Interpretação de Filipenses 3

Filipenses 3

Quando Paulo começa a concluir sua carta, alguma interrupção quebrou o fio de seus pensamentos. Quando ele retoma a ditar, divaga advertindo os filipenses contra os judaizantes e contra o antinominianismo autocomplacente. À altura do 4:4 (ou 4:8) ele já retorna ao seu tema original.

3:1. Quanto ao mais (finalmente). W. S. Tindal é citado dizendo que Paulo é “o pai de todos os pregadores que usam 'finalmente, meus irmãos' como indicação de que recuperaram o seu fôlego” (Herklotz, op. cit., pág,16). As mesmas coisas. Aquelas verdades centrais da vida e doutrina às quais Paulo faz repetidas referências. No presente contexto podem se referir ao seu ministério doutrinário enquanto estivera com eles ou à correspondência anterior da qual não temos nenhuma informação. A teoria de que uma tal carta tenha sido encaixada no texto, explicando a mudança abrupta no estilo e assunto em 3:2 (ou 3:16?), não é de modo nenhum necessária para explicar o que não passa de apenas uma “divagação curiosa” (Plummer, pág. 66. Cons. “Lost Epistles to the Philippians”, Lightfoot, págs. 138-142; Vincent, xxxi f.)

3:2. A advertência não é contra três tipos de pessoas (por exemplo, pagãos, mestres cristãos egoístas e judeus), mas contra um tipo visto sob três ângulos: seu caráter (cães), conduta (maus obreiros) e credo (circuncisão. Cons. Robertson em Abingdon Bible Commentary, pág, 1246). De acordo com a lei mosaica o cão era um animal impuro (Dt. 23:18). Nas cidades orientais ele era um animal necrófago e geralmente doente – “uma criatura desprezada, descarada e miserável” (SBK, 1, 722). Paulo inverte este termo de desrespeito que há muito era aplicado pelos judeus aos gentios (cons. Mt. 15:27) e diz que são os cristãos que se deleitam junto à mesa do banquete espiritual, enquanto os judeus são aqueles que comem as “sobras das ordenanças carnais” (Lightfoot). Os cães são ou os judaizantes extremista ou os judeus que se opunham ao evangelho (a linha demarcatória é bastante estreita). Com um amargo jogo de palavras, Paulo os chama de falsa circuncisão (katatome) em lugar de circuncisão (peritome). Eles são “aqueles que mutilam a carne”. O verbo foi usado na LXX referindo-se às mutilações proibidas pela lei mosaica.

3:3. Não eles, mas nós é que somos a circuncisão verdadeira. O novo Israel é composto, primeiro, daqueles que adoram a Deus no espírito. Que a igreja primitiva fazia essa asserção está certamente implícito no versículo. Novamente, o verdadeiro Israel se compõe daqueles que se gloriam em Cristo Jesus. Gloriar-se é uma expressão favorita de Paulo. Ele a usa trinta vezes em suas epístolas, embora apareça apenas duas vezes em outros lugares do N.T. Aqui o significado é “gloriar-se” ou “exultar”. Terceiro, o novo Israel é composto daqueles que não confiam na carne, isto é, nos privilégios externos.

3:4. O escritor, por um momento, coloca-se no mesmo terreno dos seus adversários para mostrar que mesmo de acordo com os padrões deles, ele tinha mais direito de confiar na carne (tomando pepoithesis objetivamente).

3:5. Paulo apresenta suas credenciais. Circuncidado ao oitavo dia. Era um verdadeiro israelita desde o nascimento (os ismaelitas, cujo sangue judeu foi misturado com o egípcio, não eram circuncidados a não ser quando completavam 13 anos). Ele não era prosélito, mas da linhagem de Israel. Na verdade, pertencia a honorável tribo de Benjamim, que deu a Israel o seu primeiro rei. Em contraste com os judeus que falavam o grego (helenistas), ele vinha de uma família que retivera os costumes hebreus e falava o hebreu (ou aramaico). Além desses privilégios herdados, havia questões que envolviam escolha pessoal. No seu relacionamento com a Lei ele era fariseu – um “apaixonado adepto da mais estrita tradição religiosa entre os judeus” (Muller, pág. 110).

3:6. Quanto à justiça que há na lei. “Justiça” que consiste em obediência às ordens externas. Irrepreensível. Uma declaração notável quando se considera a minuciosa legislação farisaica.

3:7. Seja qual for o lucro (plural) que Paulo possa ter tido (os privilégios mencionados nos vs. 5,6), ele os considerava como perda (sing). Eles não tinham valor algum – eram até um impedimento – porque tinham de ser esquecidos.

3:8. Aqui o escritor expande o pensamento precedente e o protege da má interpretação. Ele diz que considera (o tempo presente indica que o versículo 7 não foi um ato isolado e impulsivo do passado) todas as coisas (não apenas as suas antigas razões de confiança) como perda em comparação com o valor extraordinário do “conhecimento experimental de Deus” (o pensamento chave dos vs. 8-11). Além de considerá-las como perda, foram na realidade rejeitadas. A E.R.C, considera skybalon como aquilo que é rejeitado pelo corpo, isto é, esterco. Lightfoot favorece uma derivação de es kunas, “aquilo que se joga aos cães”, refugo (E.R.A.). A motivação sem precedentes dessa reviravolta foi ganhar a Cristo.

3:9. Paulo desprezava todas as aquisições pessoais para poder ser encontrado em Cristo. As cláusulas paralelas contrastam a justiça das obras, que se baseia na lei, com a justiça da fé, que é concedida por Deus. Aqui está a mais concisa das declarações de Paulo sobre a justificação pela fé.

3:10. A apaixonada expressão dos mais profundos anseios de Paulo. O conhecer é experimentar o poder que flui da união com o Cristo ressurreto e penetrar na comunhão de seus sofrimentos (todas as dificuldades a serem enfrentadas por causa de Cristo; cons. Atos 9:16). Que estes são dois aspectos da mesma experiência está indicado pelo artigo singular no grego. Conformando-me com ele (part. presente) na sua morte define melhor a experiência como a morte contínua do eu.

3:11. Para de algum modo. Uma expressão de humildade, não de incerteza. A ressurreição dentre (ek, “fora de”) os mortos é a ressurreição dos crentes, não uma ressurreição geral.

A Reta da Chegada. 3:12-16.

Para não dar a impressão de que ele já tivesse chegado, Paulo indica cuidadosamente que ele ainda estava muito envolvido na corrida da vida. Essa advertência contra a má interpretação foi causada pela influência dos perfeccionistas complacentes que se propagava grandemente na igreja.

3:12. Aquilo que Paulo não tinha ainda recebido era a experiência do conhecimento final e completo do seu Senhor (vs. 8-11). Perfeição define melhor o seu alvo. A perfeição aqui seria o pleno conhecimento e a conformidade perfeita. O versículo 12b pode ser assina parafraseado, “mas eu prossigo esforçadamente para ver se de algum modo poderei conquistar e tomar a posse (katalumbano é usado nos papiros tratando-se de colonizadores tomando posse de terras) daquilo para o que fui conquistado (o mesmo verbo acima) por Cristo Jesus na estrada de Damasco”. Deus tinha um propósito na conversão de Paulo, e Paulo desejava intensamente que esse propósito pudesse ser inteiramente realizado em sua experiência. Muitos comentadores consideram eph'ho como significando “porque”, o que acentuaria então o motivo (não o alvo) do esforço de Paulo (cons. C.F.D. Moule, Idiom Book, pág. 132).

3:13. Os versículos 13, 14 alargam o pensamento de 3:12. O estado do “não ainda” da perfeição cristã destrói a complacência e exige uma busca esforçada. Quanto a mim pode implicar em um contraste com a auto-apreciação dos outros. A metáfora é sobre uma corrida. A expressão concisa, mas uma coisa, expressa “singeleza de propósito e concentração de esforços” (Michael, pág. 160).

Esquecendo-me das coisas que para trás ficam. As realizações do passado de sua carreira cristã, que poderiam provocar a auto-satisfação e uma redução no ritmo da marcha.

Avançando descreve pitorescamente o corredor que apela para todas as forças que ainda lhe restam e inclina-se na direção do alvo (assim, nossa reta de chegada).

3:14. O alvo (skopos, de skopeo, “olhar fixamente para”). Aquilo em que os olhos estiveram fixos. Distração seria fatal. (Alguns sugerem que a metáfora se refere a uma corrida de carros.) Se a perfeição final é o alvo do corredor (aquilo que evita que se desvie do seu curso), é também o seu prêmio. O prêmio pertence àqueles que correspondem de todo o coração à soberana vocação de Deus (afastando-se do ego na direção de novas alturas de realizações espirituais) em Cristo Jesus.

3:15. Sermos perfeitos. Sermos amadurecidos. Nas religiões pagãs indicava aqueles que estavam de posse dos mistérios opondo-se aos noviços. Não há aqui nenhuma indicação de “ironia reprovada” (de acordo com Lightfoot).

Tenhamos este sentimento. Tenhamos esta atitude básica de disposição, isto é, os sucessos do passado não devem remover a necessidade de lutas futuras. Se porventura pensais doutro modo, Paulo acrescenta a título de encorajamento. “Se vocês não se sentem suficientemente convencidos que este ponto de vista deve ser aplicado a todos os setores da vida, Deus há de revelar isto também”.

3:16. Embora o significado preciso deste versículo resumido seja duvidoso, a idéia geral é bastante clara: “Não nos desviemos destes princípios gerais que nos conduziram em segurança até o presente estágio da maturidade cristã”. A condição para iluminação futura é andar de acordo com a presente luz.

Uma Comunidade Cristã. 3:17-21.

A presença daqueles cujo modo sensual de vida estava solapando a eficácia do Evangelho levou Paulo a exortar os filipenses a imitá-lo e a outros que também viviam como cidadãos do céu.

3:17. Deviam se juntar uns aos outros na imitação de Paulo e os outros que, depois de acurado exame (skopeo; veja v. 14), provassem estar vivendo no mesmo nível elevado. Typos (modelo) era originalmente o sinal deixado por um golpe, depois veio significar “padrão” ou “molde”.

3:18. Estes aqui descritos não são os judaizantes (v. 2 e segs.), nem pagãos (isto teria provocado uma reação diferente do que o termo chorando expressa), mas libertinos antinominianos que de certo modo estavam ligados à igreja. Eles interpretavam mal a liberdade cristã, considerando-a liberdade de toda restrição moral. Eles são (não “vivem como”) inimigos da cruz. Eles estavam em inimizade com tudo o que a cruz representa.

3:19. O destino deles é a perdição, a antítese da salvação. Seu deus, o objeto supremo de sua preocupação, era o ventre. A referência não foi feita apenas à glutonaria, mas a toda indulgência sensual. Sua suposta liberdade era realmente escravidão à vergonhosa concupiscência, e eles se sentiam dispostos a debater estes assuntos sórdidos e terrenos.

3:20. Em contraste com estes licenciosos e devassos, os cristãos amadurecidos viviam como uma colônia de cidadãos celestiais cuja habitação temporária era a terra. Enquanto politeuma (a única ocorrência no N.T.) pode indicar o padrão de vida seguido por um cidadão, aqui ele significa o estado ao qual o cidadão pertence (pátria). Os cidadãos romanos vivendo na colônia de Filipos logo perceberiam o que o apóstolo queria dizer. Apekdekometha traduzido para aguardamos (E.R.A.) e esperamos (E.R.C.) indica uma expectativa ansiosa.

Inscrições mostram que soter, salvador, era largamente usado no mundo greco-romano para designar reis e imperadores. Aqui ele amplia a metáfora precedente e reflete a atitude da igreja primitiva para com a volta de Cristo.

3:21. Quando Cristo aparecer, ele transformará (metaskematizo) nosso corpo de humilhação, o corpo que agora reveste nosso humilde estado de existência mortal. Para ser igual (symmorfon; em relação a skêma e morfê, cons. 2:6) ao corpo da sua glória, o corpo no qual Cristo está revestido em Seu estado glorificado. Esta transformação exige um ato de Energia gr. (eficácia de poder) só é usada por Paulo e quase sempre indica Deus em ação.

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