Jesus, que não podiam ser contrariados. Talvez João esteja considerando que seus leitores já sabem a respeito do sonho da esposa de Pilatos (Mt. 27:19). O temor do governador era devido ao fato de que desconfiava estar lidando com alguém que, sob um certo aspecto, era sobrenatural – um filho dos deuses.

19:9 Pilatos começou a achar que este caso era mais complicado do que pensara a principio. Por isso introduziu o prisioneiro na sala das audiências para uma outra entrevista. Donde és tu? Tinha em vista origem e natureza, não residência. Não lhe deu resposta. A incapacidade espiritual de Pilatos (cons. 18:38) tornava inútil qualquer resposta.

19:10 O silêncio do prisioneiro perturbou o governador. Talvez pensasse que assegurando-lhe a sua autoridade e explicando que tinha o direito sobre a vida e a morte pudesse fazer Jesus falar.

19:11 O expediente só teve sucesso parcial. Jesus falou, mas apenas para lembrar a Pilatos suas limitações. Autoridade. Cristo devia estar declarando a verdade evidente do controle divino sobre o estado (Rm. 13:1 e segs.) mas a ênfase foi dada à situação imediata. Pilatos não podia fazer nada além de executar a vontade de Deus neste caso. Quem me entregou. Dificilmente a referência foi a Judas. Maior pecado, isto é, maior do que o pecado de Pilatos. “O pecado de Caifás foi maior porque a autoridade de Pilatos vinha de Deus; e era obrigação de Caifás saber e ensinar, além de fazer a vontade de Deus. Mas ele, o representante oficial de Israel, o Povo de Deus, recorrera a este pagão, que tinha certa autoridade concedida por Deus, para que fosse empregado o poder conferido por Deus para a execução da justiça a fim de que a injustiça fosse perpetrada” (William Temple, Readings in St. John's Gospel).

19:12 Como resultado dessa troca de palavras, Pilatos renovou seus esforços para soltar seu prisioneiro, levado pelo temor dessa pessoa estranha que estava diante dele e também pela convicção de que não era merecedor da morte. Os judeus, sentindo que o governador tomara nova resolução, usaram de argumento culminante. Não és amigo de César. O imperador reinante era Tibério, diante de quem Pilatos era responsável. Eis aí uma ameaça de levar o caso à corte imperial. César não daria pouca importância a uma situação na qual alguém era conhecido como rei sem o consentimento romano. Teria considerado o caso como traição e poderia até acusar Pilatos de falta de cumprimento do dever. Sem dúvida o governador temia que, se houvesse uma queixa quanto a sua maneira de lidar com o caso, outras irregularidades de sua administração viriam à luz.

19:13 Chegou a hora da decisão. Pilatos... sentou-se no tribunal. Tinha agora de dar o seu veredito. Devido às escavações de Pére Vincent, o Litostrotos (Lithostrôton) já foi quase identificado como sendo a grande área pavimentada que fazia parte do Castelo de Antônia, ao noroeste da área do templo. Gábata significa provavelmente “terreno elevado”.

19:14 Era a parasceve pascal. “A hora do duplo sacrifício aproximava-se. Era meio-dia. Os cordeiros pascais estavam sendo preparados para o sacrifício, e o Cordeiro de Deus também foi sentenciado à morte” (Hoskyns). Eis aqui o vosso Rei! O que fosse que levou Pilatos a fazer esta apresentação final (provavelmente uma zombaria dirigida aos judeus – tal rei, tal povo!), foi providencialmente usado para arrancar dos lábios dos judeus um repúdio completo de sua esperança messiânica – Não temos rei, senão o César. Se a linguagem humana significa algo, a própria soberania de Deus sobre a nação foi repudiada. Quem era culpado de blasfêmia agora?

19:16 O entregou. O verbo é o mesmo do versículo 11. Os judeus podiam agora ver sua vontade realizada. Jesus ia ser crucificado.

19:17 Carregando sua cruz. Todos os Sinóticos declaram que Simão Cireneu foi obrigado a levar a cruz. Só João declara que Jesus teve de carregá-la. A narrativa de Lucas dá lugar para os dois. Jesus começou, mas não aguentou carregá-la o caminho todo. Calvário. Provavelmente recebeu o nome por causa de sua aparência; portanto uma colina arredondada. O equivalente latino é Calvário (Lc. 23:33). Devia ficar fora da cidade (Hb. 13:12).

19:18. Jesus no meio. Seu lugar era de importância central, mesmo na morte.

19:19 Sua posição fica explicada pelo título afixado sobre a cabeça do crucificado. Mateus e Marcos usam a palavra aitia, que João emprega três vezes, na sua narrativa do julgamento, com o sentido de “acusação”. Pilatos não encontrou em Jesus aitia que autorizasse sua morte, mas agora fez o mundo saber que ali estava – o rei de Israel, como se envolvesse com isso a nação em provocação a Roma, merecendo assim esta áspera reprovação.

19:20-22 A própria publicidade dada ao título (em três línguas) como também a implicação por trás dele, enfureceu os judeus, de modo que os principais dos sacerdotes pediam que o título fosse mudado de fato para pretensão. Pilatos recusou-se a fazê-lo, demonstrando uma irredutibilidade agudamente contrastante com a sua fraqueza durante o julgamento.

19:23, 24 Quatro soldados participaram do crucificação (cons. Atos 12:4). Apossaram-se das roupas de Jesus por despojo, dividindo-as entre si. Sandálias, turbante, roupas externas (himation), e cinturão foram igualmente divididos, deixando a capa ou túnica (chitôn) que era mais valiosa, para ser disputada por meio de sortes. Josefo descreve a veste do sumo sacerdote em linguagem semelhante à que foi usada aqui (Antig. III, 161). Já se sugeriu que aos olhos de João, esta túnica sem costura simbolizava o poder unificante da morte de Cristo assegurando um só rebanho. Inconscientemente os soldados cumpriram as Escrituras por meio de suas atitudes (Sl. 22:18).

19:25-27 Três mulheres, todas chamadas Maria, tomaram lugar perto da cruz, cheias de tristeza contemplando aquele que lhes era tão querido. O texto grego, entretanto, é mais favorável à menção de quatro, a irmã da mãe (Salomé, mãe de João), notada mas não mencionada nominalmente. Se foi assim, essas quatro devem ter apresentado uma espécie de contraste com os soldados romanos. Solícito por sua mãe, Jesus entregou-a aos cuidados do “discípulo amado”. Seus irmãos não eram crentes nessa ocasião. A unidade da Igreja, que o Senhor estava criando, seria mais espiritual que natural (cons. Mt. 12:50). Tomou para casa. Se João tinha casa em Jerusalém, explica-se melhor seu relacionamento com o sumo sacerdote (18:16).

19:28 Tenho sede. A necessidade física do sofredor manifestava-se, única indicação externa que Ele permitiu escapar de seus lábios. Mesmo assim Ele declarou mais um fato que enunciou um pedido.

19:30 Vinagre. A bebida reanimou as forças de Jesus, capacitando-o a dizer (com voz forte, segundo os outros Evangelhos). Está consumado. A mesma palavra (tetelestai) já foi usada no versículo 28, traduzida para “terminadas”. A ênfase aqui não foi colocada sobre o final dos sofrimentos mas sobre a consumação da missão redentora. Rendeu o espírito (a Deus).

19:31 No sábado. Restou pouco tempo antes do pôr-do-sol e a chegada do outro dia. Fosse qual fosse o dia, a Lei exigia que as vítimas fossem retiradas da cruz no dia da morte (Dt. 21:22, 23). Ignorar essa Lei na Páscoa teria sido uma violação especialmente abominável do sábado. Quebrar as pernas apressava a morte.

19:33, 34 O soldado, descobrindo que a morte lhe roubara o prazer de quebrar as pernas de Jesus, enfiou-lhe a lança num dos lados. Sangue e água. É um acontecimento bastante crível no período imediatamente subsequente à morte.

19:33 João atribui importância singular a este incidente, pois solenemente dá registro do mesmo. A morte do Salvador foi um fluxo doador de vida: sangue para purificação do pecado e água para representação da vida nova no Espírito (cons. I Jo. 5:6-8).

19:36, 37 Esses aspectos da morte de Cristo também serviram para cumprir as Escrituras (Sl. 34: 20; Zac, 12:10).

19:38-40 Na hora da morte de Jesus dois discípulos secretos encontraram a coragem que não possuíram antes. José obteve permissão de Pilatos para retirar o corpo da cruz; então veio Nicodemos providenciar os lençóis e aromas a fim de preparar o corpo para o sepultamento. Para mais informações sobre José, veja Mc. 15:43.

19:41 O sepulcro pertencia a José (Mt. 27:60).

19:42 Os preparativos para o sepultamento foram apressados porque o dia estava a terminar. Felizmente, o lugar ficava perto do lugar da crucificação. Preparativos mais completos do corpo poderiam ser feitos depois do sábado.

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