Estudo do Livro de Juízes

Estudo do Livro de Juízes

Estudo do Livro de Juízes 



Esboço
I. Caracterização Geral
II. Pano de Fundo Histórico
III. Arqueologia
IV. Propósito e Plano do Livro
V. Autoria e Data
VI. Integridade e Unidade
VII. Os Juízes de Israel
VIII. Conteúdo
IX. Principais Ideias Teológicas
X. Bibliografia

I. Caracterização Geral

O título “juízes” é conferido às 15 pessoas que presidiram os israelitas durante um período de 350 anos (ou pouco menos), entre o falecimento de Josué e a subida de Saul ao trono, como primeiro rei de Israel. Há estudiosos que pensam que esse período consistiu em apenas 200 anos. As diferenças nos cálculos devem-se quase totalmente à possibilidade de justaposição entre os períodos em que os juízes governaram Israel. Esses períodos têm deixado perplexos os cronologistas. Juízes é o sétimo livro do Antigo Testamento. Israel havia escapado da servidão no Egito e conquistado, com sucesso, a Terra Prometida, mas muitos adversários permaneceram instalados em derredor, e gostariam de expelir os israelitas dali. Assim, Israel esteve em turbulência constante, e sob ameaça de extinção. Os juízes, pois, foram, entre outras coisas, libertadores de várias opressões estrangeiras. O livro de Juízes foi incluído entre os Profetas Anteriores, no cânon hebraico. Esse livro narra um período crítico da história de Israel.

O livro de Juízes consiste em três blocos bem definidos de materiais: a. um breve repasse da ocupação de Canaã pelos israelitas (Juí. 1.1—2.5); b. a história dos juízes (2.6—16.31); c. e, finalmente, um apêndice que fala sobre a migração dos danitas e o conflito interno contra os benjamitas (Juí. 17—21). Este livro está envolvido na controvérsia sobre a teoria J.E.D.P.(S.) (ver o artigo com esse título no Dicionário), que trata da questão das supostas fontes informativas dos primeiros livros da Bíblia. Aqueles que advogam essa teoria supõem que o bloco principal do livro (Juí. 2.6—16.31) tenha procedido da escola deuteronômica de historiadores, que teriam tido acesso a informes históricos mais antigos, relacionados a um período muito antigo, e que seriam as fontes informativas J e E. Presumivelmente, os relatos sobre os juízes teriam sido preservados em uma espécie de arcabouço estereotipado. Esse material informativo teria sido manipulado e incluído no relato geral do livro. Em cada um dos casos, temos a história de alguma opressão estrangeira, o clamor dos israelitas a Yahweh pedindo livramento e, então, o próprio livramento. Os autores envolvidos encaram a história de Israel como uma série ou ciclos de apostasias e livramento, devido ao julgamento divino contra a transgressão, seguido pelo arrependimento do povo e sua restauração ao favor divino.

Os eruditos que defendem a teoria J.E.D.P.(S) supõem que a introdução do livro de Juízes (1.1—2.5) tenha sido adicionada poste-riormente, derivada de material informativo mais antigo, paralelo de certos trechos do livro de Josué, especialmente em seus capítulos 15 a 17. Presumivelmente, o apêndice do livro de Juízes também estaria alicerçado sobre tal material. Além disso, eles crêem que o relato sobre Abimeleque (Juí. 9) e sobre certos juízes menores (Juí. 10.1-5; 12.8-15), que seriam não-deuteronômicos, foram uma adição posterior. Uma porção especial do livro seria o cântico de Débora (cap. 5). Essa e uma obra-prima da poesia hebreia primitiva, que mostra consideráveis habilidades literárias.

Os juízes foram líderes militares e religiosos, usualmente em defesa de tribos (uma ou duas), e nunca da nação inteira. Pois, até então, não havia nenhum governo centralizador em Israel. O livro está permeado pela crença, comum aos livros históricos do Antigo Testamento, de que Israel prosperava quando obedecia à lei de Deus, mas caía em desgraça, decadência e destruição quando não obedecia a essa lei. Muitos historiadores consideram simplista esse ponto de vista teológico da história. Seja como for, esse é um conceito fundamental que persiste tanto nos livros canônicos do Antigo Testamento quanto em seus livros apócrifos.

Muitos estudiosos supõem que o livro de Josué dê um relato muito otimista a respeito da conquista da Terra Prometida, sugerindo uma completa conquista daquele território. Na verdade, porém, foram feitos muitos inimigos ferozes, que nunca perderam certos territórios, como também até tentaram apossar-se novamente dos territórios que haviam perdido. O primeiro capítulo do livro de Juízes deixa claro que a conquista militar, por parte de Israel, teve sucesso apenas parcial. Talvez os relatos de como Israel se defendeu dos ataques posteriores desses vários inimigos, antes de se tornar um reino unido sob Saul, tenham sido preservados como tradições das tribos envolvidas nos conflitos. O livro de Juízes, nesse caso, reuniria as histórias de como certos heróis locais derrotamm os vários adversários, tendo de enfrentar grandes dificuldades. Historicamente, é muito difícil determinar até que ponto Israel se sentia como uma única nação, e não um grupo de tribos frouxamente relacionadas, antes que houvesse um governo centralizador representado pelo rei.

O livro de Juízes reveste-se de capital importância para entendermos esse período de transição, dentro da história de Israel. O comentário dos editores finais do livro de Juízes, acerca dos frouxos laços que unificavam o povo de Israel, com suas doze tribos, é o seguinte: “Naqueles dias não havia rei em Israel: cada um fazia o que achava mais reto” (Juí. 21.25). Não tivessem surgido aqueles heróis locais, que se levantaram para defender o que a conquista da Terra Prometida havia ganho, e Israel, como nação, bem poderia ter desaparecido durante aquele período. Para piorar ainda mais a situação, as tribos de Israel com frequência entraram em conflito interno, umas contras as outras. O livro de Juízes é a história da sobrevivência de um pequeno e ameaçado povo, que gradualmente se solidificou para formar uma nação que deixou uma marca perpétua na história da humanidade.



II. Pano de Fundo Histórico

a.    Os patriarcas hebreus estiveram jornadeando na terra de Canaã, durante a Idade do Bronze Média (2100-1550 A.C.). Abraão chegou em Siquém e Betei (ver Gên. 12) em cerca de 2000 A. C. Desse tempo em diante, os genitores da nação de Israel viveram na Palestina.

b.    Em seguida, ocorreu o incidente no qual José foi vendido como escravo e levado para o Egito. Ele chegou ao segundo posto de autoridade naquele país em cerca de 1991-1786 A.C., durante a 12a dinastia egípcia. Porém, esse ponto é intensamente disputado; e alguns preferem pensar que seu governo foi exercido durante o tempo dos intrusos semitas, os reis hicsos. Nesse caso, seu período foi cerca de 1750 A.C., ou mesmo depois. O rei que não conhecera a Josué pode ter sido o primeiro dos reis hicsos (ver Êxo. 1.8), ou então o monarca egípcio que pôs fim ao domínio dos hicsos. Quanto a maiores informações sobre essas conjecturas, ver no Dicionário o artigo sobre o patriarca José, quarta seção, Cronologia. Se a data posterior para a vida de José é a correta, então ele deve ter falecido em cerca de 1570 A.C.

c. O Cativeiro Egípcio. Os descendentes de Jacó acabaram sendo escravizados no Egito, como minoria ameaçadora, porquanto José se tornara nessa época um fator desconhecido. O cativeiro no Egito pode ter durado entre 200 e 300 anos.

d. O Êxodo. A data desse evento é muito debatida. Alguns pensam que ocorreu em cerca de 1445 A.C., ou seja, perto de 500 anos antes de Salomão haver construído o templo de Jerusalém. Mas outros estudiosos opinam que o êxodo aconteceu na 19a dinastia egípcia (1350-1200 A.C.). Seja como for, Moisés foi levantado como profeta do Senhor no fim do grande cativeiro egípcio de Israel.

e. Vieram, então, os quarenta anos de vagueação pelo deserto, que atuaram como um período de resfriamento e preparação para a invasão da antiga terra dos patriarcas hebreus, a Palestina. Seja como for, foi uma espécie de retorno genético e uma renovação da antiga confiança própria dos hebreus. Parece que as doze tribos de Israel eram formadas por unidades distintas umas das outras, mesmo quando estavam no Egito. Sem dúvida, isso foi confirmado quando a invasão da Terra Prometida se iniciou. Josué e seus exércitos encontraram o país dividido em muitas cidades-estados do regime tipo feudal, sempre guerreando umas contras as outras, embora também sempre dispostas a aliar-se para expelir qualquer invasor de fora. As cartas de Tell el-Amarna (ver a respeito no Dicionário) contam aspectos da história e fornecem pormenores que concordam com o relato do livro de Josué.

f. Josué é livro que relata como o povo de Israel invadiu a terra de Canaã. Israel conquistou essencialmente o território, embora tivessem ficado bolsões por conquistar. Certos estudiosos pensam que o relato do livro de Josué é excessivamente otimista. O primeiro capítulo do livro de Juízes deixa claro que parte do território ficou sem ser conquistada. Seja como for, muitos nativos da terra continuaram vivendo ali sem serem molestados. Apesar dessa falha, o território foi dividido entre as doze tribos de Israel. Os eruditos disputam se a terra foi conquistada em uma única e prolongada campanha, ou se aconteceu em ondas sucessivas. O livro de Josué, de fato, pode fornecer-nos a condensação da questão, uma espécie de esboço histórico, e não uma narrativa contínua do que sucedeu. De qualquer modo, podemos confiar na historicidade geral do livro, não nos preocupando com detalhes dessa natureza.

g. Juízes. Este livro relata o período que vai da morte de Josué até a unção de Saul como primeiro rei de Israel. Se esse período dos juízes durou 350 anos, conforme alguns dizem, então deve ter começado em cerca de 1350 ou 1375 A.C. Alguns limitam esse período em apenas 200 anos; e, nesse caso, começou em cerca de 1225 ou 1250 A.C. Ver a primeira seção deste artigo, Caracterização Geral, quanto a uma declaração sobre a natureza desse período.

III. Arqueologia

A ocupação da Terra Prometida por parte de Israel foi obtida em um período relativamente curto e também foi uma conquista contínua. As explorações arqueológicas não mostram nenhuma interrupção no processo da conquista. As evidências colhidas nessas escavações indicam que os israelitas não eram nômades, que já haviam desenvolvido uma sociedade permanente e bem estruturada, ainda que, no período coberto pelos livros de Josué e de Juízes, eles não formassem uma nação estreitamente solidificada. Todavia, não eram bons arquitetos e construtores. As culturas que eles destruíram eram bem superiores no tocante à arquitetura e às artes. A invasão israelita baixou-lhes o nível de vida e acabou com muitas atividades artísticas. No entanto, os hebreus eram superiores em relação às nações religiosas, como também no registro dos fatos históricos e na produção literária. A arqueologia também tem ilustrado o fato de uma contínua ocupação cananeia, sobretudo das terras baixas (em Megido e Bete-Seã). Os cananeus contavam com exércitos mais bem preparados que os hebreus, incluindo carros de combate. Os israelitas, pois, muito aprenderam deles quanto a esses armamentos. Os trechos de Jos. 11.13; 13.1 ss.; 17.16 e Juí 1.19,27 admitem que muitas áreas da terra de Canaã não foram ocupadas, porquanto os adversários dos israelitas eram simplesmente mais fortes que eles e estavam muito bem entrincheirados em suas fortalezas locais.

A falta de água restringia os cananeus a certas áreas da Palestina. As descobertas arqueológicas mostram que Israel trouxe do Egito ou então, desenvolveu grandemente o conceito de armazenar água potável em cisternas (ver a respeito no Dicionário). Era usada a forração das paredes das cisternas, tornando-se estanques. Essa invenção possibilitou a ocupação dos israelitas em áreas que, antes disso, haviam sido ocupadas muito esparsamente.

A ausência de santuários antigos, nos lugares ocupados pelos israelitas, é conspícua, segundo as descobertas arqueológicas. Mas isso talvez se deva à falta de durabilidade dos materiais usados ou, então, à proibição divina acerca da construção de santuários. Ver Êxo. 20.24-26; Deu. 12.1-7.

Artefatos pagãos, entretanto, têm sido encontrados pelos arqueólogos com relativa abundância. Figurinhas de argila, representando mulheres despidas, têm sido encontradas em conexão com as deusas cananeias da fertilidade. Talvez essas figurinhas fossem amuletos de boa sorte, pelo que serviriam a um duplo propósito. Nunca foram encontradas figurinhas representando homens despidos.

Megido e Taanaque. As evidências arqueológicas mostram que essas cidades não foram ocupadas ao mesmo tempo. Ficavam cerca de 8 km de distância uma da outra. Quando Débora e Baraque obtiveram a vitória na batalha de Taanaque, Megido já jazia em ruínas. Juí 5.19 talvez reflita isso, porque Megido não é mencionada como uma localidade habitada então.

Pequenos reinos da Transjordânia continuaram a fustigar os israelitas, especialmente Moabe e Amom. A arqueologia tem mostrado que esses lugares eram bem habitados. Além disso, a ocupação do Neguebe (em sua porção mais ocidental) tem sido confirmada e ilustrada por várias descobertas. Outro tanto se pode dizer quanto à Sefelá (ver a respeito no Dicionário). Figuras representando divindades e peças de cerâmica têm sido ali encontradas, fornecendo diversas informações. Uma das divindades filisteias era Dagan, uma antiga deidade dos amorreus.

Silo. O culto ali existente foi destruído. Esse fato não é mencionado no livro de Juízes, mas a tradição israelita o confirma em Sal. 78.60; Jer. 7.12 e 26.6. O local foi destruído mediante um incêndio, conforme demonstram as evidências, em cerca de 1050 A.C. Sem dúvida, isso resultou da derrota sofrida por Israel, em Afeque (ver I Sam. 4). Nessa mesma época, os filisteus destruíram outras cidades israelitas, o que demonstra como o poder dos filisteus permanecia, apesar de todos os esforços das tropas israelitas. Ver no Dicionário o artigo separado sobre Silo.

IV.  Propósito e Plano do Livro

O autor sagrado, como é óbvio, tinha um plano bem definido ao escrever o livro. Juí. 2.11-23 demonstra isso. Nessa passagem o autor explicita os pontos principais de sua narrativa, segundo se vê a seguir:

1. No primeiro capítulo do livro, ele diz até que ponto progredira a guerra contra os cananeus; quais tribos de Israel tinham obtido êxito e quais haviam falhado, não conseguindo dominar regiões alocados; e também como se conseguiu impor tributo a alguns filisteus. O trecho de Juí. 2.1-10 dá-nos algumas informações nesse sentido.

2. Em seguida, ele afirma a tese de sua teologia histórica, a saber, que o povo de Israel ia bem quando obedecia a Yahweh, mas ia mal quando não obedecia. A apostasia aparece como o principal impedimento ao pleno sucesso de Israel: “Porquanto deixaram o Senhor, e serviram a Baal e a Astarote” (Juí. 2.13). O castigo era imposto, portanto, aos desobedientes: “Por onde quer que saíam, a mão do Senhor era contra eles para seu mal, como o Senhor lhes havia dito e jurado; e estavam em grande aperto” (Juí. 2.15). Mas, quando se arrependiam, novamente as coisas lhes corriam bem (ver Juí. 2.16,23). Presume-se que o desígnio do autor sagrado não era fornecer uma narrativa definitiva sobre o período dos juízes, e, sim, prover uma esboço que ilustrasse a sua tese. Ele não queria apenas ser um cronista, mas desejava explicar por que houve um declínio moral, religioso e político em Israel; e por que finalmente impôs-se o surgimento da monarquia. E ele conclui com a melancólica observação de que, durante aquele período, predominava o caos, pois cada um fazia o que lhe parecia melhor, não havendo um governo central que unificasse as coisas. Ver Juí. 21.25.

V. Autoria e Data

Os eruditos liberais pensam ser inútil tentar descobrir um único autor do livro de Juízes, visto que a principal fonte informativa do livro, segundo eles crêem, é D (a escola deuteronômica), e também há contribuições das fontes informativas J e £ Ver no Dicionário o artigo chamado J.E.D.P. (S) para detalhes. Todavia, o livro não inclui nenhuma menção a seu(s) autor(es), pelo que é uma obra anónima. Segundo alguns teóricos, D teria sido uma escola formada por editores ou historiadores que viveram no século seguinte ao da publicação do livro de Deuteronômio, que, segundo eles, teria sido lançado em 621 A.C. Esses homens teriam empregado o mesmo vocabulário e o mesmo estilo usado naquele livro. Presumivelmente, também foram os responsáveis pelas edições dos livros de Josué, I e II Reis, e Jeremias, além do livro de Juízes e possivelmente porções de outros livros. Naturalmente, os eruditos conservadores consideram que essa data é tardia demais. No entanto, o próprio livro não nos fornece nenhuma declaração direta quanto ao tempo em que foi escrito, embora haja alusões que nos ajudam no tocante à questão, embora apenas parcialmente. O cântico de Débora (Juí. 5.2-31) afirma ser uma composição contemporânea. Isso deve ter ocorrido em cerca de 1215 A.C. Mas o livro como um todo não pode ter sido compilado senão aproximadamente dois séculos depois, pois refere-se à captura e destruição de Silo (ver Juí. 18.30,31), que ocorreu durante a juventude de Samuel (I Sam. 4), por volta de 1080 A.C. O último evento registrado no livro de Juízes é a morte de Sansão (ver Juí. 16.30,31), que se deu poucos anos antes da instituição de Samuel como juiz, ou seja, em cerca de 1063 A.C. E a alusão ao fato de que não havia rei em Israel deixa claramente inferido que a monarquia, então, já havia começado, visto que o autor sagrado parece estar comparando um tempo em que não havia rei, com o tempo então presente, em que havia sido instaurada a monarquia. Não parece que o autor sagrado estivesse predizendo sobre a monarquia. Ver Juí. 17.6; 18.1 e 26.25.

Saul tornou-se rei em cerca de 1043 A.C., pelo que a compilação do livro de Juízes deve ter sido depois disso, embora tenham sido incorporados materiais ma's antigos, orais e escritos, O livro parece ter sido composto antes que Davi capturasse Jerusalém, o que sucedeu em 1003 A.C. (II Sam. 5.6,7), porquanto não há nenhum indício, no livro, de que Israel tenha conquistado aquela cidade. Por todos esses motivos, muitos estudiosos supõem que o autor sagrado tenha escrito durante os anos de reinado de Saul, chegando mesmo a asseverar que Samuel foi o mais provável autor do livro. Naturalmente, ao assim precisarem, já estão conjecturando. Não há como negar ou confirmar essa conjectura, contudo, pois o próprio livro nada diz quanto à identidade do autor. E verdade que o Talmude (Baba Bathra 14b) assim afirma, mas não há nenhuma comprovação histórica de tal afirmação. A mesma tradição afirma que Samuel também escreveu o livro de Rute e os livros que levam o seu nome; informação que também não se submete a prova ou negação.

Juí. 1.21 declara que os jebuseus residiam em Jerusalém lado a lado com cs filhos de Benjamim, até o dia em que o material sobre essa informação foi escrito, ou seja, antes da época de Davi. Todavia, é possível que isso inclua material mais antigo, deixado intacto por um compilador posterior (de depois dos tempos de Davi). Mas, se aceitarmos essa informação como dada pelo autor-compilador do livro de Juízes, torna-se plausível pensarmos em uma data que coincida com os dias de Saul, antes da época de Davi. Se o autor falava do ponto de vista da época de Saul, então é patente que sua obra consiste, na maior parte, em compilações, pois ele registrou coisas que haviam acontecido muito tempo antes. Isto posto, ele pode ter tido acesso a tradições antigas, de natureza oral e escrita, as quais podem ter sido preservadas por certas tribos de Israel, cujos heróis (juízes) eram decantados e cujas narrativas merecem ser preservadas.

VI. Integridade e Unidade

O ponto de vista dos liberais envolve-nos na teoria J.E.D.P.(S) (ver a respeito no Dicionário), conforme dito na primeira seção, Caracterização Gerai. Ali dou um esboço das ideias concernentes aos vários materiais que um editor-autor teria reunido para formar o livro de Juízes. Os eruditos conservadores, apesar de defenderem a ideia de um único autor essencial (ou seja, a unidade do livro), admitem que ele deve ter sido mais um compilador do que um autor, conforme comentamos no último parágrafo da seção V, anteriormente. A unidade de propósito do livro é salientada como prova de que houve um único autor, embora não se veja razão pela qual um editor não possa ter reunido e dado unidade ao trabalho de vários autores. Infelizmente, questões dessa natureza têm-se tornado desnessariamente o centro de debates e querelas, embora se revistam de pouca importância comparativa, exceto pelo fato de que é bom que saibamos o máximo possível a respeito dos livros da Bíblia. Pelo menos, nesses debates, nenhuma questão de fé é envolvida, e também não deveriam tais questões tornar-se padrão de julgamento sobre a espiritualidade de quem quer que seja.

Os eruditos têm salientado que o livro de Juízes divide-se em três partes naturais: 1. A natureza incompleta da conquista da Terra Prometida, com descrições sobre como cada tribo se saiu na empreitada. 2. Os repetitivos ciclos de apostasia, perda de liberdade e restauração das tribos de Israel. 3. Um quadro de desorganização no qual Israel caiu antes do estabelecimento da monarquia, uma espécie de idade das trevas de Israel. Alguns estudiosos pensam que um único autor foi o responsável por essas três seções do livro. Outros vêem a terceira dessas seções com a primeira seção. Porém, o que tenho lido a respeito mostra-se muito vago a respeito; e os eruditos conservadores não se sentem impressionados diante desses argumentos. Alguns dizem que os capítulos 9, 16 e 17-21 são destituidos de conteúdo religioso, pelo que não refletiriam um único e constante propósito do autor-editor, que sempre quis lembrar-nos de que Israel passou bem quando seguiu a retidão, mas deu-se mal quando se desviou do Senhor. Esses capítulos, pois, para esses intérpretes, seriam adições posteriores. Alguns deles vêem dois trabalhos editoriais distintos, o primeiro no século VII A.C., que teria envolvidos os capítulos 9, 16 e 17-21; e, então uma segunda edição, presumivelmente no século VI A.C., quando os capítulos que haviam sido omitidos na primeira edição foram desenvolvidos ao livro. Desse modo, os citados capítulos teriam escapado aos comentários editoriais que caracterizam o restante do livro. Supostamente, a forma final do livro teve de esperar pelos primeiros anos do cativeiro babilónico. No entanto, as evidências acerca de todas essas conjecturas são apenas subjetivas, faltando-lhes consubstanciação histórica.

VII. Os Juízes de Israel

O livro de Juízes lista catorze juízes diferentes. Os nomes deles e as referências bíblicas atinentes a cada um aparecem na seção VIII, Conteúdo. A essa lista devem-se adicionar os nomes de Eli e Samuel. Débora deve ser contada juntamente com Baraque, em Juí. 4.1 - 5.31. E Gideão e Abimeleque também devem ser associados um ao outro, formando um único juizado. Isso nos daria doze períodos de juizado no livro de Juízes. Mas, se contarmos os juízes individualmente, então acharemos catorze deles. Alguns estudiosos pensam que Abimeleque foi um usurpador, pelo que não deveria ser contado como um dos juízes.

Os nomes dos juízes representam heróis locais que se tornaram lendários na história das tribos de Israel. Os governos deles poderiam ter coberto um período de nada menos de 400 anos. Os eruditos liberais crêem que muitas lendas, ou mesmo mitos, penetraram nessas narrativas, tal como sucede em várias outras obras literárias do mundo, quando se trata de glorificar heróis nacionais. De fato, certos eruditos acreditam que Sansão representa o deus sol, e Débora, Samuel e ainda outros seriam tipos tradicionais de líderes semi-religiosos, semitribais, que talvez tenham mesmo existido, mas cujos relatos chegaram até nós de mistura com muitas lendas. Contra essa opinião pode-se salientar que uma das grandes características do povo de Israel sempre foi a sensibilidade diante da história. Acima de qualquer outro povo, os israelitas sempre trataram a história como uma questão séria, incluindo suas genealogias e seus registros históricos. Por essa razão, apesar de admitirmos que o livro de Juizes pode representar um esboço da história, ainda assim não há razão para duvidarmos da veracidade desse esboço histórico. No Dicionário, há artigos separados sobre cada um dos juízes de Israel.

VIII.    Conteúdo

A.    O Período Antes dos Juízes (1.1—2.5)
1.    Condições sociais e políticas (1.1-36)
2.    Condições religiosas (2.1-5)
B.    Descrições de Juízes Específicos (3.7—16.31)
1.    Otniel (3.7-11)
2.    Eúde (3.12-30)
3.    Sangar (3.31)
4.    Débora e Baraque (4.1—5.30)
5.    Gideão e Abimeleque (6.1—9.57)
6.    Tola (10.1,2)
7.    Jair (10.3-5)
8.    Jefté (10.6-12.7)
9.    Ibzã (12.8-10)
10.    Elom (12.11-12)
11.    Abdom (12.13-15)
12.    Sansão (13.1-16.31)
C.    Apêndices (17.1—21.25)
1.    A idolatria de Mica e Dã (17.1—18.31)
2.    O crime em Gibeá e seu castigo (19.1—21.25)

IX.    Principais Ideias Teológicas

Poucos historiadores, ou mesmo nenhum, escrevem sem preconceitos ou propósitos subjetivos, que deixam transparecer em seus escritos. Toda a história é acompanhada de interpretação. Os historiadores bíblicos não são exceção a essa regra. O autor do livro de Juízes ansiava por destacar ideias espirituais e juízos morais, e tornou-se parte integrante de suas narrativas, mas com o intuito de mostrar-nos que certas coisas sucederam, ou não sucederam, em face das condições espirituais do povo de Israel. Isto posto, o livro de Juízes apresenta-nos uma história teológica, e não apenas um relato sobre condições sociais e políticas.

1.  A ira de Deus volta-se contra o pecador (Juí. 2.11,14). Israel era abençoado quando obedecia a Yahweh, mas castigado quando se rebelava. A nação de Israel só podia sobreviver, cercada como estava por poderosos adversários, mediante a graça divina. Esforços de cooperação que rendiam resultados positivos tinham de estar alicerçados sobre a lealdade coletiva a Deus (Juí. 5.8,9,16-18). Os juízos corretivos de Deus tocavam tanto sobre cada indivíduo quanto sobre a sociedade israelita como um todo.

2. O arrependimento produz a misericórdia divina (Juí. 2.16). As opressões de povos estrangeiros serviam de meios para corrigir as condições de decadência moral, e isso tinha em vista o bem de Israel (Juí. 3.1-4).

3. O homem é, verdadeiramente, um ser decadente. Após cada livramento descrito no livro de Juízes, Israel escorregava novamente para a idolatria, o que exigia ainda outro ato de juízo divino e outro libertador. Parece que essa lição nunca foi absorvida, ou, então, que tinha de ser aprendida de novo a cada geração. Ver Juí. 2.19, que diz: “Sucedia, porém, que, falecendo o juiz, reincidiam e se tornavam piores do que seus pais, seguindo após outros deuses, servindo-os e adorando-os; nada deixavam das suas obras, nem da obstinação dos seus caminhos”. Uma sociedade individualista por excelência estava repleta de erros, pessoais e coletivos. ”Naqueles dias não havia rei em Israel: cada qual fazia o que achava mais reto” (Juí. 17.6 e 21.25).

4. Os sistemas centralizados no homem fracassam. Esta é a lição geral ensinada pelo livro de Juízes. Na história de Israel, apreende-se que a única esperança reside na espiritualidade. Os políticos mostram-se corruptos, quando não antes, pelo menos depois que galgam posições de autoridade.

Bibliografia

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