Interpretação de João 18

João 18

Em João 18, Jesus é traído e preso no Jardim do Getsêmani. Judas Iscariotes, um de seus discípulos, conduz as autoridades até Jesus, onde é levado sob custódia. Pedro tenta defender Jesus cortando a orelha do servo do sumo sacerdote, Malco, mas Jesus o instrui a guardar a espada. Jesus é então levado perante o sumo sacerdote, Caifás, para interrogatório. Durante esse tempo, Pedro negou conhecer Jesus três vezes, exatamente como Jesus havia predito.

Este capítulo marca o início dos eventos que levaram à crucificação de Jesus e destaca temas de traição, negação e cumprimento do plano de Deus para a salvação.

Interpretação

A narrativa de João enfatiza a firmeza de Jesus e Sua prontidão em ser levado, tornando inútil a traição de Judas de um lado e a tentativa de Pedro exibir sua lealdade doutro lado. Aqui está incluída a narrativa da prisão e da transferência de Jesus para a casa do sumo sacerdote.

18:1 Depois da oração, Jesus levou seus discípulos para o outro lado do ribeiro de Cedrom. A palavra ribeiro indica uma corrente que mana no inverno. O destino era um jardim que ficava no lado oriental. Mateus e Marcos dão o nome de Getsêmani. João não diz nada sobre a agonia no jardim, embora mostre ter conhecimento da luta em oração que teve o jardim por cenário (cons. v. 11). Não sabemos porque omitiu este incidente. Talvez estivesse tentando destacar o elemento da confiança na atitude de Jesus, a qual já foi expressa na oração (17:4) e agora passa a ser demonstrada em sua paciência e atitudes.

18:2. Muitas vezes (Lc. 22:39). Talvez Jesus e Seu grupo costumasse passar a noite ali (Lc. 21:37). Por isso Judas sabia onde devia procurar o Senhor naquela noite.

18:3 Judas também entrou com um grupo no jardim mas que contraste! A escolta (gr. speira) indica um grupo de cerca de seiscentos homens, mas não quer dizer que estivessem todos presentes nesta ocasião. Estavam alojados no Castelo de Antônia, ao norte da área do templo (cons. Atos 21:31 e segs.) Ao que parece as autoridades judias tinham o direito de convocar esses soldados para ajudá-los em qualquer emergência que ameaçasse o interesse público. A cidade estava cheia de peregrinos que iam assistir a festa, muitos dos quais simpatizava com Jesus e poderiam causar problemas se estivessem por perto quando Ele fosse preso. Guardas. Era a guarda do templo que estava a serviço dos líderes judeus (cons. Atos 5:22). Levavam luzes para procurar sua presa e carregavam armas para derribar qualquer resistência que surgisse.

18:4. Sabendo... todas as cousas. Este é um forte traço joanino na apresentação de Cristo, e destaca-se especialmente em relação aos acontecimentos da Paixão (cons. 13:1, 3). Nada tomou nosso Senhor de surpresa. Adiantou-se. Cons. 18:1 e a muitas vezes repetida ênfase dada à saída do Filho, vindo do Pai para o mundo, mais relativa àquela ocasião, 16:28 por exemplo. A quem buscais? A pergunta serviu para pôr o grupo que se aproximava em defensiva momentânea, obrigando-o a declarar que seu único objetivo era Jesus. Isto tornou mais fácil pedir que os discípulos tivessem permissão de seguir o seu caminho.

18:5 Respondendo, Jesus, o Nazareno, a multidão indicou que não o reconhecia, por causa da obscuridade e a distância em que se encontravam. Sou eu. Literalmente, Eu sou. Esta afirmação pode indicar simples identificação, como em 9:9, ou pode também dar a entender o misterioso e majestoso nome do próprio Deus (8:58). Talvez ambos os elementos estivessem fundidos neste caso. E Judas... estava também com eles. Finalmente Ele se encontrava em seu próprio elemento, misturando-se com os inimigos de Jesus.

18:6 Aqui não há nada de milagroso. O comportamento de Jesus, mais o fato de que avançou na direção deles em vez de procurar fugir, deixou Seus capturadores nervosos. Lembre-se de que alguns desses homens não foram capazes de agarrá-lO anteriormente (7:45, 46). Sem dúvida a majestade de seu último pronunciamento teve algo a ver com Sua reação também.

18:7-9 Quando a multidão confessou novamente que o seu objetivo era Jesus de Nazaré, Ele pôde logo pedir que os discípulos tivessem permissão de partir. A segurança física deles nessa ocasião pode ser considerada como uma prova de que a sua preservação espiritual estava assegurada (cons. 6:39; 17:12).

18:10, 11 A atitude de Pedro em recorrer ao uso da espada é compreensível à vista de sua declaração de lealdade em Jo. 13:37. A posse da espada explica-se pelo conselho de Cristo em Lc. 22:35-38. A espada era um símbolo dos dias de luta que estavam à frente, mas não era destinada ao uso literal. Eis aí o porquê da repreensão de Jesus. O fato de João mencionar o nome do servo e especificar a orelha é uma indicação de que foi testemunha ocular. Malco não era um dos oficiais mas um escravo pessoal do sumo sacerdote.

18:12-14. Prenderam. Com o próprio Jesus pedindo que não resistissem o grupo de soldados, levados por seu capitão (comandante) e auxiliados pelos oficiais judeus, prenderam Jesus e o maniataram. Não queriam se arriscar a qualquer deslize em seus planos. Os sinóticos falam de Jesus aparecendo diante de Caifás, mas nada dizem sobre Anás neste caso. Primeiramente chama a atenção do leitor para o material que agora está sendo acrescentado à narrativa dos sinóticos. Embora Caifás o genro de Anás, fosse o sumo sacerdote naquela ocasião, o próprio Anás estava longe de se conservar inativo. Além de Caifás, Anás tinha diversos filhos que o sucederam neste cargo, dando a esta família um monopólio do sumo sacerdócio por mais de meio século. Lucas é o único escritor que menciona Anás (Lc. 3:2; Atos 4:6). Fontes judias deram ao regime de Anás o rótulo de corrupto. A opinião de Caifás sobre Jesus já fora dada ao Sinédrio (11:49, 50).

18:15 Incitado por sua declaração de lealdade ao Mestre, na presença dos discípulos, Pedro seguiu Jesus. Outro discípulo. Esta figura anônima pode ser o próprio João. Conhecido do sumo sacerdote. A palavra conhecido encontra-se outras vezes em Lc. 2:44; 23:49. Esta ligação que pode ser buscada, muito provavelmente, através de sua mãe e respectiva família, capacitou João de obter a admissão de Pedro no pátio interno.

18:17 A moça que trabalhava como porteira desafiou-o a se identificar, provavelmente deduzindo que Pedro tinha ligação com Jesus, pois sabia que João tinha, mas obteve uma negativa.

18:18 Agora Pedro deparou com os capturadores de Jesus, aquecendo-se diante de um fogo no pátio. João interrompe a história da negativa de Pedro a fim de contar o que estava acontecendo lá dentro onde Jesus estava sendo examinado.

18:19, 20 Então, o sumo sacerdote interrogou Jesus. Ao que parece é Anás. Não era um julgamento, pois o Sinédrio não fora convocado; antes era um interrogatório para se obter evidências a serem apresentadas a este organismo quando se reunisse horas depois. O interrogatório tocou nos discípulos e doutrina de Jesus. Não se sabe se Anás tinha em mente processar os discípulos. É mais provável que estivesse esperando obter uma confissão de que esses homens estavam sendo preparados para uma atividade revolucionária. Jesus ignorou a pergunta. No que dizia respeito aos Seus ensinamentos, negou ter dado instruções secretas que pudessem ser interpretadas como conspiração contra as autoridades. Ele ensinara francamente, em lugares públicos tais como as sinagogas e o templo. Seus ensinamentos não eram subversivos.

18:21 Por que me interrogas? Jesus deu a entender que o processo era ilegal. Não havia testemunhas. Ele estava sendo levado a implicar-se com o Seu testemunho.

18:22 Um dos guardas que estavam ali (outros ficaram no pátio) achou que a resposta era imprudente e esbofeteou Jesus para torná-lo mais dócil em sua atitude para com o sumo sacerdote.

18:23, 24 Quando Cristo apontou a injustiça envolvida, nem o criado nem Anás puderam justificar tal atitude. Não havia nada a fazer além de enviar o prisioneiro a Caifás.

18:25-27 A narrativa retorna a Pedro. Enquanto Cristo estava negando as insinuações apontadas contra Ele – e o fazia com justiça, Pedro negava o seu Senhor, pecando. As duas perguntas feitas a Pedro foram bastante diferentes. A primeira foi insinuante, como se esperassem que negasse o seu relacionamento com Jesus; enquanto que a segunda levou o a se definir, a própria pergunta implicando em sua culpa. Foi reconhecido como aquele que empunhara a espada no jardim. O cantar do galo lembrou Pedro da predição do Senhor (13:38) e provou-lhe o seu pecado. “Cantar do galo “ era o nome que se dava à terceira das quatro vigílias nas quais a noite era dividida.

18:28 Nada se diz a respeito do que aconteceu na casa de Caifás. Presume-se que os leitores estejam familiarizados com a tradição sinótica das deliberações tomadas no meio da noite e da sentença formal decretada pelo concilio de manhã cedo. O pretório (gr. praitôrion, uma tradução do latim, praetorium, o quartel-general do governador). Veja a discussão em 19:13. Poderem comer a páscoa. Os líderes judeus, para ficarem cerimonialmente limpos, não podiam entrar nos alojamentos dos pagãos. Estavam mais preocupados com a purificação ritual do que no cumprimento da justiça. Estavam sedentos de sangue.

18:29, 30 O Sinédrio não preparou uma acusação formal contra Jesus para apresentar a Pilatos. Esperavam que o governador aceitasse a sua palavra sem discutir a acusação de que este homem era um malfeitor. A resposta foi petulante. Os judeus não gostavam de Pilatos. A nós não nos é licito matar ninguém. Tudo o que os judeus queriam era um veredito de morte, que a autoridade do governador encobrisse suas próprias decisões contra Jesus. A perda do direito de infligir a pena de morte fazia os judeus tomarem consciência de que eram um povo subjugado. Havia exceções, como no caso de uma pessoa, mesmo um romano, que traspassava a barreira que separa o Pátio dos Gentios da parte interior da área do templo. A morte de Estêvão parece contradizer a declaração de João, mas deve ter se baseado no conhecimento que os judeus tinham de que o governador não interferiria no caso.

18:32 Jesus predisse que morreria por crucificação, um método romano de castigo, enquanto que os judeus usavam pedras (cons. Mt. 20:19).

18:33 Então Pilatos tomou o caso em suas próprias mãos, interrogando Jesus no Pretório. Parece que João supõe que seus leitores conhecem as narrativas dos Sinóticos, as quais incluem uma acusação dos judeus contra Jesus dizendo que Ele se declarara o rei da nação. Pilatos foi obrigado a examinar esse assunto com base em possível intentona revolucionária. És tu o Rei dos judeus? O pronome tu é enfático, como se Pilatos estivesse surpreso que a aparência e atitude de Jesus tão pouco se adaptasse às pretensões de um rei. O prisioneiro parecia inofensivo.

18:34 Antes de responder a pergunta, Jesus precisava saber se ela vinha do próprio Pilatos na qualidade de um oficial romano ou se fora simplesmente passada adiante como um boato. Talvez o sumo sacerdote tivesse discutido o caso com Pilatos quando este solicitou os soldados romanos para ajudá-lo a prender Jesus.

18:35 Pilatos, não querendo ser apanhando numa confissão de que tinha algo a ver com a situação, jogou a responsabilidade sobre os judeus. A tua própria gente. Dificilmente Pilatos poderia ter sentido o fato sugerido por suas palavras (cons. 1:11).

18:36 O meu reino não é deste mundo. “Ele não disse que este mundo não está na esfera de Sua autoridade, mas que a Sua autoridade não tem origem humana” (Hoskyns). Ele não era uma ameaça à autoridade romana. No Seu reino não havia lugar para o uso da força.

18:37 Pilatos ficou perplexo. Aí estava um homem que tinha falado no seu reino três vezes em rápida sucessão, mas não tinha nenhum sinal externo de realeza. Logo tu és rei? Pilatos dificilmente creria que alguém pudesse tomar por rei a figura que estava diante dele. Tu dizes que sou rei. Jesus hesitava em afirmar que era rei, para que Pilatos não entendesse mal a natureza do seu reino, o qual Ele agora explicou em termos de verdade. Cristo viera para testemunhar dele. Ouve a minha voz (cons. 10:3, 16).

18:38 Pilatos viu que Jesus não se interessava em política ou negócios de estado e estava longe de ter um espírito belicoso, por isso encerrou a entrevista, comentando um tanto desdenhoso, ao que parece, Que é a verdade? Ele não era filósofo nem um homem religioso, mas um homem de ação. Satisfeito em ver que o prisioneiro não apresentava perigo a Roma, informou disso os judeus que esperavam do lado de fora. Não acho nele crime algum. Ele não se referia à ausência de pecado, mas à inocência diante das coisas pelas quais os judeus o acusavam.

18:39 Sentindo a tenacidade dos líderes em seu desejo de obter uma condenação, Pilatos pensou ter achado um meio de contornar a situação e preservar a justiça soltando o prisioneiro. Era costume por ocasião da Páscoa o governador agradar a multidão soltando um prisioneiro escolhido por eles. Pilatos pensava que, sendo Jesus muito popular, o povo, que já se ajuntara a esta altura para o seu pedido anual, pediria a sua libertação.

18:40 Novamente João pressupõe um conhecimento da narrativa dos Sinóticos, referindo-se a Barrabás. Salteador. Bandido (cons. At. 3:14).

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