Estudo sobre Mateus 4:1-25

Mateus 4:1-25

AS TENTACÕES DE CRISTO


4:1-11 Há algo do qual devemos tomar nota cuidadosamente ao iniciar nosso estudo das tentações de Jesus, ou seja, o significado da palavra tentar. A palavra grega é peirazein. Em português o significado mais comum para tentar é o de seduzir a alguém para que faça o mal, arrastá-lo ao pecado, procurar persuadi-lo para que escolha o caminho equivocado. Mas em realidade, sua acepção principal, embora pouco usual, é, o mesmo que em grego pôr à prova, mais que tentar, no sentido comum. Uma das grandes histórias do Antigo Testamento é a de como Abraão quase chega ao ponto de sacrificar o seu filho Isaque. Esta história começa da seguinte maneira: "Depois dessas coisas, pôs Deus Abraão à prova" (Gênesis 22:1). Aqui temos um exemplo do significado da palavra tentar, à luz de como a Bíblia o entende.

Não se trata, evidentemente, de buscar seduzir a alguém para que faça o mal. É inconcebível que Deus queira converter a alguém em um ateliê do mal, que ele seja agente da transformação de um crente em pecador. Por isso se trata de "pôr a prova" ou "provar". Tinha chegado o momento de submeter a lealdade de Abraão a uma prova transcendental. Assim como o metal deve ser provado antes de usar-se na confecção de uma ferramenta, para ver se será capaz de suportar as tensões e esforços que deverá resistir, o ser humano deve ser posto à prova antes que Deus possa usá-lo para o cumprimento de seus propósitos. Os judeus tinham a seguinte afirmação: "O Santo – bendito seja o seu Nome – não eleva a ninguém ao nível de dignidade que lhe está reservado sem antes tê-lo provado e examinado; se suportar a tentação, só então lhe confere a dignidade."

Estamos diante de uma grande e consoladora verdade. O que nós denominamos tentação não tem o propósito de nos fazer pecar, mas o de fazer que conquistemos o pecado. Não se propõe a nos transformar em homens maus, mas em homens bons. Não tem como objetivo nos debilitar, e sim fazer que surjamos da prova mais fortes, puros e valiosos. A tentação não é um castigo de nossa condição humana, e sim a glória de ser homens. É a prova que sobrevém ao homem que Deus quer usar. De maneira que devemos pensar neste incidente ou na experiência de Jesus não tanto como sua tentação mas sim como sua provação.

Além disso, devemos tomar nota do lugar onde ocorre a prova. Tratava-se do deserto. Entre Jerusalém, que se levantava na meseta central, espinha dorsal da Palestina, e o Mar Morto, estende-se o deserto. O Antigo Testamento o denomina Jesimom, que significa "a devastação", um nome extremamente adequado. Cobre uma superfície de 52 quilômetros por 25 quilômetros. Sir George Adam Smith, que viajou por esta região, descreve-a vividamente. É uma zona de areia amarela, pedra calcária despedaçada e resíduo. É uma região geológica retorcida, onde as nervuras e estratos se contorcem e curvam em todas direções, como se a pedra tivesse sido submetida a terríveis pressões. As serras são como montões de pó, a pedra calcária está empolada e cortada, as rochas estão nuas e trincadas; em muitos lugares os passos, ou o golpe das patas do cavalo sobre o chão, soam de forma oca. O ar treme e fumega pelo calor, como em um enorme forno. Ao aproximar-se do Mar Morto, repentinamente, produz-se um descida vertical de 400 metros, uma espécie de escarpado pedregoso de rocha calcária, pederneira, cheio de gretas e precipícios, até chegar à costa marinha. Nesse deserto Jesus podia estar mais só que em nenhum outro lugar da Palestina. Jesus foi ao deserto para estar sozinho. Tinha-lhe sido encomendada sua tarefa; Deus lhe tinha falado; agora devia pensar como cumpriria a missão que Deus lhe havia encomendado; devia organizar seus planos antes de começar sua obra; tinha necessidade de estar sozinho.

É bem possível que com muita freqüência as coisas nos saiam mal simplesmente porque não procuramos estar sozinhos. Há certas coisas que devem refletir-se na solidão. Há momentos em que o conselho de outros não serve para nada. Há momentos quando a pessoa deve deixar de agir e ficar a pensar. É possível que a maioria dos enganos que cometemos se devam ao fato de que não nos damos a oportunidade de estar sozinhos com Deus.

Cf. Esboço e Sumário do Evangelho de Mateus
Cf. Características Judaicas do Evangelho de Mateus

A HISTÓRIA SAGRADA

4:1-11 (continuação) Ainda devem anotar-se outros elementos antes de proceder ao estudo detalhado da história das tentações.

(1) Os três autores dos evangelhos sinóticos sublinham o fato de que as tentações seguiram imediatamente ao batismo. Marcos diz: "E logo o Espírito o impeliu para o deserto" (Marcos 1:12). Uma das grandes verdades da vida é que depois de cada momento de glória se produz um momento de reação e sempre nessa reação está o perigo maior. Isto é o que ocorreu ao Elias. Com extraordinária coragem Elias, em total solidão, enfrentou e derrotou os profetas do Baal no Monte Carmelo (1 Reis 18:17-40). Esse foi o grande momento de coragem e testemunho de Elias. Mas a matança dos profetas do Baal provocou a ira da malvada Jezabel, e esta ameaçou tirar-lhe a vida. "Temendo, pois, Elias, levantou-se, e, para salvar sua vida, se foi, e chegou a Berseba..." (1 Reis 19:3). O homem que tinha enfrentado intrepidamente a todos os que lhe puseram pela frente fugia, agora, açoitado pelo terror. Tinha chegado o momento da reação. Sempre, depois de algum grande momento, de alguma grande experiência, sobrevém o momento da reação. Pareceria ser uma das leis de nossa vida que quando nosso poder de resistência chegou a um de seus pontos máximos, produz-se uma queda em cadeia que o leva a um até o mais baixo ponto. O tentador, cuidadosa, sutil e habilmente escolheu este momento para atacar a Jesus. Convém-nos estar em guarda depois daquelas oportunidades em que a vida nos levou a um de nossos momentos cúspides, porque é então quando estamos no maior perigo de cair ao abismo.

(2) Não devemos pensar que esta experiência de Jesus foi uma experiência exterior. Foi um conflito que se travou em seu interior, em seu coração, mente e alma. A prova disto é que não existe uma montanha de onde possam ver-se todos os reino da Terra. Trata-se de um conflito interior. Mediante nossos pensamentos e desejos mais secretos é como o tentador chega até nós. Seu ataque vai dirigido a nossas mentes. É certo que o ataque pode chegar a ser tão real para nós que quase nos pareça que o Diabo está frente a nós. Até hoje pode ver-se a mancha do tinteiro que se estrelou contra uma parede no castelo do Wartburgo, na Alemanha, quando Lutero viu o Diabo que tinha vindo para tentá-lo. Mas o poder do Diabo consiste precisamente em que é capaz de penetrar nossas defesas exteriores e nos ataca na própria intimidade de nossos espíritos. Encontra seus aliados e suas armas em nossos pensamentos e desejos mais íntimos.

(3) Não devemos pensar que nesta única campanha Jesus derrotou definitivamente ao Demônio, e que este nunca mais voltou a assediá-lo, O tentador voltou a atacá-lo em Cesaréia de Filipe quando Pedro procurou dissuadi-lo de tomar o caminho da Cruz, ocasião em que teve que repetir as mesmas palavras com que tinha derrotado a Satanás no deserto: "Sai de diante de mim, Satanás!" (Mateus 16:23, TB). Ao terminar o dia Jesus pôde dizer a seus discípulos: "Vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações" (Lucas 22:28). E nunca em toda a história houve outra luta contra a tentação comparável a que Jesus travou no Getsemaní, quando o Demônio tentou fazê-lo abandonar o caminho da Cruz (Lucas 22:32-44). "A vigilância eterna é o preço da liberdade." Na luta do cristão não há trégua. Às vezes os crentes se preocupam porque pensam que deveriam chegar-se a uma etapa na qual estivessem além da tentação, uma etapa em que o poder do tentador tenha sido derrotado definitivamente. Jesus nunca chegou a essa etapa. Teve que lutar sua batalha desde o começo até o final do dia; é por isso que pode nos ajudar a travar nossas batalhas.

(4) Há algo que se sobressai nesta história – as tentações que aqui se descrevem são tais que só podiam sobrevir a alguém que possuía poderes muito especiais e sabia que os possuía. Sanday descreve as tentações como "o problema do que fazer com os poderes sobrenaturais". As tentações que assaltam a Jesus são tentações que só podiam ter atacado a alguém que sabia que era capaz de fazer coisas maravilhosas. Sempre devemos recordar que somos tentados em nossos dons. A pessoa que está dotada de atrativo será tentada a usar esse dom para "sempre fazer sua própria vontade". A pessoa dotada do poder de usar habilmente as palavras será tentada a usar seu domínio da linguagem para justificar de maneira enganosa seu comportamento. A pessoa que possui uma imaginação vívida e delicada deverá suportar a agonia de tentações que uma pessoa menos sensível jamais sofrerá. A pessoa que possui grandes dotes intelectuais será tentada a usar essas dotes para seu próprio benefício e não para servir a outros, para converter-se em amo e não em servo dos homens. Um dos aspectos mais sombrios da tentação é que precisamente é em nossos pontos fortes, e não em nossas debilidades, onde mais cuidado devemos exercer.

(5) Ninguém pode ler esta história sem lembrar de um detalhe importante a respeito dela – que sua fonte não pode ter sido outra pessoa senão o próprio Jesus. No deserto estava sozinho. Ninguém o acompanhava quando travou esta batalha. E conhecemos a história graças ao fato de que Jesus deve tê-la contado a seus discípulos. Aqui temos o próprio Jesus que nos narra sua própria autobiografia espiritual. Devemos nos aproximar desta história com uma reverência particular e única, porque nela Jesus nos está despindo seu coração e sua mais íntima espiritualidade. Está dizendo aos homens que provas precisou suportar. É a mais sagrada de todas as histórias sobre Jesus, e nela Jesus nos está dizendo que está em condições de ajudar a todos os que sejam tentados, porque ele mesmo precisou suportar a tentação mais atroz. Abre o véu que ocultava seus conflitos mais profundos para nos ajudar em nossos conflitos.

O ATAQUE DO TENTADOR

4:1-11 (continuação) O tentador lançou seu ataque contra Jesus recorrendo a três linhas ofensivas, e em cada uma delas havia uma certa inevitabilidade.

(1) Uma das tentações foi a tentação de transformar pedras em pão. O deserto estava coberto de pedras calcárias, consideráveis dimensões, exatamente da forma e do tamanho de pequenos pedaços de pão. As pedras por si mesmas teriam sugerido a tentação a Jesus. Era a tentação a que Jesus usasse seus poderes de modo egoísta, para seu próprio benefício. E isto é precisamente o que sempre se negou a fazer.

Constantemente enfrentamos a tentação de usar de forma egoísta os poderes que Deus nos deu. Deus deu um dom a cada ser humano, e cada ser humano pode expor uma ou duas perguntas a respeito.

Pode perguntar-se: Como posso aproveitar este dom para me beneficiar a mim mesmo? Ou: Como posso usar este dom em benefício de outros? Este tipo de tentação pode provir da coisa mais singela. Uma pessoa pode possuir, por exemplo, uma bela voz para cantar. Se este for o caso, poderá "tirar proveito" e negar-se a cantar a menos que seja pago para fazê-lo. Nada se opõe a que alguém use comercialmente sua voz para o canto, mas há muito boas razões para que alguém com boa voz não cante somente por dinheiro. Não há homem ou mulher que não se sinta tentado alguma vez em sua vida a usar de modo egoísta os dons que recebeu de Deus.

Mas há outro aspecto desta mesma tentação. Jesus era o Messias de Deus e sabia. No deserto enfrentou a decisão de escolher os métodos que usaria para ganhar os homens para Deus. Como cumpriria a tarefa que Deus lhe tinha encomendado? Como faria para converter a visão em realidade e o sonho em ação? Um modo de persuadir os homens para que o seguissem era dar-lhes pão, dar-lhes bens materiais. Não teria a história justificado este método? Não tinha Deus dado a seu povo o maná, no deserto? Não havia dito Deus: "farei que chova pão do céu para vós"? Não incluíam esta fantasia as visões da futura idade dourada? Não havia dito Isaías: "não terão fome nem sede" (Isaías 49:10)? Não era o banquete messiânico um dos elementos mais freqüentes dos apocalipses que proliferaram no período intertestamentário? Se Jesus tivesse querido dar pão aos homens, não teria faltado justificação.

Mas dar pão aos homens teria sido um duplo engano. Em primeiro lugar, teria equivalido a subornar os homens para que o seguissem. Tivesse sido persuadi-los a segui-lo pelos benefícios que podiam receber dEle, e a única recompensa que Jesus podia oferecer era uma cruz. Veio para chamar os homens a uma vida de dádiva e não de benefícios. Subornar os homens com bens materiais teria equivalido a negar tudo o que Ele devia dizer; teria equivalido, em último termo, a invalidar os propósitos de sua vinda. Em segundo lugar, teria sido eliminar os sintomas sem enfrentar a enfermidade.

Os homens têm fome. Mas o problema é: Por que têm fome? É por causa de sua própria estupidez, ociosidade ou descuido? ou é porque alguns de forma egoísta possuem muito enquanto que a maioria possui muito pouco? A única forma verdadeira de eliminar a fome é eliminar as causas que provocam a fome e estas causas estão enraizadas na alma do homem. Além disso, há uma fome espiritual que nenhuma comida material jamais pode chegar a satisfazer. De modo que Jesus responde ao tentador com as mesmas palavras que expressam a lição que Deus quis ensinar a seu povo quando peregrinava pelo deserto: "Não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor viverá o homem" (Deut. 8:3). A única maneira de possuir uma satisfação plena é aprender a depender totalmente de Deus.

(2) De maneira que o tentador voltou ao ataque por outro ângulo. Em uma visão levou a Jesus até a parte mais alta do templo. O templo estava construído sobre o Monte Sião. A cúpula do Monte Sião estava nivelada de tal maneira que formava uma meseta, e sobre esta extensão se levantavam os edifícios do templo. Havia uma esquina, onde se encontravam o pórtico do Salomão e o pórtico Real; de onde as paredes impregnam uns cento e cinqüenta metros, para o vale do rio Cedrom.

Por que Jesus não tentava subir a essa altura e jogar-se no precipício, chegando ao vale do Cedrom sem sequer machucar os pés? Este milagre faria com que os homens O seguissem. Sobre o teto do templo todas as manhãs havia um sacerdote que subia especialmente para esperar ali que brilhassem os primeiros raios do sol por sobre as serras do Hebrom, e então fazia soar uma trombeta que anunciava que tinha chegado o momento do sacrifício matutino. Não podia Jesus subir a esse mesmo lugar, saltar ao pátio interior do templo e fazer com que os espectadores o seguissem por Sua façanha maravilhosa? "De repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais" (Mal. 3:1). Não havia uma promessa no Antigo Testamento, segundo a qual os anjos de Deus sustentariam o homem de Deus com suas mãos, para que não lhe sobreviesse mal algum? (Salmo 90:11-12).

Este era exatamente o método que propunham os falsos messias que continuamente surgiam na Palestina por aqueles tempos. Teudas tinha levado uma multidão até o Jordão e lhes tinha prometido que partiria em duas as águas do rio para demonstrar seu caráter do Messias. O famoso pretendente egípcio (Atos 21:38) tinha prometido que tombaria as paredes de Jerusalém com apenas pronunciar uma palavra. Simão, o Mago, tinha prometido voar e morreu pelo golpe quando tentou fazê-lo. Estes usurpadores tinham devotado realizar ações que não estavam em condições de executar. Jesus podia fazer algo que quisesse prometer. Que razão havia para que não o fizesse?

Há pelo menos duas boas razões pelas que Jesus não escolheu este curso de ação. Em primeiro lugar, quem escolheu atrair a lealdade dos homens mediante ações maravilhosas, oferecendo a eles experiências sensacionais, adotou um método sem futuro algum. A razão é muito simples. Para conservar seu poder deve produzir ações cada vez mais sensacionais. As maravilhas espetaculares são pão para hoje e fome para amanhã. A sensação deste ano é o lugar comum do ano que vem. Um evangelho que se baseia na realização de portentos está condenado ao fracasso desde o começo.

Em segundo lugar, essa não é maneira de usar os poderes divinos. "Não tentarão ao Senhor teu Deus" (Deut. 6:16). Isto é exatamente o que Jesus queria dizer. Não tem sentido provar a Deus para ver até onde o pode obrigar a agir. É um engano a gente mesmo colocar-se em uma situação extrema de perigo, fazê-lo por nada, sem necessidade alguma, e esperar que Deus venha em auxílio. Deus espera que qualquer ser humano aceite riscos quando se trata de ser fiel a seu mandato, mas não que alguém procure o risco para enaltecer seu próprio prestígio. A fé que depende de maravilhas e sinais não é uma autêntica fé. Se a fé não pode acreditar sem recorrer às sensações não é verdadeiramente fé, mas sim dúvida que quer provas e que as busca equivocadamente. O socorro divino não é um poder com o que possa jogar-se e experimentar, é algo em que se deve confiar sem gritaria ao longo de toda a nossa vida cotidiana.

Jesus rechaçou o caminho do sensacionalismo, porque sabia que era uma maneira segura de fracassar em sua empresa – e ainda o segue sendo –, porque desejar a demonstração extraordinária do poder maravilhoso de Deus é desconfiar de Deus e não ter fé nEle.

(3) De maneira que o tentador tentou sua terceira linha de ataque. Jesus tinha vindo para salvar o mundo, e em sua mente lhe apresentou a imagem de todo o mundo. A voz do tentador lhe disse: "Tudo isto te darei se prostrado me adorares." Não havia dito o mesmo Deus a seu escolhido: "Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão" (Salmo 2:8). O que o tentador estava dizendo a Jesus era "Entremos em acordo! Vamos nos entender cá entre nós! Não faça com que suas demandas e exigências sejam muito elevadas. Permita que seja possível conciliar seu prédica com a dose inevitável de mal e engano, e então você conseguirá com que os homens O sigam em multidões." A tentação, neste caso, consistia em comprometer a pureza do evangelho em vez de apresentar sem atenuante algum as exigências de Deus para o mundo. Era a tentação de procurar avançar começando com uma retirada, de tentar trocar o mundo fazendo-se como o mundo.

A réplica de Jesus não demorou para fazer-se ouvi. “Ao SENHOR, teu Deus, temerás, a ele servirás” (Deut. 6:13). Jesus estava plenamente seguro de que jamais poderemos derrotar o mal, começando a fazer concessões ao mal. Deste momento em diante estabeleceu o caráter insubornável da fé cristã. O cristianismo não pode descer até o nível do mundo, deve elevar o mundo a seu próprio nível. Nenhuma outra forma de emparelhar a situação se demonstrará satisfatória e efetiva.

De modo que Jesus tomou sua decisão. Decidiu que nunca subornaria os homens para O seguirem; decidiu que o seu não seria um caminho de sensacionalismos; decidiu que não podia comprometer com o mal a mensagem que pregava ou a fé que demandava como resposta a essa mensagem. Esta escolha significava inevitavelmente a cruz, mas a cruz, com a mesma inevitabilidade, significava também a vitória final.

Cf. Data e Lugar da Escrita do Evangelho de Mateus
Cf. Origem do Evangelho de Mateus

O FILHO DE DEUS INICIA SEU MINISTÉRIO

4:12-17 Não passou muito tempo antes que João fora vitima da repressão do Herodes. Foi detido e encarcerado no Castelo do Masuero por ordem do rei. Seu crime consistia em ter acusado publicamente a Herodes de ter seduzido a mulher de seu irmão tornando-a em sua esposa, depois de ter eliminado a esposa que tinha. Nunca foi tarefa fácil denunciar os pecados de um déspota oriental, e a coragem do João lhe valeu primeiro a prisão e depois a morte. Mais adiante veremos os detalhes desta história que Mateus não nos apresentará até o capítulo 14 (3-12).

Para isto Jesus significava que tinha chegado o momento de dar começo a seu ministério.

Destaquemos qual a primeiro coisa que fez. Abandonou Nazaré e fixou sua residência na cidade de Cafarnaum. Este passo tinha um significado simbólico. Naquele momento Jesus saiu de sua casa e nunca mais voltaria a viver nela. É como se tivesse fechado a porta que deixava às suas costas antes de abrir a que tinha pela frente. Era o corte definitivo entre o velho e o novo. Na vida se apresentam às vezes esses momentos de decisão. Sempre é melhor enfrentá-los com coragem e não ser paralisado pela indecisão. Tomemos nota do lugar para onde se dirigiu Jesus. Cafarnaum é uma cidade da Galiléia. Quando Jesus foi a Galiléia para iniciar sua missão e ministério sabia perfeitamente bem o que estava fazendo. Galiléia era a região mais setentrional da Palestina. Estendia-se do rio Litania, no norte, até a planície de Esdralom, no sul. Sobre o oeste não chegava até o Mediterrâneo porque a margem costeira era posse dos fenícios. Seu limite nordeste era Síria; e pelo este limitava com o Mar da Galiléia. Galiléia não era uma região muito grande. Estendia-se somente uns oitenta quilômetros do norte ao sul e uns quarenta de leste a oeste.

Mas apesar de seu escasso território, Galiléia estava densamente povoada. Era sem lugar a dúvida a zona mais fértil da Palestina; sua fenomenal fertilidade era proverbial. Um dito popular dizia que era mais fácil criar uma legião de oliveiras na Galiléia que um só menino na Judéia. Josefo, que em uma época foi governador da província, diz: "É uma zona de terra e pastos muito ricos, que produz toda variedade de árvores e de tal modo fértil que convida até aos menos inclinados à agricultura a se dedicarem a trabalhá-la; toda sua extensão está cultivada; em nenhuma parte se encontra terra ociosa e em todas é produtiva." O resultado disto era que a Galiléia, apesar de suas reduzidas dimensões, alojava uma população considerável. Josefo nos diz que em sua época havia nessa região duzentas e quatro vilas, e que nenhuma tinha menos de quinze mil habitantes. De modo que Jesus iniciou sua missão naquela parte da Palestina onde havia mais gente para ouvi-Lo. Começou sua missão em uma zona onde pululavam os homens e mulheres a quem ia dirigida a proclamação do evangelho.

Mas Galiléia não era somente uma região superpovoada; o povo que nela habitava era de uma classe particular. De todas as partes da Palestina a Galiléia era a que estava mais aberta às novas idéias. Josefo diz em relação aos galileus: "Sempre se entusiasmavam com inovações e por natureza estavam predispostos à mudança. Adoravam as rebeliões." Sempre estavam dispostos a seguir a algum novo cabeça e a começar alguma insurreição. Eram famosos pelo irascível de seu temperamento e pela facilidade com que brigavam. Entretanto, apesar de tudo, eram extremamente generosos e cavalheirescos. "Os galileus nunca tiveram falta de coragem", diz Josefo. "A covardia nunca foi uma de suas características." "Sempre aspiraram manter no alto sua honra em vez de obter lucros." As características inatas dos galileus os transformavam no terreno mais fértil possível para o novo evangelho que devia ser pregado a eles.

Esta abertura às idéias novas era a conseqüência de certos fatos:

(1) A palavra Galiléia provém do hebreu galil que significa "círculo". O nome completo desta região era "Galiléia de (vos Gentis". Plummer acredita que esta expressão significa "Galiléia pagã". Mas em realidade o significado provém do fato de que Galiléia estava virtualmente rodeada por pagãos, seus vizinhos sobre o oeste eram os fenícios. Para o norte e o este se encontravam os sírios. E até para o sul estava o território dos samaritanos. Galiléia era, em realidade, a única parte da Palestina que estava constantemente e de maneira inevitável em contato com as influências e idéias não judias. Estava necessariamente aberta a novas idéias de um modo mais acentuado que qualquer outra região da Palestina.

(2) As grandes rotas do mundo atravessavam Galiléia, tal como o assinalávamos quando refletimos sobre a cidade do Nazaré. O Caminho do Mar atravessava Galiléia, proveniente de Damasco, e conduzia para o Egito e África. O Caminho ou Rota do Este passava pela Galiléia em direção para as fronteiras mais distantes do mundo conhecido. O trânsito do mundo inteiro atravessava Galiléia. Para o sul, Judéia está encaixada em um rincão, isolada e encerrada. Como muito bem se disse: "Judéia não está no caminho a nenhuma parte, Galiléia está em caminho a todas partes." Judéia poderia ter erigido um muro e deixar fora toda influência estrangeira e toda idéia nova. Galiléia nunca tivesse podido fazer tal coisa. Galiléia era o lugar onde muito em breve se recebia todo o novo.

(3) A posição geográfica da Galiléia tinha afetado sua história. Uma e outra vez tinha sido invadida e conquistada, e as ondas de povos mais aguerridos tinham atravessado freqüentemente seu território, cobrindo-o às vezes como um mar. Originalmente era a zona que correspondia às tribos de Aser, Naftali e Zebulom, quando os israelitas ocuparam pela primeira vez o território (Josué 9), mas estas tribos nunca conseguiram expulsar totalmente aos primitivos habitantes cananeus.

Desde o começo a população da Galiléia foi uma mescla de raças. Mais de uma vez as invasões de povos estrangeiros tinham atravessado seu território, do norte e o este, provenientes de Síria, e durante o século VIII antes de Cristo os assírios a incluíram em seu território, transportando ao exílio à maioria de sua população estável e repovoando-a com estrangeiros, inevitavelmente isto significou uma poderosa injeção de sangue estrangeiro na composição étnica da Galiléia. Do século VIII até o II antes de Cristo pertenceu, a maior parte do tempo, a governos pagãos. Quando os judeus retornaram do exílio, baixo Esdras e Neemias, muitos dos galileus se transladaram ao sul, para viver em Jerusalém.

Em 164 A.C. Simão Macabeu expulsou aos sírios da Galiléia, obrigando-os a reconcentrar-se sobre seu próprio território, e em seu caminho de volta levou consigo a Jerusalém à remanescente de quão judeus tinham ficado na Galiléia. O mais surpreendente é que em 104 A.C. Aristóbulo reconquistou Galiléia para a nação judia, e obrigou a todos os residentes dessa região a circuncidar-se, convertendo-os assim em judeus, gostassem ou não. A história tinha obrigado a Galiléia a permanecer aberta às novas correntes de sangue, à novas idéias e às novas influências.

As características naturais dos galileus e a preparação da história tinham transformado a Galiléia no lugar onde um novo mestre com uma nova doutrina tinha todas as oportunidades possíveis de ser escutado pela maioria. Ali foi onde Jesus iniciou sua missão e anunciou pela primeira vez sua mensagem.

Cf. Escritor do Evangelho de Mateus
Cf. Conteúdo do Evangelho de Mateus

O ARAUTO DE DEUS

4:12-17 (continuação) Antes que demos por bem lida esta passagem há outros aspectos de seu conteúdo que precisam ser sublinhados.

Jesus foi à cidade do Cafarnaum. O nome correto desta localidade é Cafarnaum; a forma Cafarnaum não aparece em nenhum texto até o século V de nossa era, mas está tão indelevelmente fixada em nossas fontes e lembranças que provavelmente o melhor seja não tentar trocá-la, mesmo que Cafarnaum seja o mais correto.

Houve muitas discussões em relação à localização exata desta cidade. Foram sugeridos dois lugares diferentes. A identificação mais corrente e provavelmente a mais correta de Cafarnaum é com o Tell Hum, que está a oeste do extremo norte do Mar da Galiléia. A alternativa, menos provável, é que Cafarnaum seja Khan Minyeh, lugar situado a uns quatro quilômetros ao sudoeste do Tell Hum. De todos os modos, na atualidade não ficam mais que ruínas do lugar onde Cafarnaum possivelmente tenha existido.

Um dos costumes de Mateus era encontrar no Antigo Testamento qualquer tipo de referência que pudesse servir como profecia de algum fato da vida de Jesus. Em relação com esta passagem encontra uma "profecia" no Isaías 9:1-2. De fato, estamos aqui ante outra dessas profecias que Mateus violenta, ao arrancar a de seu contexto e usá-la a seu modo, totalmente fora do que para nós seria correto. É uma profecia que dota da época do reino de Sarda. Naqueles dias as partes setentrionais dá a Palestina, incluindo Galiléia, tinham sido despojados pelos exércitos invasores dos assírios. Tratava-se originalmente da profecia da liberação que mereceriam alguma vez os territórios conquistados. Mateus vê nela uma profecia da luz que Jesus teria que derramar sobre estas regiões.

Por último, Mateus nos oferece um resumo, em poucas linhas, da mensagem que trazia Jesus, As versões correntes dizem que Jesus começou a "pregar". A palavra "pregar" correu bastante má sorte na evolução do idioma; é uma desgraça que para muitos seja um sinônimo de "aborrecer". A palavra grega é Keruxia, que significa a proclamação que faz o arauto antes da chegada do rei. Kérux é o termo grego que designa ao arauto, e o arauto era o homem encarregado de trazer mensagens diretamente do rei e anunciá-los ao povo.

Esta palavra nos diz algo em relação às características da pregação de Jesus, que deveriam estar presentes em toda pregação.

(1) O arauto tinha em sua voz uma nota de certeza. Não podia duvidar-se de sua mensagem. Não vinha com possivelmente, provavelmente e pode ser. Vinha com uma mensagem certa e indisputável. Goethe disse: "me fale de suas certezas, para dúvidas já tenho suficientes com as minhas." A pregação é a proclamação de certeza, e ninguém pode transmitir a outros a certeza daquelas coisas das que ele mesmo duvida.

(2) O arauto levava em sua voz uma nota de autoridade. Falava em nome do rei; pronunciava e anunciava a lei que o rei tinha ditado, as ordens que tinha repartido e as decisões que desejava comunicar. Como disse respeito de certo grande pregador: "Não adivinhava, sabia." A pregação, tal como o assinalou, é a aplicação da autoridade profética à situação atual.

(3) A mensagem do arauto provinha de uma origem se localizado além dele. Emanava do rei. A pregação fala a partir de uma fonte que não é o pregador. Não é a expressão das opiniões pessoais de um homem; é a voz de Deus que se transmite através de um homem a outros homens. Jesus falou com os homens com a voz de Deus.

A mensagem de Jesus consistia em uma ordem que era a conseqüência iniludível da nova situação exposta Por Deus. "Arrependei-vos", dizia. "lhes volte de seus caminhos, lhes volte para Deus. Levantem seus olhares do chão e olhem ao céu. Dêem marcha atrás, deixem de lhes afastar de Deus e comecem a ir para ele. Este mandamento se tornou urgentemente necessário, porque o Reino de Deus estava a ponto de iniciar-se. A eternidade tinha invadido o tempo. Deus tinha invadido a Terra em Jesus Cristo, e portanto era de tremenda importância para todos saber escolher o bando correto e saber andar na direção correta.

CRISTO CHAMA OS PESCADORES

4:18-22 Toda Galiléia tinha como centro o mar que leva seu nome, o qual tinha vinte quilômetros de comprimento, do norte ao sul, e treze quilômetros de largura, deste o oeste. O mar da Galiléia, portanto, é pequeno, e é interessante assinalar que Lucas, o gentio, que tinha visto muito mais mundo que os outros apóstolos, nunca o chama mar a não ser "lago". Tem forma ovalada, sendo mais largo para o norte que para o sul. Ocupa essa enorme depressão da casca terrestre por onde também corre o rio Jordão. A superfície do Mar desta Galiléia a uns duzentos metros por debaixo do nível do mar. O fato de que ocupe este afundamento na superfície do planeta lhe confere um clima muito quente e faz que os campos que o rodeiam sejam extraordinariamente férteis. É um dos lagos mais bonitos do mundo.

W. M. Thompson o descreve: "Vista desde qualquer das alturas que o rodeiam parece uma fina lâmina de água – um espelho polido, emoldurado por uma cadeia de serras arredondadas e ásperas montanhas que se elevam e parecem ir rodando até o ponto onde o Hermom serve como gancho, encravado na abóbada azul do céu, para que dele pendure toda a paisagem." Na época do Josefo havia não menos de nove cidades populosas sobre as bordas do Mar da Galiléia. Em 1930, quando H. V. Morton visitou esta região, somente restava ficava Tiberíades, e esta não era mais que uma pequena vila.

Na época de Jesus no Mar da Galiléia pululavam os navios de pesca. Josefo, em certa expedição, não teve dificuldade em reunir duzentos e quarenta navios para fazê-los zarpar da Tariquea carregados de tropa. Mas na atualidade quão pescadores ficam são poucos, e estão muito espaçados.

Havia três métodos de pesca. Pescava-se com linha, com rede de lançar e com rede de arrasto. A rede de lançar era circular, e podia chegar a ter até três metros de diâmetro. Era lançada com grande habilidade desde a costa, ou entrando um pouco na água. As partes de chumbo que se atavam a seus perímetros faziam que se afundasse na água e rodeasse os peixes, imediatamente se puxava uma soga que fechava a parte inferior da rede, e os peixes ficavam apanhados, ponha essa mesma soga a tirava terra. Era essa classe de rede a que estavam usando Pedro e André, Tiago e João, quando Jesus os viu. Seu nome em grego era amfibléstron. A rede de arrasto era usada desde um barco, ou entre dois barcos. Era jogada no mar atado com sogas em seus quatro extremos. Contava com pesos na parte inferior que a faziam ficar "de pé" na água. Quando os navios avançavam, arrastavam a rede, a que adquiria a forma de um enorme cone no qual ficavam apanhados os peixes, e era relativamente fácil, ao tirar a rede, fazer que caíssem dentro dos navios. Esta classe de rede é a que serve de ilustração na parábola da rede. Em grego a chamava saguené.

Jesus ia caminhando pela costa do lago, e ao encontrar-se com Pedro e André os chamou. O mesmo fez com o Tiago e João. Não deve pensar-se que essa foi a primeira ocasião em que ele os viu, ou eles O viram. A maneira como João conta a história, pelo menos alguns deles já eram discípulos de João Batista (João 1:35). Devem ter tido mais de uma oportunidade de conversar com Jesus e de havê-lo escutado. Mas nesse momento Ele expõe a eles o desafiou de lançar sua sorte com Ele, de maneira definitiva.

Os gregos acostumavam contar a história de como Xenofonte tinha conhecido Sócrates. Sócrates cruzou com ele em um atalho muito estreito, e o impediu de seguir o seu caminho com um fortificação que levava na mão. Primeiro lhe perguntou se podia lhe informar onde adquirir distintos artigos, e se sabia onde se fabricavam distintos objetos. Xenofonte foi proporcionando a informação que lhe pedia. Então Sócrates lhe perguntou: "E sabe onde os homens se fazem bons e virtuosos?" "Não", respondeu o jovem Xenofonte, "Então", disse Sócrates, "siga-me e aprenda." Jesus também chamou a esses pescadores para que o seguissem. É interessante notar que classe de homens eram.

Não eram homens que tivessem recebido uma grande instrução, ou que gozassem de grande riqueza, ou nível social, ou influência. Não eram pobres, tampouco, eram simples trabalhadores sem distinção e certamente, diriam alguns, sem futuro. Jesus escolheu estes homens comuns. Em certa oportunidade se aproximou de Sócrates um homem comum que se chamava Esquines. "Sou pobre", disse Esquines, "e não tenho nada para oferecer-te, mas me dou a mim mesmo." "Não te dá conta", replicou-lhe Sócrates, "que me está dando o mais precioso que ninguém possa oferecer?" O que Jesus precisa são pessoas comuns que estejam dispostas a entregar-se elas mesmas a Ele. Com pessoas desta classe pode fazer algo.

Além disso, estes homens eram pescadores. Vários eruditos assinalaram que os pescadores possuem por necessidade profissional aquelas qualidades que têm que convertê-los em bons "pescadores de homens".

(1) O pescador deve ter paciência. Deve aprender a esperar pacientemente até que o peixe morda a isca de peixe. Se for inquieto e não pode ficar tranqüilo nunca poderá ser um bom pescador. O bom pescador de homens precisará ser paciente. Na pregação ou o ensino estranho vez se verão resultados rápidos. Deve-se aprender a esperar.

(2) Deve ter perseverança. Deve aprender a não descoroçoar-se nunca, a sempre voltar a provar uma vez mais. O bom pregador ou professor não deve descoroçoar-se quando aparentemente não acontece nada. Deve estar sempre disposto a voltar a provar.

(3) Deve ter coragem. Como dizia um grego antigo ao pedir o amparo dos deuses: "Meu navio é tão pequeno e o mar é tão grande..." Deve estar disposto a correr riscos e a enfrentar o fúria do mar e os ventos rebeldes. O bom pregador ou o bom professor devem ser conscientes do risco que se corre quando diz a verdade aos homens. O homem que se arrisca a dizer a verdade com muita freqüência corre o perigo de perder sua reputação ou, inclusive, sua vida.

(4) Deve ter uma noção exata do momento correto. O pescador sábio sabe que há momentos quando é inútil pescar. Sabe quando lançar as redes e quando ficar em sua casa. O bom professor ou pregador escolhe o momento apropriado. Há ocasiões em que os homens darão boas-vindas à verdade, e momentos em que resistirão a ela. Às vezes a verdade os comoverá, às vezes endurecerá seus corações e os levará a opor-se mais a sua luz. O bom pregador, o bom professor, é o que sabe que há momentos para falar e momentos para estar calados.

(5) Deve adequar a isca de peixe à classe de peixe. Cada peixe responde a um tipo distinto de isca de peixe. Paulo disse que ele se fazia tudo a todos, a fim de poder ganhar a alguns. O pregador e o professor sábio sabem que o mesmo enfoque não convence a todos os homens. Terá, inclusive, que reconhecer e aceitar suas próprias limitações. Deverá descobrir que há certas esferas nas quais pode trabalhar e outras nas quais é impotente.

(6) O bom pescador deve manter-se oculto. Se sua presença for muito manifesta, até se projeta sua sombra sobre a água, os peixes não se aproximarão. O bom pregador e professor não se apresentará ele mesmo perante os homens, mas sim apresentará a Jesus. Seu objetivo é que os homens fixem seus olhares, não nele, mas sim nAquele que está mais à frente.

Cf. Gênero Literário do Evangelho de Mateus
Cf. Teologia do Evangelho de Mateus

OS MÉTODOS DO MESTRE

4:23-25 Jesus tinha escolhido começar sua missão na Galiléia, e já vimos como Galiléia estava bem preparada para receber a semente. E na Galiléia Jesus escolheu lançar sua campanha nas sinagogas. A sinagoga era a instituição mais importante na vida de todo judeu. Havia uma diferença importante entre as sinagogas e o Templo. Havia somente um Templo, o de Jerusalém, mas em qualquer lugar se encontrasse até a mais pequena colônia de judeus havia uma sinagoga. O Templo existia unicamente para a apresentação de sacrifícios; nele não se pregava nem se ensinava. Já a sinagoga era essencialmente uma instituição docente. As sinagogas foram definidas como "as universidades populares religiosas daquela época". Se qualquer tinha idéias ou ensinos religiosas que queria disseminar, a sinagoga era sem dúvida o lugar onde mais lhe convinha começar sua missão.

Além disso, o serviço religioso que se desenvolvia na sinagoga dava a oportunidade para que qualquer professor comunicasse sua doutrina. O culto da sinagoga se dividia em três partes. A primeira parte consistia em orações. A segunda parte se desenvolvia mediante leituras da Lei e os Profetas, que eram feitas em voz alta por membros da congregação. A terceira parte era o "sermão" ou "discurso". Um fato de suma importância é que não havia uma pessoa determinada para pronunciar o sermão. Não existia o equivalente de nossos atuais pregadores profissionais. O presidente da sinagoga se encarregava de fazer os acertos para o culto de cada sábado. Qualquer podia ser convidado para prenunciar o sermão, especialmente se se tratava de um viajante distinto que visitava a localidade, e qualquer podia oferecer-se para esta tarefa se acreditava ter uma mensagem que comunicar aos membros da sinagoga. Se o presidente ou governador da sinagoga julgava que era uma pessoa apta para fazê-lo não era necessário nenhum outro trâmite. Deste modo desde o começo a porta e o púlpito da sinagoga estiveram abertos para Jesus. Começou pela sinagoga porque era ali onde podia encontrar as pessoas mais sinceramente religiosas de sua época, e porque na sinagoga havia aberto o caminho para lhes falar. Depois do sermão vinha um período de bate-papo, perguntas, respostas e discussão. A sinagoga era o lugar ideal para transmitir ao. povo um novo ensino.

Mas Jesus não somente pregava. Também curava os doentes. Não é de maravilhar-se que em pouco tempo circulassem por toda parte as notícias das maravilhas que fazia, e que portanto se reunissem verdadeiras multidões para escutá-lo, para vê-lo e para beneficiar-se de sua misericórdia.

Vinham de Síria. Síria era a província maior, da qual a Palestina era somente uma parte. estendia-se para o norte e para o nordeste com a grande cidade de Damasco como capital.

Uma das mais belas lendas que nos chegaram desde aquela época é a que registra Eusébio em sua História Eclesiástica (1:13). A história diz que em Edessa havia um rei chamado Abgaro, que estava doente. Conforme se conta, este rei escreveu uma carta a Jesus que dizia:

"Abgaro, rei de Edessa, a Jesus, o mais excelente salvador, que apareceu na região de Jerusalém: Saudações. chegaram até minha notícias de você, e de suas curas, que efetua sem remédios e sem ervas; porque segundo fui informado você faz os cegos verem os paralíticos andarem, purifica os leprosos, expulsa os maus espíritos e os demônios, cura os que sofrem de doenças prolongadas e ressuscita os mortos. Tendo ouvido tudo isto de você, cheguei à conclusão do que uma das duas seguintes afirmações deve ser verdadeira. Ou você é Deus e tendo descido do céu faz as coisas que me disseram, ou é você um Filho de Deus, pelas coisas que faz. Escrevo-lhe, portanto, para lhe pedir que venha me curar da enfermidade que sofro. Porque escutei também que os judeus murmuram contra você e que tramam coisas muito desagradáveis contra você. A cidade sobre a qual eu governo é pequena mas muito agradável, e é o suficientemente grande para que possamos viver nela os dois."

Conforme segue a lenda, Jesus teria respondido:

"Bem-aventurado é você por ter acreditado em mim sem me ter visto. Porque está escrito em relação a mim os que me virem não acreditarão em mim, enquanto que os que não me virem acreditarão em mim e serão salvos. Entretanto, a respeito do seu convite para eu viajar para visitá-lo, devo cumprir todas as coisas para as que fui enviado a este lugar e, depois de havê-las completado, tenho que retornar Àquele que me enviou. Entretanto, depois que retorne Àquele que me enviou, enviarei a um de meus discípulos para que cure sua enfermidade, e para dar vida a você e aos seus:"

A lenda quer que Tadeu teria sido o apóstolo de Edessa, e que curou a Abgaro e pregou o evangelho aos habitantes daquela cidade. É somente uma lenda, provavelmente, mas demonstra como os homens acreditavam que até na distante Síria se ouviu falar de Jesus e desejavam com toda a força de seus corações receber a ajuda e a cura que somente ele podia lhes oferecer.

A maioria dos que acudiam a Jesus eram habitantes da Galiléia, e quando em Jerusalém e Judéia se soube a respeito de Jesus, também foram a partir dali. Também iam da região de além do Jordão, que naquela época se conhecia como Peréia, e que se estendia desde Pella, no norte da Arábia Pétrea, até Petra, no sul da Arábia. Também vinham do Decápolis. Decápolis era uma federação de dez cidades gregas que gozavam de foros de independência. Todas elas, exceto Scitópolis, estavam localizadas ao oeste do riu Jordão.

A lista é simbólica, porque nela vemos que não somente os judeus mas também os gentios se aproximavam de Jesus, procurando nele o que somente ele podia lhes oferecer. Já tinham começado a congregar-se em torno dele "os limites da Terra".

AS ATIVIDADES DE JESUS

4:23-25 (continuação) Esta passagem é muito importante porque nos oferece um resumo das três principais atividades que Jesus desempenhou durante seu ministério.

(1) Veio proclamando o evangelho, ou "pregando" como dizem as versões comuns. Como já dissemos, a pregação é o anúncio de certezas. Portanto, Jesus veio para derrotar a ignorância dos homens. Veio para dizer aos homens a verdade a respeito de Deus, para lhes dizer aquilo que por si mesmos nunca poderiam ter descoberto. Veio para pôr fim à invenção e às hipótese no que respeita ao conhecimento de Deus.

(2) Veio ensinando nas sinagogas. Qual é a diferença entre ensinar e pregar? A pregação é o anúncio de certezas que não admitem discussão nem compromissos; o ensino é a explicação do significado e das implicações daquelas certezas. Portanto, Jesus veio para derrotar os mal-entendidos dos homens. Há momentos em que o homem sabe a verdade mas a interpreta mal. Sabe a verdade, mas extrai dela conclusões completamente desacertadas. Jesus veio para ensinar aos homens o significado da verdadeira religião.

(3) Veio curando a quem tinha necessidade de cura. Quer dizer, Jesus veio para derrotar o sofrimento humano. O que é verdadeiramente importante a respeito de Jesus é que não se contentou em falar da verdade, veio para converter a verdade em fatos. Florence Allshorn, a grande professora missionária, disse: "Nunca possuímos um ideal até que não o tocamos com a ponta dos dedos." O ideal não é nosso se não o vemos convertido em ação. Jesus converteu seus próprios ensinos em ação, em suas obras de cura e de ajuda aos necessitados. Jesus veio pregando para derrotar toda ignorância, Veio ensinando para derrotar todos os mal-entendidos. Veio curando para derrotar todo o sofrimento e dor humanos. Nós também devemos proclamar nossas certezas. Nós também devemos estar preparados para explicar nossa fé. Nós também devemos converter em ação e fatos concretos o conteúdo de nossos ideais.

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