Estudo do Livro de Josué

Josué

Ver o artigo separado sobre Josué (Pessoa), onde se discute o sentido do nome pessoal Josué.

Esboço

I. Caracterização Geral
II. Pano de Fundo Histórico
III. Autoria e Data
IV. Destino e Propósito
V. Canonicidade; Texto; Traduções
VI. Problemas Especiais
VII. Problemas Arqueológicos
VIII. Teologia Distintiva do Livro
IX. Tipologia
X. Esboço do Conteúdo

I. Caracterização Geral

Josué é um dos livros históricos do Antigo Testamento, incluído entre os Profetas Anteriores, dentro do cânon hebreu. Outras vezes, é agrupado juntamente com os primeiros cinco livros da Bíblia, o Pentateuco, formando então o Hexateuco. Muitos eruditos crèem que esses seis livros formam uma unidade, por estarem alicerçados sobre fontes comuns de informação. O livro de Josué contém a narração da invasão da Terra Prometida pelo povo de Israel, com o resultado de que a maior parte da Palestina foi conquistada e colonizada pelas doze tribos de Israel. Os caps. 1-12 de Josué contam a invasão; os caps. 13-21 relatam a divisão da terra entre as doze tribos; e os caps. 22-24 nos dão os atos e discursos finais de Josué.

Josué foi o sucessor de Moisés. As tradições judaicas dão-nos como o autor do livro que tem seu nome (Baba Bathra 14v). Muitos eruditos, porém, supõem que narrativas anteriores tenham sido entremeadas, formando uma obra composta, mediante o trabalho de um ou mais editores posteriores. Em sua forma atual, muitos acreditam ser um produto essencial da escola deuteronômica de historiadores, também chamada fonte informativa D. Material tradicional mais antigo, proveniente das fontes J e E, também teria sido entretecido na narrativa. Ver no Dicionário o artigo sobre J.E.D.P.(S) quanto a uma completa discussão sobre essas supostas fontes informativas. Cada uma das fontes também é examinada separadamente, sob cada uma dessas quatro letras.

A posição padrão acerca da conquista da Terra Prometida é que ela foi executada por Israel como nação unificada, e não pelo esforço de tribos separadas, em diferentes épocas. Além disso, a conquista é considerada como tendo sido um sucesso imediato. Esse, pelo menos, é o quadro apresentado pelo livro de Josué, não havendo fatores históricos contrários a essa opinião geral. Um grande número de descobertas arqueológicas confirma a exatidão geral do livro de Josué. Naturalmente, os capítulos 15-17 de Josué, como também o trecho de Juízes 1- 2, exibem falhas, algumas das quais só foram corrigidas com a passagem dos séculos, enquanto outras só puderam ser remediadas plenamente nos dias de Davi e Salomão. Estamos falando de falhas na conquista da Terra Prometida, e não no relato histórico dos livros de Josué e Juízes.

A autoria do livro, sem importar se de Josué ou de alguma outra pessoa, que teria agido como historiador, é essencialmente a autoria de um único escritor. Não obstante, à semelhança de qualquer historiador, ele contou com várias fontes históricas. Talvez as teorias envolvidas no conceito do J. E. D. P. (S) (ver a respeito no Dicionário) consigam explicar a questão de modo genuíno. Seja como for, Josué pertence ao grandioso corpo de literatura judaica que inclui livros como Deuteronômio, Josué, Juízes, I e II Samuel, e I e II Reis. Essa coletânea narra a história do povo de Israel desde Moisés até a queda de Jerusalém, em 587 A. C. O escritor escreveu do ponto de vista do código deuteronômico (ver Deu. 4.44-30.20), o qual incorporou corajosamente logo no início de seu livro. Juntamente com a narrativa, pois, ele teria incorporado a ideia de D, que mostra que as vitórias e a prosperidade de Israel sempre dependeram da obediência espiritual às exigências da lei divina. Esse conceito dominou o judaísmo desde então. Em consequência, a história da conquista da terra tornou-se uma espécie de alegoria sobre como um homem espiritual, ou uma nação espiritual, pode realizar grandes coisas e cumprir significativo destino, uma vez que as condições espirituais para tanto sejam observadas.

Algum datam o livro na época do próprio Josué, cerca de 1440 A. C. Outros, porém, pensam que o livro só foi escrito após o cativeiro babilônico. Os estudiosos liberais parecem sempre preferir uma data mais recente. Todavia, podemos admitir que o livro recebeu alguma contribuição edito-ral após o retomo do exílio babilónico. Ver uma completa discussão sobre o problema da data do livro, na terceira seção deste artigo.

Uso Proposto de Fontes Informativas:

1. D. Temos aí o uso de matéria já existente, oral e/ou escrita. A história geral de Josué, além do propósito teológico de ilustrar como um homem (ou uma nação) espiritual pode obter sucesso, é questão bem destacada.

2. Nos caps. 13-21 de Josué, o historiador D continua a empregar várias listas que relacionavam as fronteiras das tribos, tendo descrito, de modo generalizado, como se deu a distribuição de terras. Essas listas não pertenciam às novas divisões políticas e gerenciais criadas por Salomão, conforme alguns estudiosos têm erroneamente pensado (ver I Reis 4.7-19). Todavia, há quem acredite que a questão das cidades de refúgio e das cidades dos levitas, nos capítulos 20 e 21, refletem uma época posterior, talvez tão tarde quanto o século X A.C.

3. Outros estudiosos supõem que os itens pertencentes às fontes informativas JeE tenham sido entretecidos nos primeiros doze capítulos do livro. Nesse caso, os editores posteriores de JeE talvez tenham reescrito certas porções do livro. Essa teoria, contudo, não conta com grande acolhida por parte dos eruditos mais recentes.

4. Alguns estudiosos vêem P nas listas das tribos e das terras que lhes foram alocadas (conforme se vê em Jos. 15.20-62). Porém, com igual propriedade, esse tipo de material poderia ser atribuído a D. Ver detalhes sobre a questão da fonte informativa D na seção VI. 1, Problemas Especiais.

Embora o livro de Josué conte sua história do ponto de vista teológico, não há razão para duvidarmos da historicidade essencial de sua narrativa.

“Após longos anos de vagueação pelo deserto, finalmente foi dada permissão aos israelitas para que conquistassem a Terra Prometida. A história de Josué é a história da conquista da Palestina. Tal como quase todos os relatos sobre batalhas, não é uma história agradável. E muitos sentem — sem dúvida, com razão — que o Deus de Josué estava infinitamente distante do Deus de Jesus. Neste livro, o Deus de Israel parece uma deidade puramente nacional, um Deus das Batalhas, cujo poder manifestar-se-ia, principalmente, no desfechamento de guerras santas” (Introduction to Joshua, RSV, edição comentada, Oxford).

O conceito de Deus elaborado pelos homens foi melhorando com o desdobramento gradual da revelação divina; e é fácil aos homens atribuir a Deus as suas próprias atrocidades. Isso não significa, porém, que Deus esteja ausente ou inativo, mas tão-somente que é precário atribuir a Ele tudo quanto fazemos, ou as maneiras pelas quais o fazemos.

II. Pano de Fundo Histórico

a. Os patriarcas estiveram jornadeando na terra de Canaã, durante a Idade do Bronze Média (2100 -1550 A. C.). Abraão chegou em Siquém e Betei (Gên. 12) em cerca de 2000 A. C. Desde então, os genitores da nação de Israel passaram a viver na Palestina ou no Egito.

b. Vem, então, o relato sobre José, que foi vendido ao Egito. Ele acabou assumindo a segunda posição de maior mando no Egito (cerca de 1991-1785 A. C.), durante o tempo da 12a dinastia egípcia. Esse ponto, porém, é muito disputado pelos estudiosos. Alguns eruditos preferem pensar que Josué governou o Egito durante a época dos intrusos semitas, os reis hicsos. Nesse caso, o período de Josué foi cerca de 1750 A. C. ou mesmo mais tarde. E o rei que não conhecera a Josué pode ter sido o primeiro rei que se elevou ao trono do Egito, depois da expulsão dos hicsos (Êxo. 1.8), não pertencendo à raça semita. Quanto a maiores informações sobre essas conjecturas, ver o artigo sobre José, seção IV, Cronologia. Se a data posterior para a carreira de José estava correta, então ele deve ter falecido em cerca de 1570 A. C.

c. O Cativeiro de Israel no Egito. Os descendentes de Jacó, pois, após José, foram escravizados no Egito, visto que, então, José tornou-se um fator desconhecido ali. O cativeiro no Egito parece ter durado entre 200 e 300 anos.

d. O Êxodo. A data desse grande evento também é intensamente debatida pelos intépretes. Alguns pensam que ele ocorreu em cerca de 1445 A. C., ou seja, cerca de 500 anos antes de Salomão ter erigido o templo de Jerusalém. Mas há quem pense que o êxodo ocorreu na 19a dinastia egípcia (135 - 1200 A. C.). Ver no Dicionário os artigos sobre Cronologia e Êxodo. Seja como for, Moisés foi levantado pelo Senhor, com o proposto de pôr fim ao cativeiro de Israel no Egito.

e. Vieram, então, os quarenta anos de vagueação de Israel pelo deserto, que atuaram como uma espécie de resfriamento e período de planejamento, um tempo de preparação para a conquista da Terra Prometida. Em parte, foi uma espécie de retorno à pátria, uma renovação dos antigos modos de viver. Parece que, a essa altura dos acontecimentos, as doze tribos de Israel já estavam bem formadas, podendo ser distinguidas claramente uma das outras, e assim elas entraram na Terra Prometida. Josué e seus exércitos encontraram o pais dividido em muitas pequenas cidades-estados, sempre se hostilizando mutuamente, mas unindo-se quando tinham de combater contra algum intruso comum. As cartas de Tell el-Amarna (ver a respeito no Dicionário) fornecem-nos esse tipo de quadro, em concordância com os detalhes que encontramos no livro de Josué.

f. Josué é livro que relata como Israel invadiu a terra de Canaã, apossou-se dela (com várias falhas, deixando que muitos nativos continuassem no território), e então dividiu o pais em regiões, cada qual pertencendo a uma tribo. Quanta coisa precisou ser corrigida mais tarde, e se as conquistas consumiram um tempo mais dilatado do que aquilo que nos é dito (pois pode ter havido uma espécie de condensação das narrativas), não sabemos dizê-lo. No entanto, podemos confiar na mensagem geral que ali nos é exposta, sem nos preocuparmos muito com detalhes cronológicos.

III. Autoria e Data
1. Josué como Autor
Se aceitarmos Josué como o autor do livro que leva seu nome, conforme assevera uma antiga tradição cristã, então a data atribuída ao livro pode variar entre c. de 1400 e 1200 A.C., ou um pouco mais, conforme sugerimos nas especulações sob o ponto II, que tratam do pano de fundo histórico do livro. Entretanto, quase todos os eruditos modernos acreditam que o livro, na verdade, é uma obra anónima. Nesse caso, um autor desconhecido o compilou em alguma data após a conquista da Palestina ser fato inteiramente consumado. Nesse caso, a questão seria: Quão mais tarde o livro de Josué foi escrito, depois da conquista de Canaã? As próprias fontes históricas, sem dúvida, são anteriores à escrita do livro, por algum tempo. A maioria dos eruditos liberais parte do pressuposto de que o livro foi escrito ou algum tempo antes, ou bem pouco tempo depois do cativeiro babilônico (586 A. C.). Estão envolvidos nesse ponto problemas como autoria e fontes, conforme se vê na teoria J.E.D.P.(S.) (ver a respeito no Dicionário), sobre o que discutimos na seção VI, Problemas Especiais, ponto primeiro (onde se examina a fonte informativa D, considerada por alguns a principal fonte informativa do livro de Josué). Alguns pensam que os capítulos 1 e 2 de Josué se apoiaram na fonte E; que a maior parte dos capítulos 1-12 está alicerçada em D; e, então, em alguns trechos desses capítulos transparecem informes derivados da fonte S. A fonte informativa J, por sua vez, seria vista em Jos. 5.13,14; 9.6 e 17.14-18. Adições baseadas em D, que não representam grande volume, são vistas em 1.1-18; 10.17-43; 11.10-12.24; 21.43-22.6 e no cap. 23. Esse tipo de análise, porém, é rejeitado por outros críticos, para nada dizermos sobre os eruditos conservadores. Também têm sido sugeridas as mais arbitrárias divisões para o livro. A teoria mais simples a que se chegou é que é inútil tentar deslindar tão grande complexidade de fontes informativas, embora a fonte D seja a mais pesadamente envolvida no livro. Por essa razão é que o livro de Josué tem sido chamado de “inteiramente deuteronômico” em sua natureza.

2. Um Autor Antigo Desconhecido?
Mesmo que se suponha ter sido desconhecido o autor do livro de Josué, é bastante provável que ele tenha incorporado material antiquíssimo que remontava à época do próprio Josué, ou de alguém intimamente ligado a ele. Josué ordenou que se fizesse por escrito uma descrição do território (Jos. 18.9). Ele poderia ter escrito pessoalmente as palavras do pacto renovado, com vários estatutos e ordenanças para o povo de Israel, no livro da lei de Deus, em Siquém (Jos. 24.25,26). Talvez ele também tenha escrito pessoalmente o juramento acerca de Jericó e a maldição que sobreviria a qualquer reconstrutor futuro daquela cidade. Comparar Jos. 6.26 com I Reis 16.34. Além disso, devemos observar que I Reis 16.34 diz que a maldição foi proferida pelo Senhor, “por intermédio de Josué, filho de Num”. E isso pode indicar que uma forma escrita da maldição foi redigida pelo próprio Josué. Naturalmente, Josué não pode ter sido o autor final do livro. Pois Jos. 24.29,30 registra a sua morte, o que evidencia a atividade de algum editor ou autor posterior. O Talmude afirma que Eleazar, o sumo sacerdote, adicionou esse apêndice, e que o seu filho, Fineias, acrescentou o último versículo (Jos. 24.33), a fim de dar o toque final ao livro (Baba Bathra 14b-15).

3. As Narrativas de Testemunhas Oculares
O material mais antigo deve ter incorporado algum relato de testemunhas oculares diretas. O trecho de Jos. 5.1 diz que o Senhor bloqueou o rio Jordão “até que passamos”. O pronome “nós” é empregado em Jos. 5.6, embora não apareça em nossa versão portuguesa, que prefere usar a terceira pessoa do plural. Alguns itens indicam condições anteriores a Davi, como o fato de que os cananeus ainda estavam na posse de Gezer (Jos. 16.10, cf. I Reis 9.16). Saul massacrou muitos gibeonitas e queria destruir todos eles (II Sam. 21.1-9). Nos dias de Josué, Sidom (e não Tiro) era a principal cidade fenícia, situação que só foi revertida bem mais tarde. Ver Jos. 11.8; 13.6 e 19.28. Os cananeus dominavam a Palestina nos dias de Josué. Mais tarde, os filisteus é que tiveram essa distinção. O território que Josué queria tomar era essencialmente cananeu (Jos. 13.2-4). Depois de 1200 A.C., os filisteus entraram armados na planície costeira da Palestina, conforme informam os registros egípcios de Ramsés III. Esses dados históricos mostram que há material antiquíssimo no livro de Josué, embora não nos revelem quando eles foram incorporados nem quando o livro foi publicado pelo próprio Josué ou outro autor.

4. Um Autor Sacerdotal?
O sacerdote Fineias pode ter sido o autor de certas partes do livro de Josué. Ele era filho e sucessor de Eleazar, o sumo sacerdote, e foi uma das colunas de Israel, naquele tempo (Núm. 25.7-13). Ele, e não Josué, foi a figura mais proeminente na solução das disputas em torno do altar erigido pelas duas tribos e meia que preferiram residir na parte oriental do vale do Jordão (Jos. 22.10-34). Ou, então, algum sacerdote associado a Fineias poderia ter feito contribuições para o livro. Isso tem sido sugerido por alguns, devido ao interesse todo especial que se dá, no livro de Josué, às cidades de refúgio (ver a respeito no Dicionário; ver também Jos. 20.7, 21.13), bem como as questões atinentes às quarenta e oito cidades dos levitas (Jos. 21.11-13). Há uma longa lista das fronteiras e cidades de Judá (Jos. 15.1-63), o que pode indicar que ali ficava o território dos sacerdotes envolvidos. Outras fronteiras e terras são citadas apenas de passagem. Ver os caps. 16 e 17. Tais especulações, entretanto, são curiosas e podem refletir a verdade da questão, mas é difícil julgar tais coisas.

5. Dependência Literária
Seja como for, o autor sagrado parece ter dependido dos livros de Números e Deuteronômio quanto a algum de seu material, que Josué pode ter utilizado, se é que, realmente, Moisés escreveu o Pentateuco. Porém, se temos nisso, igualmente, um produto das fontes informativas J.E.D.P.(S.) (ver a respeito no Dicionário), então teremos voltado a uma data posterior para o Hexateuco (ver também no Dicionário) inteiro. Seja como for, visto que o livro de Josué, embora traga o seu nome, não afirme quem teria sido o seu autor (pelo que é uma obra anónima), isso significa que não podemos dizer que é teste de ortodoxia alguém afirmar ou negar a autoria do livro a Josué, filho de Num. Outrossim, nem sempre a palavra ortodoxia é sinônimo de veracidade. Tradições, e não fatos, compõem uma boa porção daquilo que, em teologia, se tem chamado de ortodoxia. A isso sinto-me na obrigação de adicionar que as disputas sobre questões como essas pouco ou nada têm que ver com a espiritualidade, pois essas questões não são cruciais e em nada afetam a fé de quem quer que seja. Ao mesmo tempo, se quisermos entender as situações históricas dos livros que formam a Bíblia, é bom que as examinemos, evitando atitudes hostis para com aqueles que de nós discordem.

IV. Destino e Propósito
Duas características distinguiam o antigo povo de Israel: a) a preocupação com a história, b) a preocupação com o material religioso escnto, que agisse como guia nas crenças e na conduta. As palavras de Moisés (o Pentateuco) foram postas sob forma escrita desde o começo, como testemunho escrito sobre o relacionamento entre Yahweh e o povo de Israel. A esses escritos mosaicos foram adicionados os registros das vitórias de Israel na conquista da terra de Canaã, o que envolve significados tanto históricos quanto teológicos. O livro de Josué foi escrito tendo em vista a edificação moral e espiritual do povo de Israel, como parte de sua herança histórica e religiosa. As Escrituras eram lidas diante do povo, e a substância delas era explicada por sacerdotes eruditos. Mui provavelmente, poucas pessoas sabiam ler, e as poucas que podiam fazê-lo não tinham obras manuscritas. Os manuscritos existentes tomaram-se um dos principais tesouros da nação, sendo guardados ciosamente pelos sacerdotes. O trecho de Nee. 8.9 reflete esse costume de fazer leituras bíblicas em público, o que, segundo supomos, é um costume antiquíssimo em Israel. Historicamente falando, o intuito do livro de Josué é dar continuação à história sagrada da nação de Israel. Essa história é sagrada porque, segundo a crença de Israel, o processo histórico daquele povo era controlado por forças divinas. E, naturalmente, concordamos com isso. Portanto, para Israel a história era um aspecto importante da teologia. A mensagem do livro de Deuteronômio, de que Israel seria abençoada enquanto obedecesse a Deus, mas amaldiçoada quando fosse desobediente ao Senhor, é o conceito mais central da teologia histórica do livro de Josué.

O registro sagrado tinha por finalidade instruir e inspirar o povo de Israel em sua inquirição espiritual e em sua expressão como nação escolhida pelo Senhor, a fim de que pudesse cumprir seus propósitos especiais e seu destino ímpar no mundo. Nos livros proféticos posteriores do Antigo Testamento, encontramos a exortação, dirigida a Israel, para que voltasse a aderir ao pacto mosaico (ver Nee. 9.30; Zac. 7.8-12). Portanto, o respeito pelas raízes era tido como a chave para a correta conduta. Deus é capaz de cumprir todas as Suas promessas (ver Jos. 21.45), mas Ele precisa encontrar uma reação favorável por parte de Seu povo, que assim preencha as condições divinamente impostas. Deus envolve-se diretamente na história da humanidade, e ate nos menores detalhes (ver no Dicionário sobre o Teísmo, em contraste com o Deismo). Isso é absolutamente ilustrado no Antigo Testamento. Consideremos, só para exemplificar, Ocidente em que Acã esteve envolvido. Ele cometeu um erro, e a comunidade inteira sofreu por causa desse erro (ver Jos. 7.1,18-20,24 e 11.1-15). A história era muito importante nos escritos sagrados dos hebreus. Mas essa história nunca foi escrita somente com finalidades históricas. As liçòes morais e religiosas estão sempre na base de todos os escritos históricos dos hebreus.

“O livro de Josué demonstra a fidelidade de Deus às Suas promessas, a qual guiou Israel até a terra de Canaã, conforme também os tirara do Egito (Gên. 15.18 e Jos. 1.2-6). A narrativa da conquista é altamente seletiva e abreviada. Os acontecimentos enumerados foram considerados suficientes para servir aos propósitos que os autores sagrados tinham em mente” (UN).

V. Canonicidade; Texto; Traduções
1. Canonicidade. O livro de Josué era classificado na coletânea de livros sagrados dos hebreus como parte dos Profetas Anteriores. Esses informes cobrem o período histórico que vai da conquista da Terra Prometida ao exílio babilónico. É isso o que encontramos nos livros de Josué, Juízes, I e II Samuel, e I e II Reis. Naturalmente, a porção mais fundamental desse cânon são os cinco livros de Moisés, o Pentateuco (ver a respeito no Dicionário). Todavia, a história teológica de Israel começa no livro de Deuteronômio, mas como parte integrante do Pentateuco. Josué dá continuidade a esse relato e, pelo menos em parte, depende dele.

Alguns eruditos supõem que a fonte informativa D seja a mais saliente no livro de Josué e no livro de Deuteronômio, razão pela qual haveria tão íntima vinculação entre eles. Josefo falava sobre os Cinco Livros, distinguindo-os dos treze livros proféticos que vinham em seguida. O tempo atribuído por Josefo a esses treze livros era da morte de Moisés até o reinado de Artaxerxes. Ver Contra Ápion 1.7,8. Apesar de muitos estudiosos considerarem a suposta unidade de seis livros (o hexateuco) uma teoria inventada (porquanto nem os judeus nem os samaritanos reuniram assim esses seis livros), toma-se claro que Josué demonstra certa dependência ao livro de Deuteronômio. Ver a seção VI, Problemas Especiais, primeiro ponto. O livro de Josué fornece uma apropriada conclusão para o Pentateuco. As condições adversas ali relatadas, quando Israel estava cativo no Egito, são inteiramente revertidas na Terra Prometida, restaurando assim as esperanças dos tempos patriarcais. Por isso mesmo, a canonicidade do livro de Josué era comumente aceita em Israel, embora os samaritanos, e, posteriormente, os saduceus, reconhecessem somente a autoridade dos cinco livros de Moisés, o Pentateuco. Josué, porém, obteve posição sólida no cânon reconhecido pelos fariseus. E essa era a posição mais popular e aceita entre o povo de Israel. E a primitiva igreja cristã, concordando com a maneira farisaica de pensar acerca dessas questões canônicas, aceitava o cânon do Antigo Testamento inteiro (o cânon Palestino, como era chamado). Na igreja antiga também foram aceitos livros que faziam parte do cânon chamado Alexandrino (ver a respeito no Dicionário), que incluía vários dos livros apócrifos. Ver também o artigo Livros Apócrifos, quanto a uma discussão sobre problemas canônicos relativos a esses livros, e o verbete intitulado Hexateuco, quanto a pormenores, e onde também listamos as objeções levantadas contra essa teoria.

2. Texto. O texto hebraico do livro de Josué é essencialmente puro. Alguns poucos e óbvios erros escribais penetraram no texto — e foram perpetuados pelo texto massorético. Ver no Dicionário o artigo sobre a Massorah. Entre os manuscritos achados em Qumran (ver no Dicionário sobre Khirbet Qumran), popularmente chamados Manuscritos do Mar Morto, havia fragmentos do livro de Josué. A Septuaginta mostra ser uma boa tradução do texto hebraico do livro de Josué, o que também é demonstrado no que concerne ao restante do Antigo Testamento. Algumas vezes, porém, a Septuaginta exibe um texto superior aos manuscritos massoréticos típicos. Tal fenômeno, porém, deve ser averiguado individualmente, visto que nenhuma declaração geral envolve todos os casos possíveis. Ver no Dicionário o artigo separado sobre Mar Morto, Manuscritos.

3. Traduções. No parágrafo anterior, vimos a importância da tradução da Septuaginta, no caso do livro de Josué. A tradução da Septuaginta não difere do texto hebraico em nenhum sentido apreciável. No entanto, é fraca quanto à tradução dos nomes geográficos, pelo que os nomes hebraicos (transliterados, e não traduzidos) quase sempre são preferidos. Há versões mais longas e mais breves da Septuaginta do livro de Josué. Os escribas tendem muito mais a alongar os livros do que abreviá-los, visto que os comentários escribais aumentam o texto. As primeiras versões latinas baseavam-se quase inteiramente na Septuaginta, e não no texto hebraico. A versão de Jerônimo, porém, foi feita diretamente do hebraico. As traduções modernas dependem essencialmente do texto massorético, embora os textos críticos tenham a vantagem de contar com a evidência representada pelas versões, mormente a Septuaginta.

VI. Problemas Especiais
1. Fontes Informativas. Deve-se pensar na teoria J.E.D.P.{S.) (ver a respeito no Dicionário) e, especialmente, na relação entre D (ver também no Dicionário) e Josué. Sob as seções I e III. 4 e 5, damos as informações essenciais sobre as fontes propostas para o livro de Josué. Temos visto que, excetuando a fonte informativa D, as teorias que cercam a questão são bastante incertas e até mesmo contraditórias. Que o livro de Josué é deuteronômio, é fato que se pode demonstrar até com certa facilidade.

Josué em Relação a Números e a Deuteronômio:
1. Comissão de Josué. Cf. Jos. 1.1-9 com Deu. 31.
2. Extensão das promessas. Cf. Jos. 1.3,4 com Deu. 11.24.
3. Informações sobre as tribos orientais. Cf. Jos. 1.12-15 com Núm. 32 e Deu. 3.18 ss.
4. Ebal. Cf. Jos. 8.30-35 com Deu. 27.
5. Conquistas na Transjordânia. Cf. Jos. 12.1-6 com Núm. 21.21-35 e Deu. 2 e 3; 4.45-49.
6. Divisão da Terra Prometida. Cf Jos. 13.6,7 com Núm. 24.7 e Deu. 1.38.
7. Fixação na Transjordânia. Cf. Jos. 13.8-14 com Núm. 32.3342 e Deu. 2.32 ss.
8. Josué e Eleazar. Cf. Jos. 14.1 com Núm. 34.7 e Deu. 1.2836.
9. A herança de Calebe. Cf Jos. 14.6 ss. com Núm. 14.24 e Deu. 1.28-36.
10. A fronteira sul. Cf. Jos. 15.1-4 com Núm. 34.3-5.
11. As filhas de Zelofeade. Cf. Jos. 17.3-6 com Núm. 27.1-11.
12. Comissão sobre o alocamento de terras. Cf. Jos. 18.4-10 com Núm. 34.17 ss.
13. Cidades de refúgio. Cf. Jos. 22 com Núm. 35.9 ss. e Deu. 19.1-13.
14. As cidades dos levitas. Cf. Jos. 21 com Núm. 35.2-8.

Alguns intérpretes têm chegado ao extremo de propor uma história deuteronômica, na qual Josué aparece como o segundo livro dessa historia. Outros estudiosos repelem terminantemente a teoria que diz que houve uma fonte informativa comum para os livros de Deuteronômio e Josué, supondo que somente em certo número de casos tenha havido material paralelo de diferentes autores. Os desacordos entre os críticos têm fortalecido a causa dos conservadores, que relutam em considerar que aquela teoria é necessária, visto que seu intuito consiste em tentar demonstrar uma data posterior para o Pentateuco e para o livro de Josué, a fim de que nem Moisés nem Josué sejam autores dos livros que lhes são atribuídos. Além disso, alguns eruditos preferem manter o Pentateuco como uma unidade separada para estudos, sem se envolver nas controvertidas teorias que circundam a ideia do Hexateuco (ver a respeito no Dicionário).

Parece-me que somente um erudito do Antigo Testamento e do idioma hebraico muito profundo poderia fazer um juízo inteligente sobre essas questões, Com base no que tenho lido, eu diria o seguinte: A teoria do J.E.D.P.(S) (ver a respeito no Dicionário), considerada como um todo, não parece explicar as fontes informativas do livro de Josué. Mas a fonte informativa D parece figurar fortemente nesse livro. Alguns críticos dizem que o livro de Josué tem um estilo deuteronômico, mas outros negam tal estilo. Pelo menos a teologia deuteronômica se evidencia no livro de Josué: se alguém obedecer à lei de Deus, prosperará, e isso envolve tanto indivíduos quanto nações.

2. O Tratamento Dado aos Cananeus
Como todas as narrativas sobre guerras, o relato de Josué é bastante brutal e selvagem. Não apenas os estudiosos modernos, mas também os antigos intérpretes cristãos tiveram dificuldades em explicar a questão.

Podemos atribuir a Deus toda aquela matança, tantas coisas feitas das maneiras mais violentas? Deus é realmente o Deus dos Exércitos? Não há uma diferença muito grande entre o Deus retratado no livro de Josué e o Deus retratado no Novo Testamento, que se manifestou em Jesus Cristo?

Em defesa da visão de Deus no livro de Josué, temos argumentos que dizem que a ira divina contra o pecado é parte necessária da teologia. Às vezes, os homens chegam a extremos de maldades que merecem um tratamento muito severo. Além disso, há intérpretes que assumem a posição extremada do voluntarismo (ver a respeito no Dicionário), ensinando que aquilo que Deus quer é correto, sem importar a nossa atitude para com a questão. Essa posição se parece muito com a antiga teoria grega, que dizia: “O poder é direto”. Mas essa teoria deveria ser rejeitada com base em uma revelação mais iluminada sobre a natureza de Deus. Sabemos que os cananeus eram excessivamente malignos (ver Lev. 18.21-24), e também que existe tal coisa como contaminação pelo mau exemplo (ver Deu. 7.1-5). Sabemos que a religião dos cananeus era tremendamente imoral (o que tem sido demonstrado pelas escavações arqueológicas em Ras Shamra). O principal deus dos cananeus, El, era uma espécie de Zeus brutal e imoral. Seu filho, Baal (ver a respeito no Dicionário), também não servia de bom exemplo para homens piedosos. Ao admitir tudo isso, indagamos até que ponto podemos fazer uma comparação entre Yahweh por um lado, e El e Baal, por outro. Outrossim, não podemos evitar reconhecer que as representações de Yahweh, no Antigo Testamento, em certos trechos não se diferenciam grandemente das representações de EI, na literatura antiga não-bíblica. Além disso, tanto EI quanto Yahweh são nomes compartilhados pelas culturas dos assírios, dos babilônios e dos hebreus. Não admira, pois, que elas também compartilhassem ideias religiosas, e não meramente nomes divinos. De fato, sabemos que havia essa herança comum de ideias. Até hoje, os homens se deleitam em culpar Deus de tudo quanto eles pensam e fazem; e até mesmo homens bons recorrem a esse estratagema. Pessoalmente, tenho cuidado com o uso de nomes divinos, relutando em juntar a palavra “Senhor” a tudo quanto penso ou faço. Em contraste, há pessoas que vivem dizendo: “O Senhor me disse isto”, “O Senhor levou-me a fazer isto ou aquilo”. O “Senhor”, pois, quase se tornou um bichinho de estimação envolvido pelas pessoas em todas as coisas tolas que elas pensam ou fazem, como a escolha da cor do automóvel ou o lugar a ser visitado nas próximas férias. E assim os homens envolvem o nome de Deus em coisas que o Senhor não está nem um pouco interessado, por serem extremamente triviais.

Alguns problemas no Antigo Testamento não são nada triviais. Em primeiro lugar, eu gostaria de frisar que a própria revelação bíblica é algo progressivo, não sendo de admirar que as ideias dos homens acerca de Deus se aprimorem, à medida que eles se espiritualizam e se tornam capazes de ter uma concepção mais nítida da deidade. É inútil imaginar que Josué se encontrava no mesmo nível de compreensão de Jesus ou dos vários autores do Novo Testamento, quando eles falavam a respeito de Deus. Sabemos que, por muitas vezes, não menos que os gregos e muitos outros povos, Israel agiu como qualquer tribo selvagem e saqueadora. Como poderíamos negar esse fato? A história fala por si mesma!

Consideramos o Caso de Davi. A época de Davi deve ter sido mais iluminada que os dias de Josué. No entanto, quando Davi fugia de Saul e se refugiava em Ziclague, que lhe fora dada como residência por Aquis, rei de Gate, ele iniciou uma série de ataques de terror e matanças nas áreas circunvizinhas. Por que ele agiu assim? O trecho de I Sam. 27.10 ss. revela o motivo, ele fazia isso para impressionar a Aquis, dando a ideia de que estava atacando à sua própria gente, quando, na verdade, atacava inimigos de Israel. I Sam. 17.9 diz que ele a ninguém deixava vivo, nem homem, nem mulher, nem animal. Aquis aceitou a mentira, supondo assim que Davi se alienara totalmente de Israel, pelo que seria seu servo (de Aquis) para sempre.

As palavras de Jesus por certo devem ter um peso decisivo em qualquer discussão desse tipo. Quando os Seus discípulos quiseram invocar fogo do céu para consumir os samaritanos, que tinham negado hospitalidade a Jesus e seu grupo, imitando assim uma figura nada menor que Elias, Jesus os repreendeu e declarou: “Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las” (Luc. 9.51-56). A ignorância e a falta de maturidade espiritual continuam afirmando que não há diferença entre as atitudes refletidas no Antigo Testamento e aquelas refletidas no Novo Testamento, no tocante à pessoa de Deus. Mas o que ganharíamos com a hipótese de que as ideias dos homens não melhoram, à medida que eles são iluminados e sua espiritualidade se desenvolve? Poderíamos asseverar que não há diferença entre o Antigo e o Novo Testamento sobre uma questão tão importante quanto a natureza de Deus? Deus não mudou, mas nossa compreensão sobre a natureza divina certamente melhorou.

A ira de Deus é uma realidade, mas apenas é um dedo de Sua amorosa mão. Ele julga os homens a fim de melhorá-los. O juízo divino é remediai, e não apenas retributivo. Ver no Dicionário os artigos denominados Ira de Deus e Ira. Ver I Ped. 4.6 quanto à natureza remediai do julgamento divino. Notemos que, na passagem petrina, os perdidos estão em foco. A cruz do Calvário foi um julgamento, mas também serve de medida do amor que Deus tem pelos homens perdidos.

Conclusão.
Temos de admitir o propósito de Deus atuante através da entrada dos patriarcas hebreus na Palestina, segundo o registro de Gênesis. Também devemos reconhecer que o propósito de Deus se manifestou no cativeiro egípcio. Outrossim, seria ridículo dizer que Deus não estava com Moisés, nem realizou uma obra grandiosa, tirando Israel do Egito. Além disso, dentro do plano de Deus, era necessário que Israel, uma vez mais, ocupasse a Palestina, a fim de preparar o caminho para o Messias e para os futuros desenvolvimentos espirituais, em escala mundial. Porém, quase não podemos desculpar a maneira como a conquista da Terra Prometida foi efetuada, com excessos de brutalidade. Em tempos menos selvagens, Deus poderia ter feito a mesma coisa de maneira diferente, sem tanto morticínio. Mas, se tribos e nações selvagens começarem a lutar, então teremos um registro como aquele do livro de Josué. Isso não significa, todavia, que tais atos concordavam com a natureza de Deus, mas somente que essas coisas naturalmente ocorreram em face do tipo de material humano com o qual Deus teve de tratar, diante do primitivismo e da violência dos tempos em que aqueles acontecimentos se deram. Em outras palavras, usa-se o material de que se dispõe, mas isso não significa que aquilo que é feito reflete a natureza e os ideais divinos.

O Testemunho do Livro de Jonas. O livro de Jonas é o João 3.16 do Antigo Testamento. Jonas foi enviado para salvação de um povo pagão, e o verso final do seu livro mostra-nos que Deus estava interessado até na vida dos animais, para nada dizermos sobre os seres humanos. Acresça-se a isso o próprio trecho de João 3.16, no Novo Testamento. Deus enviou o Seu filho amado para salvar os pecadores e não para destrui-los. A destruição física faz parte do programa de purificação de Deus, mas as matanças violentas e excessivas que acontecem por ocasião das guerras dificilmente se coadunam com a natureza de Deus.

3. O Longo Dia de Josué (Jos. 10.13)
A palavra de ordem de Josué realmente fez o sol parar? Ver no Dicionário o artigo separado sobre esse assunto, intitulado Bete-Horom, Batalha de (O Dia Longo de Josué).

4. O Represamento das Aguas do Jordão (Jos. 4.15 ss.)
Temos ai uma divisão, em miniaturas, da águas do mar Vermelho, uma reiteração daquele prodígio. Houve, realmente, uma intervenção divina, que fez com que as águas do rio se avolumassem, ou um deslizamento de terras, convenientemente, ocorreu no momento crucial?

VII. Problemas Arqueológicos
As evidências arqueológicas que nos podem ajudar a respeito do livro de Josué permanecem incertas. Quanto a Jericó, sabemos que no local foram erguidas diversas cidades com esse nome. Alguns arqueológicos, como Kathleen M. Kenyon, acreditam possuir provas de que ali não havia nenhuma habitação na Idade do Bronze Média (1550 a 1400 A. C.). As evidências acerca da Idade do Bronze Posterior foram apagadas. Túmulos e outros itens testificam acerca da ocupação do lugar na Idade do Bronze Posterior II, pertencente ao século XIV A. C. Essa evidência pode favorecer uma data mais remota para a composição do livro de Josué, embora as questões atinentes a isso permaneçam incertas.
Ai até hoje não foi localidade identificada com certeza. As ruínas de et-TelI, 3 km e pouco a leste-sudeste de Betei, têm sido consideradas um local possível, mas as escavações no local não provam que ele tenha sido ocupado durante as Idades do Bronze Médio e Posterior, quando devemos datar o livro de Josué. Restos de fortificação foram encontrados, pertencentes a um período ainda mais antigo (cerca de 2900-2500 A. C.), da Idade do Bronze Anterior, ou de um período mais recente (cerca de 1200 a 1000 A. C.), de tal modo que a Ai dos dias de Josué ainda não foi descoberta pelos arqueológicos. Ver Jos. 8.1-29. Outras escavações, feitas nas vizinhanças de Khirbet Haiyan e em Khirbet Khudriya não produziram nenhuma prova de ocupação humana que corresponda à época de Josué. Talvez Ai fosse apenas um posto militar avançado, e não uma cidade, o que poderia explicar a ausência de evidências arqueológicas correspondentes aos dias de Josué. Outros supõem que, em Josué 7,8 esteja em pauta a destruição de Betei, e não de Ai. E as dúvidas que cercam a verdadeira data do livro de Josué apenas se somam às incertezas que circundam toda a questão. Ver no Dicionário os artigos separados sobre Jericó e Ai.

VIII. Teologia Distintiva do Livro
1. O problema da matança dos cananeus, pelos israelitas, foi abordado na seção VI. 2. Isso nos envolve na visão de Deus dada pelo livro de Josué.

2. O livro de Josué certamente apresenta-nos uma grande fé no destino determinado por Deus. Enfrentando grandes forças contrárias, Israel entrou em uma terra que era desconhecida para aquela geração, e mesmo assim venceu. Eles creram que Deus era quem ordenava sua vida e obras. E assim cumpriram, com sucesso, os propósitos que lhes foram atribuídos.

3. O tema do teísmo (ver a respeito no Dicionário) é bem destacado. É Deus quem controla a história humana e nela intervém. Ele não é uma figura distante, divorciada de Sua criação, conforme prega o deísmo (ver também no Dicionário).

4. A fidelidade de Deus ao Seu pacto é um dos temas dominantes. Ver no Dicionário o artigo sobre Pactos. Cf. Deu. 7.7 ; 9.5,6.

5. O monoteísmo (ver a respeito no Dicionário) é ilustrado no livro especialmente através da determinação de extirpar o povo e a religião dos cananeus. Cf. Gên. 15.16; Exo. 20.2-6; Deu. 7.

6. A necessidade de um discipulado autêntico e resoluto é o tema geral do livro de Josué; sem isso, a conquista da Terra Prometida teria sido impossível.

7. Vários tipos simbólicos podem ser encontrados no livro de Josué. Ver a seção IX, quanto a isso.

IX. Tipologia
1. Tipos Cristológicos

“Estas cousas lhes sobrevieram como exemplos, e foram escritas para advertência nossa...” (I Cor. 10.11). O trecho de Heb. 4.1-11 usa o relato da conquista da terra de Canaã para ilustrar como entramos no descanso de Deus, ou seja, na vida eterna, que é a grande Terra Prometida. Josué não deu ao povo final e verdadeiro descanso (Heb. 4.8), pelo que resta um descanso espiritual (vs. 9). Compete a nós buscar esse estado bem-aventurado (vs. 11). A desobediência e a dureza de coração são nossos inimigos. Moisés (representante da lei) não foi capaz de conduzir o povo de Israel até o interior da Terra Prometida. Josué (representante de Cristo e da graça divinal) foi quem conseguiu fazer isso. Como é sabido, Josué foi um tipo de Jesus, o Cristo. E Cristo é o comandante que vence a batalha, lutando juntamente com Seu povo, com Seu exército. No sentido cristão, Jesus, o Cristo (cujo nome é o equivalente neotestamentário de Josué, Salvador) é quem provê um lar na Terra Prometida celestial, providenciando descanso para nós, após as vitórias espirituais que obtivermos neste mundo.

2. Lutas e Vitórias Espirituais
A vida de todo homem espiritual e sério é uma luta em busca da vitória, e cada vitória é uma espécie de conquista da Terra Prometida.

3. A experiência da redenção é prefigurada pelo fato de que o povo de Israel foi batizado em Moisés, na nuvem e no mar (I Cor. 10.2). Os homens obtêm posição espiritual quando o Espírito os imerge no corpo de Cristo (I Cor. 12.13; Efé. 1.3; Rom. 6.2,3). Essa posição espiritual consiste na união com Cristo e na participação na redenção que há em Seu sangue.

4. A travessia do Jordão é uma figura simbólica da morte física, através da qual chegamos à vida plenamente espiritual.

5. A terra de Canaã pode tipificar nosso encontro com os adversários espirituais e nossa subsequente vitória sobre eles; ou, então, pode apontar para o céu, os mundos da luz, visto que esses mundos celestes são equivalentes à Terra Prometida.

6. Os vários povos inimigos, em torno da Terra Prometida, como os cananeus, os fariseus, os heveus etc., aludem aos nossos adversários espirituais, aos quais precisamos vencer (Efé. 6.12).

7. As cidades de refúgio (Jos. 20). Há segurança espiritual em Cristo, abrigando-nos do pecado e seus efeitos.

8. A divulgação do território (Jos. 13.1-21.45). Em nossa herança espiritual há variedade e abundância. Vale a pena perseguir a santidade. Há abundância espiritual para todos, em nossa herança eterna.

X. Esboço do Conteúdo
A. A Conquista de Canaã (1.1 — 12.24)
1. Preparação (1.1 — 5.12)
a. Josué é comissionado (1.1-9)
b. Josué da orientações (1.10-18)
c. Os espias são enviados (2.1-24)
d. A travessia do rio Jordão (3.1 — 5.1)
e. O povo é circuncidado em Gilgal (5.2 —12)
2. Várias Campanhas Militares (5.13 — 12.24)
a. Jericó e Ai são capturadas (5.13 — 8.29)
b. Um altar é erigido no monte Ebal (8.30-35)
c. O logro dos gibeonitas (9.1-27)
d. Conquista do sul de Canaã (10.1-43)
e. A campanha no norte de Canaã (11.1-15)
f. Sumário das conquistas (11.16 — 12.24)
B. Fixação de Israel na Terra de Canaã (13.1 — 24.33)
1. Josué recebe instruções (13.1-7)
2. As tribos orientais recebem sua herança (13.8-33)
3. As tribos ocidentais recebem sua herança (14.1 — 19.51)
4. As cidades de refúgio (20.1-9)
5. Designação das cidades de Levi (21.1-45)
C. Consagração do Povo Escolhido (22.1 — 24.28)
1. Concórdia com as tribos orientais (22.1-34)
2. Admoestações finais de Josué aos líderes (23.1-16)
3. Um pacto nacional estabelecido em Siquém (24.1-28)
D. Epílogos: Morte de Josué e Conduta Subsequente de Israel (24.29-33)