Interpretação de Gálatas 2

Gálatas 2

Gálatas 2 continua a defender o evangelho da graça contra os falsos ensinos e aborda suas interações com outros apóstolos. Aqui está uma interpretação dos pontos-chave em Gálatas 2:

1. O Concílio de Jerusalém: Paulo começa contando a sua visita a Jerusalém, que ocorreu 14 anos após a sua conversão. Ele foi para Jerusalém com Barnabé e Tito devido a uma revelação. Paulo reuniu-se em particular com os líderes da igreja de Jerusalém, incluindo Pedro, Tiago e João. Ele apresentou o evangelho que pregava entre os gentios para garantir que não houvesse divergências. Os líderes de Jerusalém reconheceram o apostolado de Paulo e concordaram que ele deveria continuar a sua missão junto aos gentios enquanto se concentravam na missão do partido da circuncisão junto aos judeus (Gálatas 2:1-10).

2. A repreensão de Paulo a Pedro: Paulo relata um incidente em Antioquia, onde ele se opôs pessoalmente a Pedro. Pedro estava comendo com crentes gentios, mas retirou-se quando chegaram alguns judeus do grupo da circuncisão. As ações de Pedro levaram outros judeus, inclusive Barnabé, a também se retirarem da comunhão à mesa com os gentios. Paulo repreendeu Pedro pela hipocrisia, enfatizando que os crentes são justificados pela fé em Cristo, e não pela observância da lei judaica. Este incidente sublinha o compromisso de Paulo com a verdade do evangelho e a necessidade de resistir à hipocrisia (Gálatas 2:11-14).

3. Justificação pela Fé: Paulo reitera a mensagem central do evangelho – que a justificação vem através da fé em Jesus Cristo, e não pela observância da lei. Ele enfatiza que ninguém é justificado pelas obras da lei e contrasta a fé em Cristo com as obras da lei. Paulo sublinha a importância de viver pela fé no Filho de Deus que amou os crentes e se entregou por eles (Gálatas 2:15-21).

Em Gálatas 2, Paulo continua a afirmar a autoridade do seu apostolado e a autenticidade do evangelho da graça que ele prega. Ele narra a sua visita a Jerusalém e o seu encontro com outros apóstolos, destacando o seu acordo sobre a mensagem da fé em Cristo. Paulo também usa o incidente em Antioquia para demonstrar a importância de viver de forma consistente com a mensagem do evangelho e de resistir a qualquer forma de hipocrisia ou legalismo. O capítulo serve como uma forte defesa da doutrina da justificação pela fé e sublinha a suficiência da obra de Cristo para a salvação.

Interpretação

2:1. As diferenças entre sua última visita e a anterior são completamente visíveis. Dessa vez Paulo não foi sozinho mas na companhia de Barnabé, e foi com o propósito deliberado de discutir o Evangelho, mais especificamente a aplicação do Evangelho aos gentios. Não é fácil de encaixar esta visita dentro da estrutura da narrativa de Atos. Aqueles que favorecem identificá-la com a dita visita por ocasião da fome de Atos 11:27-30, apontam para o fato de que Barnabé acompanhou Paulo nessa ocasião. Eles se apegam ao fato de que Paulo viu-se obrigado a mencionar todos os contatos que teve com a igreja de Jerusalém. Mas esta argumentação é deficiente. Os únicos contatos que exigiam participação foram aqueles que poderiam ter resultado em uma comunicação do Evangelho. Uma vez que apenas os anciãos são mencionados relativamente à recepção da oferta pela igreja de Jerusalém, não é provável que Paulo tivesse algum contato com os apóstolos naquela ocasião. Foi um período de perseguição (Atos 12:1-3), e portanto poderiam estar fora de mão para serem consultados.

Se a questão da admissão dos gentios na Igreja foi resolvida na visita por ocasião da fome (o que envolve igualar Atos 11 com Gl. 2), então parece estranho que uma outra conferência fosse necessária para a resolução desse mesmo assunto (Atos 15). Mais ainda, teria sido altamente descortês da parte dos apóstolos insistir em que Paulo se lembrasse dos pobres (Gl. 2:10) quando ele acabara de trazer a oferta da igreja de Antioquia para ajudar os santos na Cidade Santa. Finalmente, identificar Gálatas 2 com Atos 11 é virtualmente impossível por questão cronológica. A visita por ocasião da fome aconteceu mais ou menos quando da morte de Herodes, em 44 A.D. Acrescentando quatorze anos (Gl. 2:1) aos três anos de 1:18 e depois subtraindo o total de dezessete de 44, chega-se ao ano 27 como sendo a data da conversão de Paulo, o que seria cedo demais. Mesmo se os quatorze anos de Gl. 2:1 referem-se à conversão e não à primeira visita à Jerusalém, a data da conversão ainda seria cedo demais; não deixa nenhum intervalo entre a ressurreição de Cristo e a conversão de Paulo.

A identificação de Gálatas 2 com Atos 15 tem a sua força no fato de que o assunto da discussão é o mesmo em ambos os casos e no fato de que Pedro e Tiago, como também Paulo e Barnabé, foram destacados em ambas as passagens. Com certeza há dificuldade nessa identificação. Atos 15 dá a impressão de uma grande reunião pública, enquanto Gálatas focaliza uma sessão particular. A harmonização se toma possível aceitando-se que a desavença citada em Atos 15:5, 6 poderia ter forçado os líderes da igreja a dissolver o concílio temporariamente, passando a uma sessão confidencial tal como a que foi descrita em Gálatas 2. Com base no entendimento alcançado, Pedro e Tiago teriam com toda naturalidade desempenhado um papel de liderança e teriam um desempenho decisivo na fase pública final da conferência registrada em Atos 15:7-21. É possível que a palavra lhes (Gl. 2:2) seja uma referência à igreja como um todo contrastando com os apóstolos, com os quais Paulo e Barnabé tiveram uma entrevista particular. Uma outra dificuldade a ser enfrentada é o fato de Paulo não mencionar o assim chamado decreto apostólico em Gl. 2:1-10, quando esse decreto recebeu destaque considerável na narrativa de Lucas (Atos 15:20, 28, 29; 16:4; 21:25). Entretanto, uma vez que Paulo estava preocupado com o Evangelho em toda esta passagem, e uma vez que o decreto não tratava diretamente do Evangelho mas simplesmente regia o relacionamento harmonioso entre judeus e gentios crentes, ele não se sentiu na obrigação de incluir o decreto em sua argumentação.

2:2. A segunda visita de Paulo a Jerusalém foi ditada por revelação, de acordo com a forte ênfase dada ao fator sobrenatural no capítulo anterior. Esta intimação poderia ter vindo, antes da decisão da igreja de Antioquia de enviar Paulo, ou poderia ter vindo depois, selando a decisão da igreja (Atos 15:2). Ele e Barnabé encontraram-se com os que pareciam de maior influência. Literalmente, aqueles que apareciam, um termo bastante curioso para designar os apóstolos. A mesma expressão ocorre duas vezes em Gl. 2:6 e novamente em 2:9, onde foi acrescentada a palavra “colunas”. Talvez Paulo sentisse que a igreja estava em perigo de idolatrar aqueles líderes acatando-os demasiadamente. Será que Paulo realmente tinha receio de que tivesse corrido em vão (no curso do seu serviço cristão) e que tivesse corrido em vão desde a sua conversão, que pudesse talvez estar errado quanto ao Evangelho e agora precisasse ser corrigido? De modo nenhum. Mas as circunstâncias forçaram-no a submeter sua mensagem à apreciação dos apóstolos, pois só dessa maneira tinha esperanças de fechar a boca dos seus detratores, os judaizantes, e as bocas daqueles que foram levados pela propaganda deles.

2:3-5. O motivo de Paulo ter levado Tito junto (v. 1) torna-se evidente. Ele seria o caso precedente na questão da recepção dos gentios na Igreja. Se ele fosse constrangido a circuncidar-se, o rito não poderia ter sido logicamente afastado dos outros crentes gentios. Se ele saísse da conferência incircunciso, todos os outros gentios que tinham colocado sua confiança em Cristo poderiam desfrutar de sua liberdade sem o temor de um desafio futuro. Parece que Paulo diz que alguma pressão foi exercida para que Tito fosse circuncidado na ocasião (cons. Atos 15:5 ). É altamente improvável que essa pressão desse dos apóstolos, pois eles se colocaram ao lado de Paulo (Atos 15:19).

Os criminosos eram os falsos irmãos que tinham sorrateiramente entrado nas fileiras dos crentes. Tinham o nome de cristãos mas se opunham à concessão da liberdade que o evangelho de Paulo proclamava – liberdade da escravidão da Lei, incluindo a liberdade da circuncisão. A resistência de Paulo a esses judaizantes não foi ditada por teimosia nem por senso de superioridade. Ele viu que a questão da circuncisão envolvia a verdade do evangelho (Gl. 2:5). Impor a um gentio o sinal da aliança feita com Abraão e seus descendentes seria pôr de lado a simplicidade da fé salvadora, introduzindo a necessidade de uma obra particular. Se essa obra fosse achada necessária para se tornar membro de igreja, outras obras também teriam sido achadas necessárias.

2:6-8. Conferenciando com Paulo, os apóstolos não encontraram defeito em seu evangelho. Nada acrescentaram àquilo que ele já tinha recebido por revelação do Senhor. Mas eles perceberam que ele recebera o evangelho da incircuncisão. Ele era responsável pelos gentios de maneira especial (Rm. 1:5). Por esse motivo o Senhor não file permitiu trabalhar em Jerusalém (Atos 22:17-21). Essa chamada especial não excluiu um ministério junto aos judeus quando Paulo pregava nas sinagogas, onde ambos, judeus e gentios (tementes a Deus), se reuniam. Pedro, encarregado de proclamar esse mesmo evangelho da graça, tinha de especializar-se em alcançar a circuncisão, os judeus. Seu nome aramaico, Cefas, foi apropriadamente usado aqui. O sucesso dos dois homens nos seus respectivos setores comprovavam a sua chamada divina.

2:9, 10. O privilégio de Paulo como pregador do Evangelho aos gentios chama-se graça (cons. I Co. 15:9, 10; Ef. 3:2). Os líderes de Jerusalém reconheceram esta graça estendendo a mão direita da comunhão a Paulo e Barnabé. Não foi uma mera formalidade, mas um significativo endosso da mensagem da graça livre àqueles dois que a tinham proclamado entre os gentios. Os apóstolos endossaram também a divisão do trabalho, de modo que, enviaram um grupo de evangelistas aos gentios e outro aos judeus. Entretanto, pediram aos missionários enviados ao mundo gentio que não se divorciassem dos crentes judeus - especialmente dos de Jerusalém, que eram notoriamente pobres (Rm. 15:26) – a ponto de se esquecerem de suas necessidades. A prova da boa fé de Paulo em aceitar este pedido foi que ele levantou fundos substanciais entre as igrejas gentias para essa gente (I Co. 16:1-4), os quais ele e outros levaram a Jerusalém por ocasião de sua última visita.

Sua Autoridade Independente Vindicada no Encontro com Pedro em Antioquia. 2:11-21.
Esta é a terceira ocasião na qual Paulo entrou em contato com Pedro. A primeira vez ele simplesmente ficou conhecendo Pedro; na outra ele descobriu a unidade e igualdade que havia entre eles; desta vez ele foi levado a discordar dele e a repreendê-lo. Isto confirma o fato de que o propósito de Paulo em toda a epístola aos gálatas foi o de demonstrar seu apostolado independente.

2:11, 12. Ele se opôs a Pedro porque a conduta de Pedro dava a falsa impressão de que ele estava renunciando à posição tomada em Jerusalém. A ação do concílio na questão do decreto (Atos 15:28,29) abriu a porta da liberdade de intercâmbio social entre judeus e gentios na igreja de Antioquia, uma liberdade que Pedro aceitou com alegria. Chegou até a comer com os gentios (cons. Atos 10:28; 11:3 ). Mas a chegada de certos homens enviados por Tiago, o reconhecido líder da igreja de Jerusalém, despertou o temor no coração de Pedro, pois ele se lembrou que a igreja mãe o repreendera por se associar e comer com os gentios na casa de Cornélio (Atos 11:1-18). Impossível saber qual o relacionamento entre esses visitantes e Tiago, e qual precisamente foi a missão deles. Pedro afastou-se (dos irmãos gentios) gradualmente, conforme sugere o original, talvez se ausentando em uma refeição do dia, em duas no outro, e finalmente excluindo-se inteiramente.

2:13. O exemplo de Pedro influenciava os outros. O verbo dissimularam (disfarçavam), geralmente traduzido para hipocrisia, significa uma falta de correspondência entre os atos externos ou o comportamento e o estado do coração. No farisaísmo os atos externos eram bons mas o estado do coração era geralmente corrupto. No caso de Pedro, suas convicções internas eram perfeitas, pois ele endossava a igualdade dos judeus na Igreja, mas a sua conduta não correspondia às suas convicções. Eis aqui uma observação melancólica – ao ponto de o próprio Barnabé, como se Paulo esperasse mais dele do que dos outros crentes judeus.

2:14. A declaração de que Pedro não estava agindo de acordo com a verdade do Evangelho precisa de explicação. Ele era judeu e portanto não era obrigado a viver como os gentios, como o fazia na companhia deles à mesa. Mas, agora, ao cortar relações depois de ter ido tão longe, logicamente estava competindo os crentes gentios a viverem como judeus, isto é, a adotarem a circuncisão e as leis dietéticos dos judeus para remover todas as barreiras que havia entre eles e homens como Pedro. Mas se os crentes gentios o fizessem, sacrificariam a verdade do Evangelho, que fora confirmada em Jerusalém. A igreja decidira que tal responsabilidade de obediência à lei não seda imposta aos crentes gentios. Estava em jogo todo o princípio da graça. O resultado lógico da conduta de Pedro era transformar cristãos gentios em judeus ou, pior ainda, forçar a criação de uma igreja gentia ao lado da igreja judia, o que sacrificaria a unidade do corpo de Cristo. Portanto a verdade do Evangelho estava envolvida.

2:15-18. Paulo fez Pedro compreender que ambos, sendo judeus por nascimento e tendo desfrutado das vantagens especiais do Judaísmo, inclusive a posse da Lei, tiveram todavia de se colocar no lugar da simples confiança em Cristo para salvação, como qualquer um dos pobres gentios. Pedro teve de concordar por causa de seu próprio compromisso com essa posição (Atos 15:11).

O V.T. mesmo testifica que a justificação não vem por obras da lei (cons. Sl. 143:2). Ser justificado significa ser declarado e considerado justo diante de Deus, ser vindicado de qualquer acusação de pecado inerente ao fracasso da guarda da santa lei de Deus. A fé em Jesus Cristo significa fé em Cristo (gr. genitivo objetivo). Esse rebaixamento do judeu ao nível do gentio parecia envolver Cristo, fazendo dEle ministro do pecado pelo fato dEle ter libertado o homem da escravidão da Lei, uma vez que a fé em Cristo para ambos, judeu e gentio, em termos idênticos, é a condição da salvação. Mas Paulo rejeitou a conclusão, pois descansava sobre uma falsa premissa, isto é, a imaginária superioridade do judeu sobre o gentio. Aqui Paulo delicadamente toma o que se refere a Pedro e o aplica a si mesmo. O verdadeiro transgressor não é Cristo, mas aquele que, tal como Pedro, edifica novamente uma distinção que já foi de fato destruída. Pedro fazia exatamente isso, fugindo à comunhão com os gentios, como se os crentes judeus fossem uma raça superior.

2:19-21. A Lei prestara um serviço a Paulo, mesmo se não lhe proporcionou a justificação. Pela Lei ele morreu para a própria Lei, pois a Lei criara uma consciência do pecado que o preparara para aceitar Cristo. Ela também levara Cristo à cruz a fim de redimir aqueles que infringiram a Lei. Cristo era o representante de Paulo nessa morte para a Lei. O resultado foi uma vida nova para Deus.

Estou crucificado com Cristo. O tempo perfeito enfatiza ambos, o acontecimento passado e seus efeitos contínuos. Essa morte produziu vida, embora não a mesma vida velha na fragilidade do homem natural, mas uma vida totalmente nova; não apenas vida divina impessoalmente garantida, mas antes o próprio Cristo vivo passando a habitar no redimido. Nesse arranjo, entretanto, não há submersão da personalidade humana. A nova vida é vivida sobre o princípio da fé em Cristo (cons. 2:16), em lugar da obediência legal. Esta fé constrói sobre o fato do amor pessoal do Salvador por aqueles em cujo benefício Ele morreu (cons. Ef. 5:2). Não confiar em Cristo desse modo seria aniquilar (pôr de lado) a graça de Deus. Se a justificação podia ser obtida pela lei, a morte de Cristo seria inexplicável; teria sido um gesto inútil.