Mateus 6 — Comentário de Matthew Henry

Mateus 6

Versículos 1-4: Contra a hipocrisia ao dar esmolas; 5-8: Contra a hipocrisia ao orar; 9-15: Como orar; 16-18: Respeitar o jejum; 19-24: O mal de pensar conforme o mundo; 25-34: Ordena-se que confiemos em Deus.

Vv. 1-4. Em seguida, nosso Senhor advertiu contra a hipocrisia e o fingimento exterior nos deveres religiosos. o que quer que façamos, devemos fazer a partir de um princípio interior de ser aprovados por Deus, não em busca de elogios de homens. Nestes versículos nos é advertido contra a hipocrisia de dar esmola. Atenção a isto, pois é um pecado sutil; e a vanglória se infiltra no que fazemos, antes mesmo de nos darmos conta. o dever não é menos necessário nem menos excelente, porque os hipócritas abusam dele para servirem a seu orgulho.

A condenação que Cristo dita parece primeiro uma promessa, porém, é sua recompensa; não é a recompensa que Deus promete aos que fazem bem, mas a recompensa que os hipócritas prometem a si mesmos, e que pobre recompensa é. Eles o fizeram para serem vistos pelos homens, e são vistos por eles. Quanto menos notamos nossas boas obras, Deus as nota muito mais. Ele te recompensará; não como o Senhor que dá a seu servo o que ganha, e nada mais, mas como Pai que dá abundantemente a seu filho que o serve.

Vv. 5-8. Dá-se por certo que todos aqueles que são discípulos de Cristo oram. Pode ser mais rápido encontrar um homem vivo que não respire, do que a um cristão que não ore. Se não há oração, então não há graça. os escribas e os fariseus eram culpáveis de duas grandes faltas na oração: A vanglória e a vã repetição.

"Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão", se em algo tão grande entre nós e Deus, quando estamos orando, podemos ter em conta uma coisa tão pobre como o afago dos homens, é justo que esta seja toda a nossa recompensa. Não existe um cochichar secreto e repetido em busca de Deus que Ele não veja. Ela é chamada recompensa e é de graça, e não como uma dívida; que mérito pode haver em mendigar?

Se Ele não dá a seu povo o que lhe pedem, isto se deve a que Ele sabe que não o necessitam ou que não é para seu bem. Deus está tão longe de ser convencido pela duração ou pelas palavras que utilizamos em nossas orações, que as intercessões mais fortes são aquelas que se fazem com gemidos inexprimíveis.

Estudemos bem o que mostra a atitude mental em que devemos fazer nossas orações, e aprendamos diariamente com Cristo como devemos orar.

Vv. 9-15. Cristo viu que era necessário mostrar a seus discípulos qual deve ser normalmente o tema e o método de sua oração. Não se trata de que estejamos presos a usar sempre uma mesma oração, porém, sem dúvida alguma, é muito bom orar segundo um modelo. Dizer muito em poucas palavras; pode ser utilizado em forma aceitável, mas com entendimento e sem vãs repetições. Seis são as petições; as primeiras três se relacionam mais expressamente a Deus e sua honra; as outras três, às nossas preocupações temporais e espirituais. Esta oração nos ensina a buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas as demais coisas nos serão acrescentadas. Depois das coisas da glória, do reino e da vontade de Deus, oramos pelo sustento e consolo necessários à vida presente.

Aqui, cada palavra contém uma lição. Pedimos pão; isso nos ensina sobriedade e temperança: e só pedimos pão, e não o que não necessitamos. Pedimos por nosso pão; isto nos ensina honestidade e trabalho; não devemos pedir o pão dos demais, nem o pão do engano, (Pv 20.17) nem o pão do ócio, (Pv 31.27), mas o pão honestamente obtido. Pedimos por nosso pão diário, o que nos ensina a depender constantemente da providência divina. Rogamos a Deus que no-los dê, não que o venda nem o empreste, mas que nos dê. o maior dos homens deve dirigir-se à misericórdia de Deus para que tenha o seu pão diário. oramos: "Dá-nos". Isto nos ensina compaixão pelos pobres. Também que devemos orar com nossa família. oramos pedindo que Deus nos dê o necessário para este dia, o que nos ensina a renovar os desejos de nossas almas quanto a Deus, como são renovadas as necessidades de nossos corpos. Ao amanhecer o dia, devemos orar a nosso Pai celestial e reconhecer que poderíamos passar o dia muito bem sem comida, mas não sem oração. Nos é ensinado a odiar e aborrecer o pecado enquanto esperamos misericórdia, a não confiar em nós mesmos e a confiar na providência e na graça divinas, para que Ele nos impeça de pecar, e a estarmos preparados para resistir ao tentador, e não nos tornarmos tentadores dos demais.

Aqui há uma promessa. Se perdoares, também teu Pai celestial te perdoará. Devemos perdoar porque esperamos ser perdoados. os que desejam alcançar misericórdia de Deus, devem mostrar misericórdia a seus irmãos. Cristo veio ao mundo como o grande pacificador, não só para nos reconciliar com Deus, mas também uns com os outros.

Vv. 16-18. O jejum religioso é um dever requerido aos discípulos de Cristo, porém não é tanto um dever em si mesmo, mas como meio para nos dispormos para outros deveres. Jejuar é humilhar a alma, (Sl 35.13), e esta é a face interna do dever; portanto, que seja teu principal interesse. E quanto à face externa, não permita que seja vista cobiça. Deus vê em secreto, e te recompensará em público.

Vv. 19-24. A mentalidade mundana é sintoma fatal e comum da hipocrisia, porque por nenhum pecado Satanás pode ter um suporte mais seguro e mais firme na alma, do que sob o manto de uma profissão de fé. A alma terá de enxergar algo como sendo o melhor naquilo em que se compraz e confia, acima de todas as demais coisas. Cristo nos aconselha que tenhamos como nossas melhores coisas os gozos e as glórias do mundo porvir; as coisas que não se vêem, que são eternas e que depositemos a nossa felicidade nelas. Há tesouros no céu. A nossa sabedoria é colocar toda diligência para assegurar nosso direito à vida eterna por meio de Jesus Cristo, e ver todas as coisas daqui da terra como indignas de serem comparadas com aquelas, e a não nos contentarmos com nada menos do que elas. É uma felicidade superior e mais além das mudanças e dos infortúnios do tempo; é uma herança incorruptível.

O homem mundano erra em seu primeiro princípio; portanto, todas as suas argumentações e ações que daí surgem devem ser más. Isto se aplica igualmente à falsa religião: o que é considerado luz, é a escuridão mais densa. Este é um exemplo espantoso, mas comum; portanto devemos examinar cuidadosamente nossos princípios e diretrizes à luz da Palavra de Deus, pedindo em oração fervorosa o ensino de seu Espírito. Um homem pode servir um pouco a dois senhores, mas somente pode consagrar-se ao serviço de um destes.

Deus requer todo o coração, e não o compartilhará com o mundo. Quando dois senhores se opõem entre si, nenhum homem pode servir a ambos. Ele se apega e ama o mundo, e deve desprezar a Deus; o que ama a Deus deve abandonar a amizade do mundo.

Vv. 25-34. Dificilmente há um outro pecado contra o qual o nosso Senhor Jesus Cristo advirta mais seus discípulos do que as preocupações inquietantes, desconfiadas e que distraem a atenção pelas coisas desta vida. Às vezes isto serve como armadilha ao pobre, tanto como o amor à riqueza, no caso do rico. É nosso dever não nos preocuparmos demasiadamente com as coisas temporais, e não devemos levar a um extremo estas preocupações que são lícitas. Não andeis inquietos por vossa vida, nem pela extensão dela, mas dedicando-a a Deus para que a prolongue ou abrevie de acordo com a sua vontade. Nossos tempos estão em suas mãos, e estão em boas mãos. Não vos apegueis nem mesmo ao conforto desta vida; deixe que Deus a amargue ou a adoce segundo a sua vontade. Deus nos tem prometido a comida e as vestes, portanto podemos esperá-los.

Não penseis no amanhã, nos dias vindouros. Não vos inquieteis pelo futuro, como vivereis o próximo ano, ou a velhice, ou o que deixareis como herança. Assim como não devemos presumir de nós mesmos sobre o amanhã, assim também não devemos nos preocupar pelo amanhã ou por seus acontecimentos. Deus nos tem dado a vida, e nos tem dado o corpo. E o que não poderia fazer por nós aquEle que fez isto? Se nos preocupamos com nossas almas e com a eternidade, que são mais do que o corpo e esta vida, podemos deixá-las nas mãos de Deus, que nos proverá a comida e o vestido, que são menos importantes.

Consideremos isto como exortação a confiarmos em Deus. Devemos nos conformar com nosso património no mundo, assim como o fazemos com nossa estatura. Não podemos alterar as disposições da providência; portanto, devemos nos submeter e nos resignar a elas. o cuidado considerado por nossas almas é o melhor remédio para os cuidados que preocupam o mundo. Buscai primeiro o reino de Deus, e fazei da religião a vossa ocupação. Não digais que este é o modo de tornar-se faminto; esta é a maneira de estar bem abastecido, mesmo neste mundo.

A conclusão de todo o assunto é que a vontade e o mandamento do Senhor Jesus, é que através das orações diárias possamos obter forças para nos sustentarmos sob os nossos problemas cotidianos, e nos armarmos contra as tentações que os acompanham, e não deixarmos que nenhuma destas coisas nos comovam.

Bem-aventurados os que tomam o Senhor como seu Deus, e dão plena prova disto, confiando-se totalmente à sua sábia disposição. Que teu Espírito nos dê convicção do pecado na necessidade dessa disposição, e retire de nossos corações tudo aquilo que for mundano.