Abraão na Bíblia

ABRAÃO
Abraão na Bíblia

No hebraico significa “pai de uma multidão”, o fundador da nação hebreia. Ate Gên. 17:4,5, ele é chamado de Abrão, “pai da elevação” ou “pai exaltado”, embora o sentido desse nome seja incerto. O nome mais longo evidentemente foi adotado por causa da promessa de sua numerosa posteridade.

1. Fontes informativas. A narrativa veterotestamentária, em Gên. 11:26-25:18, é primária e importantíssima. Mas muitas descobertas arqueológicas têm aumentado nosso conhecimento sobre a época e o mundo de Abraão.

2. História primitiva. Era nativo da Caldéia. Por meio de Eber, estava na nona geração depois de Sem, filho de Noé. Seu pai foi Terá, que teve dois outros filhos, Naor e Harã. Harã morreu cedo, deixando seu filho Ló, que se apegou a seu tio Abraão. Harã também deixou duas filhas, uma das quais, Sara, tornou-se esposa de Abraão. Lemos, em Gên. 20:12, que Abraão chamou Sara de “irmã”, filha de seu pai, mas não de sua mãe. Mas alguns eruditos compreendem que o hebraico diz que Harã era meio-irmão de Abraão e, nesse caso, Sara era sobrinha de Abraão. De acordo com um hebraico elementar, isso poderia ser indicado chamando-a “irmã” de Abraão. Mas o ponto é disputado.

Abrão nasceu em cerca de 2333, em Ur dos caldeus (Gên. 11:28), mas todas essas datas antigas são questionáveis e incertas. Nada sabemos sobre a sua vida, senão quando ele já tinha setenta anos de idade. Há tradições que procuram preencher os claros, mas mui provavelmente sem base nos fatos. Terá é apresentado como um idólatra e fabricante de ídolos.

3. Ur dos caldeus (ver o artigo a respeito). A arqueologia moderna usualmente identifica essa cidade com a atual Tell el-Muquyyar, a 15 quilômetros a oeste de Nasireyeh, à beira do Eufrates, no sul do Iraque. Terá viajou por cerca de mil quilômetros de Ur até Harã, localizada à beira do rio Balique, tributário do Eufrates, onde se estabeleceu (Gên. 11:26-32). Há lendas que dizem que Abraão, desgostoso com a idolatria de seu povo, foi perseguido por Ninrode e foi lançado em uma fornalha acesa, embora tivesse sido livrado da morte por um milagre. Alguns acreditavam que Abraão trouxera a astronomia (astrologia) da Caldéia para o ocidente, tendo ensinado essa ciência aos egípcios (Josefo, Ant. i.8), mas nada se sabe quanto à exatidão desses relatos, e o próprio Josefo duvidava da maioria deles.

4. Chamada de Abraão. Abraão tinha sessenta anos de idade quando sua família deixou Ur e foi para Harã. Não sabemos dizer o motivo da imigração embora Josefo (Ant. i.6,5) tenha dito que a razão foi a tristeza de Terá ante a morte de seu filho Harã. Mas o trecho de Judite 5:6-8 afirma que o motivo foi a revolta contra a idolatria. Outros supõem que a mudança de lugar teve razões econômicas, a fim de buscar algum lugar mais próspero.
Com a idade de setenta e cinco anos, Abraão, sua esposa Sara e seu sobrinho Ló, com suas possessões, em resposta à chamada divina, partiram para a terra de Canaã, cerca de seiscentos e cinquenta quilômetros de Harã. Durante a jornada, pernoitaram em Siquém e Betei. (Ver Gên. 12:1 quanto à chamada de Abraão por parte do Senhor). A princípio ele se estabeleceu no Neguebe, mas, devido a um período de escassez, continuou viagem até o Egito. Devido à sua beleza física, Sara atraiu a atenção do Faraó. Mas a providência divina interveio mediante pragas, impedindo qualquer consternação. Após a crise, Abraão retornou a Neguebe (ver Gên. 12:1-20). Posteriormente, mudaram-se para as vizinhanças de Betei. E a prosperidade ditou que Abraão e Ló deveríam dividir suas possessões, tornando-se independentes um do outro. Abraão permitiu que Ló escolhesse seu território, e este escolheu o vale do Jordão e a cidade de Sodoma. Abraão estabeleceu-se na área de Hebrom. Invasores vindos do norte arrebataram cativos a Ló e aos reis do vale do Jordão. Abraão combateu-os, havendo grande matança e, dos des-pojos, deu dízimos a Melquisedeque, sacerdote do Deus Altíssimo e rei de Salém (Gên. 14:1-24).

5. O herdeiro. Não tendo filhos, Abraão nomeou Eliézer, de Damasco, como seu herdeiro. Mas Deus lhe prometeu, mediante pacto, um filho e a posse da terra (Gên. 15:1-21). Passaram-se dez anos, sem o nascimento de um filho. Então Sara deu Hagar como concubina a Abraão. E assim nasceu Ismael. Porém, com o tempo, mãe e filho foram rejeitados e enviados ao deserto. Abrão tornou-se Abraão (pai das multidões), como sinal da certeza do nascimento de um filho e herdeiro. A circuncisão foi instituída como sinal do pacto (ver Gên. 17:10-14). Entrementes, Ló caiu em dificuldades e em pecado, e o anjo advertiu-o de que Sodoma e Gomorra seriam destruídas, o que não demorou a cumprir-se. Na fuga, a mulher de Ló foi castigada por sua teimosia, e foi transformada em estátua de sal. Mediante incesto com seu pai (inconsciente este do que estava sucedendo), suas filhas engravidaram. E nasceram Moabe e Amom, cujos descendentes tornaram-se os moabitas e os amonitas. (Ver Gên. 19:24-38).

Várias vicissitudes, incluindo o incidente em que Abimeleque quisera tomar Sara como sua mulher (ver Gên. 20:1 ss.), não puderam impedir o cumprimento da promessa. E assim, através da intervenção divina, Isaque nasceu, quando Sara estava com cem anos de idade (Gên. 20:1-18). Nesse ínterim, divinamente preservado, Ismael migrou para o deserto de Parã, onde haveria de tornar-se pai de uma grande nação, de acordo com uma promessa divina.
O incidente que envolveu a tentativa de Abimeleque tomar Sara como sua esposa é muito revelador quanto aos costumes da época. Um rei local tinha autoridade para dispor das vidas a seu talante, incluindo as mulheres casadas ou solteiras, e até mesmo aquelas que meramente passassem pelos seus domínios. Provavelmente, Abraão disse que Sara era sua irmã, por ter temido que poderia ser morto se o rei soubesse que ela era sua mulher, e quisesse tê-la. Portanto Abraão arriscou-se a deixar Sara terminar no harém do rei, a fim de continuar vivo. A intervenção divina deu solução à crise. Algumas vezes, é disso que precisamos,

6.  A prova da fé. Deus, segundo Abraão tinha a certeza, requereu a imolação de Isaque quando este estava com cerca de vinte anos de idade. Sem dúvida, ainda havia sacrifícios humanos na época, ou Abraão não teria dado ouvidos ao impulso interior para realizar tal sacrifício. O fato de que Isaque era herdeiro único tornou extremamente difícil a decisão. A fé de Abraão mostrou ser profunda (ver Heb. 11:17-19) confiando denodadamente na provisão divina (ver Gên. 22:7,8). Isaque foi poupado da morte por intervenção divina. Os eruditos e críticos da Bíblia têm discutido desde há muito sobre essa narrativa. Orígenes e outros dos primeiros pais da Igreja viam no relato sentidos místicos e alegóricos importantes, embora defendendo a idéia de que Deus jamais ordenaria, realmente, um sacrifício humano, embora se tratasse apenas de uma prova da fé. Sem dúvida eles estavam com razão em sua contenção. O patriarca agiu de boa-fé, crendo que o sacrifício humano estava sendo requerido da parte dele. Porém, cumpre-nos supor que ele deve ter chegado a algum mal-entendido sobre a questão. Seu “pano de fundo” cultural e religioso deve ter confundido sua mente de algum modo. Nosso conceito de Deus avançou além do de Abraão, por essa altura de sua vida.

7. Sara faleceu em Quiriate-Arba, com 126 anos de idade, e foi sepultada na caverna do campo de Macpela (ver Gên. 23:1 ss.). O local, na área de Hebrom, tornou-se o local de sepultamento da família.

8. Com quarenta anos de idade, Isaque obteve noiva na Mesopotâmia, por intermédio do servo Eliézer, que conseguiu Rebeca, filha de Naor, para ser esposa do filho de Abraão.

9. Abraão faleceu com a idade de 175 anos, tendo sido sepultado por seus filhos Isaque e Ismael, na caverna de Macpela (ver Gên. 24:1; 25:18).

10. Caráter de Abraão. A despeito de suas falhas e de alguns deslizes notáveis, Abraão tem sido reconhecido como um dos maiores líderes espirituais da humanidade, como homem de fé inabalável, por muitas religiões subseqüentes, como a judaica, a cristã e a islâmica. Ele desfrutava de íntima comunhão mística com Deus (Gên. 18:33; 24:40) sendo esse um dos segredos de sua grandeza. Sua fé era exemplificada na sua decidida obediência a Deus. Para onde quer que Deus o chamasse, ele ia: a. O incidente de Ur (Gên. 11:31; 15:7). b. A partida de Harã (Gên. 12:1,4). c. Aceitou uma vida seminômade mesmo na terra de Canaã (Gên. 13:15; 15:18). d. Sacrifício de Isaque e confiança na sua ressurreição (Gên. 22:12,18; Heb. 11:9). Os cuidados de Abraão por sua família eram notáveis (Gên. 17:19). E ele era generoso e hospitaleiro(Gên. 18:2-8; 21:8; 13:8; 14:23).

11.  Abraão como tipo. a. Tornou-se pai da raça espiritual, representando um aspecto da missão de Cristo como Cabeça da raça e Restaurador de todas as coisas (ver Efé. 1:10). b. Sua vida de peregrinações simboliza o tipo de vida que a inquirição espiritual requer de nossa parte. c. Sua incontável posteridade simboliza as famílias que pertencem a Cristo, d. O incidente com Isaque é retrato da ressurreição, da vida dentre a morte. e. A expulsão de Hagar representa a rejeição divina dos não-herdeiros, aqueles que estão sob a lei e não entram no estado da graça, por meio de Cristo(Gál.4:24,25). f. Seu pacto é tipo do pacto entre Deus e os homens, por intermédio de Cristo, g. Ele representa os verdadeiros crentes, que abandonam a idolatria e seguem Deus, quando chamados.

12. A arqueologia e Abraão.As descobertas arqueológicas têm mostrado que a vida e os tempos de Abraão, segundo o registro do livro de Gênesis, concordam com o conhecimento recentemente adquirido sobre o segundo milênio A.C., principalmente o século XIX A.C. Têm sido encontrados muitos nomes de pessoas e de coisas que correspondem ao registro do livro de Gênesis. As informações de que dispomos sobre as leis e os costumes de então confirmam e nos fazem entender melhor os relatos de Gênesis. Essas descobertas desencorajam o ponto de vista de que Abraão personifica alguma tribo ou antiga deidade tribal, ou é apenas uma personagem mística de alguma antiga saga tribal.

Descobertas arqueológicas específicas:

a. Escavações feitas em Nuzu, à margem do rio Tigre, revelaram informações sobre leis de herança e outros costumes da época de Abraão, justificando assim a preocupação de Abraão com a questão. Um homem podia adotar um servo ou escravo, ou qualquer outra pessoa, para ser seu herdeiro, cumprindo assim todos os deveres relativos à família e à tribo. E isso explica o caso de Eliézer (Gên. 15:2-4).

b. Um herdeiro podia ser obtido através de uma concubina ou esposa-escrava, o que explica o caso de Hagar e Ismael (Gên. 16).

c. A circuncisão (ver o artigo) era uma prática comum da época, e Abraão tornou-a como sinal do pacto, provavelmente devido à sua associação com a geração .

d. A concubina não podia tomar o lugar da esposa na casa; mas a esposa também não podia expulsá-la. Isso explica a relutância de Abraão em expulsar Hagar. Só uma ordem divina foi capaz de demovê-la (ver Gên. 21: 12-21).

e. O código legal hitita (descoberto na antiga capital hitita de Bogascoi. na Asia Menor) lança luz sobre a compra do campo para sepultamento, feita por Abraão. Segundo essas leis, certas obrigações feudais estavam incluídas quando era vendido um terreno inteiro, o que não sucedia quando somente uma parte do terreno trocava de dono. Embora Abraão quisesse comprar somente a caverna, as estipulações de Efrom foram a venda da propriedade inteira, e assim, é provável que ele tivesse transferido para Abraão certas responsabilidades feudais. As árvores da propriedade eram indicadas no documento de venda, conforme usualmente se fazia nos documentos hititas. (Ver Gên. 23:17 ss.).

f. Canaã. Após a morte de Terá, Abraão partiu de Harã e foi para a terra de Canaã (ver Gên. 12:4,5). A região montanhosa era pouco ocupada por uma população rarefeita, na Idade Média do Bronze (20001500 A.C.), pelo que as descrições de Gênesis, que fazem os patriarcas percorrerem as colinas da Palestina central e as terras secas do sul (havendo muito espaço e pouca gente para opor-se a eles), são corretas. As cidades que são mencionadas como lugares habitados nos tempos dos patriarcas, como Mispa, Gibeá, Siquém, Betei, Dotã, Gerar, Jerusalém (Salém), Beerseba, etc., foram todas encontradas mediante as escavações, e suas antigas histórias têm sido confirmadas.

g. O local de Nuzu, perto da moderna Quircuque, foi escavado entre 1925 e 1941. Data do século XV A.C. Milhares de tabletes têm sido desenterrados ilustrando leis do matrimônio (ver Gên. 16:1-16), da primogenitura (ver Gên. 25:27-34), dos terafins (ver Gên. 31:34), e muitas outras práticas, costumes e leis. Descobertas simhares têm sido feitas em Mari, um local próximo da moderna Abou Kemal, no médio Eufrates. Foi encontrado o nome Abraão, embora não especificamente relacionado ao personagem da Bibfe.

13. Abraão e o Antigo Testamento. Além das narrativas de Gênesis, há alusões a Abraão em vários trechos do resto do Antigo Testamento: no pacto mencionado por Moisés (Deu. 1:8; 6:10; 9:5), Canaã era a terra dada a Israel dentro do pacto firmado com Abraão ( Deu . 34 :4); o povo de Israel descendia de Abraão, o amigo de Deus (II Crô. 20:7). O Deus de Israel era o Deus de Abraão (I Reis 18:36). A proteção e a misericórdia divinas derivavam-se do pacto com Abraão(ll Reis 13:23); os salmos mencionam Abraão em várias conexões (Sal. 47:9; 105; 6,9,42); Abraão também é mencionado em trechos como Isaías 29:22; 41:8; 51:2; 63:16. Abraão e mencionado como pai da nação de Israel em Jer. 33:26; Eze. 33:24; Miq. 7:20. Os livros apócrifos do Antigo Testamento (ver o artigo a respeito) dão prosseguimento a esse uso, enfatizando o fato de que Abraão foi grande profeta e também o homem do pacto com Deus. Ver Eclesiástico 44:19..21. Outro tanto diz a literatura rabínica, como Bereshith Rabba, Pirque Aboth 5:4, e também Josefo, em Ant. 1:7-8. Várias lendas figuram no livro de Judite e nas obras de Josefo, apresentando-o como astrônomo de primeira grandeza (um astrólogo?), que teria compartilhado de sua sabedoria com reis do oriente e do ocidente.

14. Abraão e o Novo Testamento.Jesus aparece como filho de Abraão, em Mat. 1:1; e ser alguém descendente de Abraão é reconhecido como fator significativo, embora isso não envolva direitos religiosos automáticos, sem a correspondente espiritualidade (Mat. 1:2,17; 3:9; 8:11; 22:32; Mar. 12:26; João 8:33-58). Abraão figura com proeminência na pregação dos apóstolos (Atos 3:13,25; 7:2-32; 13:26). Nos escritos de Paulo, Abraão ilustra o modo da justificação (Rom. 4:1-6). Na epístola aos Gálatas, a descendência espiritual de Abraão é a Igreja. Na epístola aos Hebreus, Abraão é o grande herói da fé (11:8 ss.), bem como o ancestral do sacerdócio levítico (7:5).