Estudo sobre Mateus 23:1-39

Mateus 23

Aqui vemos aparecer os primeiros esboços dos fariseus. Vemos a convicção judaica sobre a continuidade da fé. Deus deu a Lei a Moisés. Moisés a entregou a Josué, Josué a transmitiu aos anciãos, os anciãos a entregaram aos profetas, e os profetas a deram aos escribas e fariseus.

Não se deve pensar nem por um momento que Jesus elogia os escribas e fariseus com todas as suas regras e normas. O que diz é o seguinte: "Na medida em que estes escribas e fariseus lhes ensinaram os grandes princípios da Lei que Moisés recebeu de Deus, devem obedecê-los." Quando estudamos Mateus 5:17-20 vimos quais eram estes princípios. Os Dez Mandamentos, apoiam-se sobre estes dois grandes princípios. Apoiam-se sobre a reverência: reverência para com Deus, para com o nome de Deus, o dia de Deus, os pais que Deus nos deu. Apoiam-se sobre o respeito: o respeito pela vida do homem, seus pertences, sua personalidade, e seu bom nome, e por si mesmo. Estes princípios são eternos, e na medida em que os fariseus e escribas ensinam a reverência a Deus e o respeito pelo homem, seu ensino é eternamente válido.

Mas toda a sua visão da religião tinha tido uma consequência fundamental. Fazia da religião um conjunto de milhares e milhares de regras e normas e por isso a tinha transformado em uma carga insuportável. Eis aqui a prova de toda apresentação da religião. Transforma-se a religião em asas para elevar o homem, ou em um peso para afundá-lo? Transforma-se a religião em uma alegria ou em algo deprimente? O homem recebe ajuda da religião ou esta o tortura? A religião leva o homem, ou ele tem que carregá-la? No exato momento em que a religião se transforma em uma multidão de cargas, proibições e interdições, deixa de ser uma religião autêntica.

Os fariseus não toleravam a mais mínima falta. Todo seu objetivo, confessado por eles mesmos, consistia em "construir uma cerca ao redor da Lei". Não afrouxavam nem tiravam uma só regra. Quando a religião se converte em uma carga, pode ser algum tipo de religião, porém não há a menor dúvida de que não é a cristã.

Estudo sobre Mateus 23:5-12

A religião dos fariseus se tornou quase inevitavelmente uma religião de ostentação. Se a religião consistir em obedecer inumeráveis regra e normas, é fácil para qualquer um ver que os demais percebem quão bem cumpre suas obrigações e quão perfeita é sua piedade. Jesus escolhe algumas atitudes e costumes nos quais os fariseus manifestavam sua ostentação.

Usavam filactérios muito grandes. Em Êxodo 13:9 se diz a respeito dos mandamentos de Deus: “E isto será como sinal na tua mão e por frontais entre os teus olhos” (Êxodo 13:16; Deuteronômio 6:8; 11:18). A fim de cumprir este mandamento o judeu levava, e o faz até hoje, algo que chama tetilin ou filactérios; leva-os durante as orações. Usa-os todos os dias exceto no sábado e em festas especiais. São umas pequenas caixas de couro, uma das quais é posta ao redor do punho e a outra sobre a fronte. A que se porta no punho é uma caixinha de couro com uma só divisão. Dentro dela coloca-se um cilindro de pergaminho no qual estão escritas as seguintes passagens das Escrituras: Êxo. 13:1-10; 13:11-16; Deut. 6:4-9; 11:13-21. A que se leva na fronte é igual com a única diferença de que tem quatro divisões em lugar de uma. Em cada uma das divisões havia um rolinho com uma destas quatro passagens. A fim de chamar a atenção sobre si mesmo, o fariseu não só usava os filactérios, mas também as usava particularmente para demonstrar sua obediência exemplar e sua piedade incomparável.

Usam borlas exteriores. Em grego as borlas se chamam kraspeda e em hebreu zizith. Em Números 15:37-41 e em Deuteronômio 22:12 lemos que Deus mandou a seu povo que usasse franjas nas bordas de suas vestimentas para que ao vê-los lembrassem dos mandamentos de Deus. Estas franjas eram como borlas que se levavam nas quatro bordas do vestido exterior. Mais tarde foram levados na roupa interior e hoje subsistem no xale que o judeu piedoso usa durante suas orações. Era muito fácil fazer estas borlas de um tamanho muito grande de modo que se tornavam uma amostra ostentosa de piedade, que era usada, não para recordar os mandamentos de Deus, e sim para chamar a atenção para quem as portava.

Além disso, os fariseus gostavam que lhes dessem os postos especiais durante as refeições, à direita e à esquerda do anfitrião. Gostavam dos primeiros assentos na sinagoga; na Palestina os últimos assentos eram ocupados pelos meninos e as pessoas sem nenhuma importância; quanto mais adiante estava o assento, maior era a honra. Os assentos mais honoráveis eram os dos anciãos de frente para a congregação. Se alguém se sentava ali, todos viam que estava presente e, durante todo o serviço, podia adotar uma pose de piedade que a congregação não podia deixar de observar. Além disso, os fariseus gostavam que os chamassem Rabino e que os tratassem com o maior respeito. De fato, exigiam mais respeito do que se manifestava para com os pais porque, segundo eles, os pais dão a vida física, comum ao homem, mas seu mestre dá a vida eterna. Inclusive preferiam que os chamassem pai, como Eliseu chamava a Elias (2 Reis 2:12) e como eram conhecidos os pais da fé. Jesus insiste em que o cristão deve recordar que só há um Mestre, que é Cristo, e só um Pai na fé, e esse pai é Deus.

Toda a intenção dos fariseus consistia em vestir-se e comportar-se de maneira a atrair a atenção. O objetivo do cristão consiste em desaparecer para que se os homens virem suas boas obras, não o glorifiquem a ele, e sim a seu Pai nos céus. Toda religião que gera a ostentação na aparência e o orgulho no coração é uma religião falsa.

Estudo sobre Mateus 23:13

Os versículos 13-26 deste capítulo são a denúncia mais terrível e extensa do Novo Testamento. Aqui escutamos o que A. T. Robert chamou "os trovões da ira de Cristo". Como escreveu Plummer, estes ais são "como trovões em sua severidade incontestável, e como raios pela forma desapiedada em que esclarecem tudo... Iluminam ao golpear." Aqui Jesus dirige uma série de sete ais aos escribas e fariseus. Cada um deles começa com: "Ai de vós!" A palavra grega que significa ai é ouai: fica difícil traduzi-la porque implica ira como dor. Trata-se de uma ira justa, mas é a ira que surge do coração que ama e está destroçado pela cegueira teimosa dos homens. Aqui não há apenas uma atmosfera de denúncia selvagem, mas também de azeda tragédia.

A palavra hipócrita aparece de vez em quando. Originariamente a palavra grega hupokrites significava o que responde; logo foi relacionada de maneira especial com a afirmação e a resposta, o diálogo no cenário, e é a palavra que se usa em grego para designar ator. Mais adiante chegou a significar ator no pior sentido da palavra, um simulador, alguém que desempenha um papel, alguém que põe uma máscara para esconder seus verdadeiros sentimentos, alguém que representa um determinado papel por fora enquanto em seu interior seus pensamentos e emoções são muito diferentes. Para Jesus, os escribas e fariseus eram homens que representavam um papel. O que queria dizer era o seguinte: Toda sua noção da religião consistia em obediências externas, o uso de borlas e filactérios muito complicados, a observância meticulosa das regras e normas da lei. Mas em seus corações alimentavam amargura, inveja, orgulho e arrogância. Para Jesus estes escribas e fariseus eram homens que, sob uma máscara de piedade muito elaborada, escondiam corações nos quais dominavam os sentimentos e emoções menos piedosos que se pudesse imaginar. E essa acusação é válida, em maior ou menor grau, para qualquer um que vive sob o suposto de que a religião consiste em observâncias externas e obras externas de qualquer tipo.

Há uma frase de Jesus que não está escrita que diz o seguinte: "Esconderam a chave do Reino." A condenação dos fariseus e escribas da parte de Jesus diz que eles não só não entraram no Reino, mas também fecharam as portas àqueles que procuravam entrar nele. O que Jesus quis dizer com essa acusação?

Devemos lembrar o que é o Reino. Já vimos (Mateus 6:10) que a melhor forma de imaginá-lo é pensar em uma sociedade sobre a Terra na qual se faz a vontade de Deus com a mesma perfeição com que é feita no céu. Ser cidadão do Reino e fazer a vontade de Deus são uma e a mesma coisa. Os fariseus criam que fazer a vontade de Deus era cumprir milhares de regras e regulamentações corriqueiras; e nada podia estar mais longe de um Reino cuja idéia essencial é o amor.

Quando as pessoas tentavam entrar no Reino os fariseus lhes apresentavam estas regras e normas que era o mesmo que lhes fechar na cara a porta do Reino. Os fariseus preferiam sua própria idéia de religião à idéia de Deus sobre a religião. Esqueceram-se da verdade fundamental de que se alguém quer ensinar a outros deve primeiro ouvir a Deus. O mais grave perigo que todo professor ou pregador enfrenta é o de querer transformar seus próprios preconceitos em princípios universais, e o querer substituir a verdade de Deus por suas próprias idéias. Quando faz algo assim não é um guia, e sim uma barreira que impede a entrada ao Reino porque ao seguir um caminho errado, leva outros a errarem.

Estudo sobre Mateus 23:15

Uma das características estranhas do mundo antigo é a repulsão e atração simultâneas que o judaísmo exercia sobre os homens. Não havia um povo mais odiado que o povo judeu. Seu separatismo, seu isolamento e seu desprezo por outros povos, granjeava esse ódio. De fato, cria-se que uma parte fundamental de sua religião era um juramento pelo qual jamais, sob nenhuma circunstância ajudariam a um gentio, nem sequer lhe dariam alguma indicação se perguntasse o caminho para algum lugar. Sua observância do sábado lhes granjeava uma reputação de vadiagem. Sua recusa em comer carne de porco fazia com que outros zombassem deles a ponto de murmurar que adoravam o porco como seu deus. O anti-semitismo era uma força real e universal no mundo antigo.

E entretanto, exercia uma certa atração. A ideia de um só Deus aparecia como algo maravilhoso a um mundo que acreditava em uma multidão de deuses. A pureza e os valores éticos dos judeus fascinavam a um mundo submerso na imoralidade, em especial no que se referia às mulheres. Como resultado, muitos se sentiam atraídos pelo judaísmo. Mas essa atração se dava em dois níveis. Estavam aqueles aos quais chamava-se tementes a Deus. Aceitavam a idéia de um Deus único e a Lei moral dos judeus, mas não se interessavam no mais mínimo pela Lei cerimonial e não se circuncidavam. Havia muita gente assim; a via escutando e adorando em todas as sinagogas e foram o campo mais frutífero para a pregação do Paulo. São, por exemplo, os gregos piedosos da Tessalônica (Atos 17:4). Os fariseus se propunham converter a estes tementes a Deus em partidários. A palavra partidário vem do grego e significa alguém que se aproximou. O partidário era o converso que tinha aceito a Lei cerimonial e a circuncisão e se converteu em judeu em todo o sentido da palavra. Como acontece com muita freqüência, "os mais convertidos eram os mais pervertidos". Um homem que recém se converteu costuma transformar-se em um devoto fanatizado pela religião a que ingressou e muitos destes partidários eram mais fanáticos pela Lei judia que os próprios judeus.

Jesus acusou estes fariseus de ser missionários do mal. Era certo que os que se faziam partidários eram poucos, mas quando o faziam iam para o outro extremo. O pecado dos fariseus consistia em que não tratavam de aproximar as pessoas a Deus, e sim ao farisaísmo. Um dos perigos mais sérios que corre todo missionário é buscar converter as pessoas a uma seita em vez de a uma religião e que se preocupe mais por aproximar alguém a uma igreja que a Jesus Cristo.

O grande místico cristão da Índia, Premanand, diz algumas coisas em sua autobiografia sobre este sectarismo que tão frequentemente desfigura ao assim chamado cristianismo. "Falo como cristão, Deus é meu Pai, a Igreja é minha Mãe. Cristão é meu nome, Católico meu sobrenome. Católico, porque pertencemos nada menos que à Igreja Universal. De maneira que, para que necessitamos outros nomes? Por que temos que lhe acrescentar anglicano, episcopal, protestante, presbiteriano, metodista, congregacional, batista, etc., etc.? Estes temas nos separam, fazem-nos sectários, de mente estreita. Diminuem a alma."

Os fariseus não buscavam levar as pessoas a Deus, e sim à sua própria seita, o farisaísmo. Esse era seu pecado. E acaso desapareceu esse pecado do mundo quando em certos lugares ainda se insiste em que se deve abandonar uma igreja para ir a outra se a gente quer sentar-se à mesa do Senhor? A maior das heresias é a convicção pecaminosa de que uma igreja em particular tem um monopólio de Deus, ou da verdade de Deus, ou que alguma igreja em particular é a única porta de acesso à presença de Deus e a seu Reino.

Estudo sobre Mateus 23:16-22

Já vimos que no que se refere aos juramentos, os judeus legalistas eram mestres da evasão (Mateus 5:33-37). O princípio geral da evasão era o seguinte. Para o judeu um juramento criava obrigação, sempre que fosse um juramento que obrigasse. Em termos gerais, um juramento que criava obrigação era aquele em que se empregava em forma clara e inequívoca o nome de Deus; era preciso cumprir um juramento desse tipo, custasse o que custasse. Qualquer outro tipo de juramento se podia romper com toda legitimidade. A idéia que sustentava esta prática era que se se empregava o nome de Deus, o introduzia como sócio no acordo e quebrar um juramento desse tipo não só era quebrantar a confiança dos homens mas também insultar a Deus.

Em todo caso, a ciência da evasão se elaborou a um grau muito alto. É muito provável que nesta passagem Jesus apresente uma caricatura dos métodos legalistas judeus. O que diz é o seguinte: "convertestes a ciência da evasão em uma arte tão sutil que se pode considerar que um juramento pelo templo não obriga, enquanto que o juramento pelo ouro do templo certamente obriga. E um juramento pelo altar não obriga, enquanto que o juramento pela oferenda que está sobre o altar sim cria obrigação." É mais provável que isto deva ser considerado como uma redução ao absurdo dos métodos judeus, mais que como uma descrição literal desses métodos.

A idéia que está por trás desta passagem é a seguinte. Toda a idéia de tratar os juramentos desta maneira, toda a noção de uma espécie de técnicas da evasão, nasce de um engano básico. O homem autenticamente religioso jamais fará uma promessa com a intenção deliberada de não cumpri-la. Jamais se procurará, junto com a promessa, uma série de escapatórias para empregar em caso de descobrir que é muito difícil cumpri-la.

Não devemos condenar a ciência de evasão dos fariseus com um sentimento de superioridade. Ainda não passou o momento de alguém procurar fugir de uma obrigação, fazendo uso de algum tecnicismo, ou de que recorra no sentido mais literal da Lei para evitar o que o espírito dessa mesma lei lhe dita com a maior clareza.

Para Jesus, o princípio que criava obrigação era duplo: Deus ouve cada palavra que pronunciamos e vê cada um dos pensamentos secretos de nossos corações. De maneira que ouve as palavras e percebe todas as intenções. Em vista disso, o cristão deve ignorar por completo a arte da evasão. A técnica da evasão pode funcionar muito bem dentro do mundo, mas jamais pode adequar-se à franca honestidade da mentalidade cristã.

Estudo sobre Mateus 23:23-24

O dízimo era uma parte essencial das regulamentações religiosas judias. “Certamente, darás os dízimos de todo o fruto das tuas sementes, que ano após ano se recolher do campo” (Deut. 14:22). “Também todas as dízimas da terra, tanto dos cereais do campo como dos frutos das árvores, são do SENHOR; santas são ao SENHOR” (Lev. 27:30). O objetivo principal do dízimo era manter os levitas cuja tarefa era cumprir o trabalho material do templo. A Lei definia com maior clareza as coisas pelas quais era preciso pagar um dízimo: "Tudo o que é comestível e se conserva e se nutre da terra pode ter que pagar dízimo." Estabelece-se: "Do endro se deve pagar o dízimo da semente, das folhas e dos caules." Estava estabelecido, pois, que todos deviam entregar um dízimo de sua produção a Deus.

Agora, o objetivo das palavras de Jesus é o seguinte: Aceitava-se em todas partes que se devia pagar um dízimo dos grãos mais importantes. Mas a hortelã, o endro e o cominho se semeavam nos pomares familiares e nunca se obtinha uma quantidade muito grande. Qualquer um semeava apenas um pouco destas ervas no jardim de sua casa, os três se usavam para cozinhar e o endro e o cominho tinham aplicações medicinais. Aplicar-lhes a lei do dízimo significava aplicar um imposto a uma colheita ínfima, possivelmente não muito mais que o produto de uma só planta. Só os exageradamente meticulosos aplicavam o dízimo às poucas plantas do pomar. Isso era justamente o que faziam os fariseus. Eram tão meticulosos com o dízimo que o aplicavam a um só raminho de hortelã. E entretanto, esses mesmos homens podiam ser culpados de cometer injustiças, eram duros, arrogantes e cruéis, e esqueciam a obrigação da misericórdia, eram capazes de fazer juramentos e promessas com a deliberada intenção de quebrantá-los e assim faziam caso omisso da fidelidade. Em outras palavras, obedeciam as pequenezes da Lei e esqueciam as coisas que realmente importam.

Esse espírito ainda não morreu; jamais morrerá até Cristo governar o coração dos homens. Há muitos homens que usam a roupa adequada para ir à igreja, são cuidadosos em suas ofertas, adotam uma atitude correta durante a oração, nunca faltam à celebração do sacramento mas que, em seu trabalho diário não são honestos, são irritáveis, mal-humorados e egoístas com seu dinheiro. Há mulheres que estão cheias de boas obras, participam de toda classe de comissões mas seus filhos sentem saudades pelas noites. Não há nada mais fácil que observar todas as atitudes exteriores da religião e, ao mesmo tempo, ser profundamente irreligioso.

Não há nada mais necessário que o sentido de proporção para evitar a confusão entre a observância externa da religião e a autêntica devoção.

Jesus emprega um exemplo muito gráfico. A figura é a seguinte. O mosquito era um inseto e portanto era impuro, o mesmo que o camelo, Para evitar o risco de beber algo impuro penetrava o vinho com um filtro de musselina de modo a deixar fora qualquer possível impureza. Este é um dos momentos humorísticos que devem ter levado as pessoas a rir, porque é a imagem de alguém que coa com todo cuidado seu vinho para não engolir um inseto microscópico e, entretanto, engole-se tranqüilamente um camelo. Trata-se da imagem de alguém que perdeu por completo todo sentido de proporção.

Estudo sobre Mateus 23:25-26

A ideia de impureza surge continuamente na lei judia. Devemos ter presente que não se trata de uma impureza física. Um copo impuro não era um copo sujo, no sentido que nós damos ao termo. Se uma pessoa era impura no sentido cerimonial significava que não podia entrar no templo ou na sinagoga, estava excluída da adoração de Deus. Um homem era impuro se tocava um corpo morto ou se tinha algum contato com um gentio. Uma mulher era impura se tinha fluxo de sangue embora este fosse normal e sadio. Se uma pessoa impura tocava um copo, este se convertia em algo impuro e, portanto, qualquer outra pessoa que tocasse o copo se fazia também impura. De maneira que era de capital importância manter todos os copos limpos e a Lei sobre a limpeza é de uma complicação extrema. Só podemos citar alguns exemplos básicos.

Um copo de argila que é oco só é impuro por dentro e não por fora, e a única forma de limpá-lo é rompendo-o. Alguns recipientes de argila nunca podem transformar-se em algo impuro: um prato sem borda, um braseiro aberto para carvão, uma churrasqueira de ferro com buracos para secar os grãos de trigo. Por outro lado, um prato com borda, uma caixa de especiarias ou uma mesa de escrever podem transformar-se em impuros. Os recipientes de couro, osso, madeira e vidro que são chatos não se transformam em impuros, os fundos sim. Se se romperem se purificam. Qualquer recipiente de metal oco e de superfície lisa pode tornar impuro mas uma porta, um ferrolho, uma fechadura, uma dobradiça, uma aldrava não podem fazer-se impuros. Se algo for feito de madeira e metal, a madeira pode fazer-se impura mas o metal não. Estas regras nos parecem fantásticas e entretanto, os fariseus as observavam com toda meticulosidade e com um sentimento profundamente religioso.

A comida ou bebida que estava dentro do recipiente podia ter sido obtida por meio de enganos, extorsão ou roubo, podia ser luxuosa e excessiva, tudo isso carecia de importância enquanto o recipiente estivesse cerimonialmente limpo. Esta é outra instância em que se manifesta uma grande preocupação pelos detalhes e se deixam passar as coisas de maior peso.

Por mais grotesco que pareça tudo isto, ainda pode acontecer. Qualquer igreja se pode dividir por uma discussão sobre a cor do tapete, a pintura do púlpito ou a forma e o material dos cálices que se empregarão na Eucaristia. A última coisa que parecem aprender os homens em questões de religião é um sentido relativo dos valores, e o trágico é que com muita frequência o que arruína a paz é a discussão e exagero de temas corriqueiros.

Estudo sobre Mateus 23:27-28

Aqui voltamos a nos encontrar com uma imagem muito conhecida para qualquer judeu. Um dos lugares mais comuns para erigir tumbas era à beira do caminho. Vimos que qualquer pessoa que tocava um cadáver se tornava impura (Números 19:16). Por conseguinte, qualquer pessoa que entrava em contato com uma tumba automaticamente se convertia em impuro. Havia uma época em que os caminhos da Palestina estavam cheios de peregrinos – era no tempo de Páscoa. Se alguém se tornava impuro quando ia assistir à festa da Páscoa era um desastre, porque isso significava que não poderia participar da celebração. De maneira que os judeus tinham o costume de branquear todos os sepulcros que estavam a um lado do caminho durante o mês de Adar para que nenhum peregrino os tocasse sem querer. Portanto, ao viajar pelos caminhos da Palestina nos dias de sol da primavera esses sepulcros brilhavam com a luz do Sol e até pareciam belos, mas por dentro estavam cheios de ossos e corpos cujo contato teria convertido a qualquer um em uma pessoa impura. Segundo Jesus, isso era exatamente o que acontecia com os fariseus. Suas atitudes externas correspondiam a homens intensamente religiosos, mas seus corações estavam sujos e podres com o pecado.

Isso pode acontecer ainda hoje. Como diz Shakespeare, o homem pode sorrir e ser um criminoso. Qualquer um pode caminhar de cabeça baixa, passos respeitosos, as mãos cruzadas em uma posição muito humilde mas ao mesmo tempo pode olhar com frio desprezo àqueles que considera pecadores. Sua própria humildade pode ser a pose do orgulho; e enquanto caminha com humildade pode estar pensando com prazer na imagem de piedade que apresenta perante aqueles que o observa. Não há coisa mais difícil que um homem bom não saber que é bom; e uma vez que sabe que é bom, desaparece sua bondade, embora aqueles que o veem de fora pensem o contrário.

Estudo sobre Mateus 23:29-36

Aqui Jesus acusa os judeus de que sua história está manchada pelo crime, e que essa mancha ainda não desapareceu. Os escribas e fariseus cuidam os sepulcros dos mártires e adornam seus monumentos e afirmam que, se tivessem vivido naqueles tempos, eles não teriam matado os profetas e os mensageiros de Deus. Mas isso é justamente o que teriam feito e o que farão no futuro imediato.

A acusação que Jesus faz é que a história de Israel é a história do assassinato dos homens de Deus. Diz que os homens justos, desde Abel até Zacarias foram assassinados. Por que escolhe a esses dois? O assassinato de Abel pelas mãos de Caim todos conhecem, mas o assassinato de Zacarias não é tão conhecido. A história aparece em uma lúgubre passagem de 2 Crônicas 24:20-22. Aconteceu nos tempos de Joás. Zacarias acusou o povo por seu pecado e Joás incitou o povo a que o apedrejasse até matá-lo no próprio pátio do templo. Zacarias morreu dizendo: “O SENHOR o verá e o retribuirá.” Mas por que teria que escolher a Zacarias? Na Bíblia hebraica Gênesis é o primeiro livro, o mesmo que a nossa, mas a diferença reside em que na ordem que nós demos aos livros o livro de 2 Crônicas vem por último. Quer dizer que o assassinato de Abel é o primeiro que aparece no relato bíblico e o de Zacarias é o último. De princípio a fim a história de Israel é a história do rechaço e freqüentemente o assassinato dos homens de Deus.

E Jesus torna claro que essa propensão ao crime ainda está presente. Sabe que deve morrer e que no futuro seus mensageiros serão perseguidos, maltratados, rechaçados e justiçados. Não resta dúvida de que se trata de algo trágico: o povo que Deus tinha escolhido e amado havia voltado suas mãos contra Ele; e o dia do juízo logo chegaria.

Isso nos leva a refletir. Quando a história nos julgue o veredicto dirá que fomos um obstáculo ou uma ajuda para Deus? Esta é uma pergunta que todo indivíduo e todo povo deve responder.

Estudo sobre Mateus 23:37-39

Aqui vemos a impetuosa tragédia do amor que foi rechaçado. Aqui Jesus fala, não tanto como o juiz severo de toda a Terra, mas sim como alguém que ama as almas dos homens. Esta passagem nos mostra um detalhe curioso a respeito da vida de Jesus; podemos apontá-lo de passagem. Segundo o relato dos evangelhos sinóticos Jesus nunca esteve em Jerusalém, uma vez começado seu ministério público, até que foi a essa cidade para esta última Páscoa. Vemos quantas coisas não menciona o relato evangélico; pois Jesus não poderia ter dito isto se não tivesse feito várias visitas a Jerusalém e a menos que tivesse repetido seus chamados às pessoas. Uma passagem como esta nos demonstra que o evangelho só nos dá uma síntese muito apertada da vida de Jesus.

Esta passagem nos assinala quatro grandes verdades.

(1) Mostra-nos a paciência de Deus. Jerusalém tinha matado os profetas e tinha apedrejado os mensageiros de Deus. Entretanto, Deus não a rechaçou e no final enviou a seu Filho. O amor de Deus manifesta uma paciência ilimitada que tolera o pecado do homem e não o rechaça.

(2) Mostra-nos o chamado de Jesus. Aqui Jesus fala como alguém que ama. Não quer forçar sua entrada; a única arma que pode usar é o chamado do amor. Levanta-se com as mãos estendidas em posição de chamar os homens, um chamado que os homens têm a terrível responsabilidade de aceitar ou rejeitar.

(3) Mostra-nos o caráter deliberado do pecado do homem. Os homens viram cristo em todo o esplendor de seu chamado, e o rejeitaram. A porta do coração não tem trinco do lado exterior, deve ser aberto por dentro; e o pecado é o rechaço decisivo do chamado de Deus em Jesus Cristo.

(4) Mostra-nos as conseqüências de rejeitar a Cristo. Passariam só quarenta anos e em 70 d. C. Jerusalém ficaria convertida em um montão de ruínas. Esse desastre foi conseqüência direta da rejeição de Jesus Cristo. Se os judeus tivessem aceito o caminho cristão do amor e tivessem abandonado o caminho da política do poder, Roma jamais teria pesado sobre eles com sua força vingadora. É uma realidade que o povo que rejeita a Deus está condenado ao desastre.

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