Interpretação de Filipenses 2

Filipenses 2

Em quatro compactas cláusulas condicionais, Paulo apresenta a motivação poderosa da harmonia na comunidade cristã.

2:1 A primeira categoria das cláusulas condicionais (se) aceita a premissa como verdadeira, e o se costuma ser traduzido para desde que.

O fundamento do apelo é estarem em Cristo. Consolação de amor. O incentivo que o laço de amor fornece. Comunhão do Espírito. A preocupação mútua despertada pelo Espírito de Deus. Entranhados afetos e misericórdias (unindo os dois substantivos). Um apelo à bondade humana.

2:2 A alegria de Paulo seria completa se os filipenses continuassem (observem o tempo presente) pensando a mesma coisa, tendo o mesmo amor, sendo unidos de alma, tendo o mesmo sentimento. A sinceridade do apóstolo se vê em sua expansão quase redundante – tendo o mesmo amor e unidos de alma (simpsikê), tendo o mesmo sentimento.

2:3 Partidarismo (cons. 1:17) e vanglória (kenodoxia combina as duas palavras "vazio" e "opinião") eram os inimigos teimosos e traiçoeiros da vida da igreja. Deviam ceder lugar à humildade (os gregos defendiam tanto os seus próprios direitos que uma nova palavra precisou ser cunhada) e considerando cada um (estimando) os outros superiores a si mesmo (não necessariamente como se fosse essencialmente superior, mas como merecedor de tratamento preferencial). Muller descreve a humildade como sendo "a visão interior da própria insignificância" (op, cit., pág. 75).

2:4 Assim como a humildade (v. 3a) é a antítese da vanglória, a consideração pelos outros (v. 4) é a antítese da contenda (ambições egoístas).

2:5-11 Paulo cita um hino da igreja primitiva, o qual descreve eloquentemente a divina condescendência de Cristo em Sua encarnação e morte, a fim de reforçar seu apelo por uma vida altruísta e sacrificial. (Para um exame atual e excelente dessa muito discutida passagem, cons. V. Taylor, The Person of Christ, pág. 62-79). A interpretação que se segue apresenta um contraste básico entre os dois Adões, e compreende o "auto-esvaziamento" de Jesus em termos do Servo Sofredor (cons. A.M. Hunter, Paul and His Predecessors, pág. 45-51, para ver uma apresentação competente deste modo de encarar o assunto). Se nos lembrarmos que a linguagem de 2:5-11 é poética, não de teologia formal, muitos dos problemas que surgiram por causa das especulações kenóticas (lit. esvaziar-se), ficarão devidamente dentro do prisma da irrelevância quanto aos ensinamentos essenciais da passagem.

2:5 O mesmo sentimento. Melhor, Mantenham essa íntima disposição uns para com os outros que foi exemplificada (o verbo tem de ser suprido) em Cristo Jesus.

2:6 Subsistindo em forma de Deus. Melhor, Embora no seu estado pré-encarnado possuísse as qualidades essenciais de Deus, ele não considerou o seu status de divina igualdade um prêmio a ser egoisticamente entesourado (tomando harpagmos passivamente). Morfê, forma, nos versículos 6 e 7 denota uma expressão permanente de atributos essenciais, enquanto skêma, forma (v. 8), refere-se à aparência externa que está sujeita à mudança.

2:7 Antes a si mesmo se esvaziou. Ekenôsen não tem a intenção de falar do sentido metafísico (isto é, que ele tenha se despojado de seus atributos divinos), mas é uma "expressão pitoresca da totalidade de Sua auto-renúncia" (M.R. Vincent, A Critical and Exegetical Commentary on the Epistles to the Philippians and to Philemon, pág. 59). Observe a alusão feita a Is. 53:12, "porquanto derramou a sua alma na morte". Cristo esvaziou-se assumindo a forma de servo. (o uso de morfê, forma, aqui, indica a veracidade de sua posição de servo), tornando-se em semelhança de homens. Ao contrário do primeiro Adão, que fez uma tentativa frenética de alcançar posição de igualdade com Deus (Gn. 3:5), Jesus, o último Adão (I Co. 15:47), humilhou-se e obedientemente aceitou o papel de Servo Sofredor (cons. a contribuição de R. Martin em ExpT, Março de 59, pág. 183 e segs.).

2:8 O ato da humilhação voluntária não parou na Encarnação, mas continuou até as profundezas ignominiosas da morte pela crucificação. A omissão do artigo diante de staurou, cruz, enfatiza a natureza vergonhosa da morte – e morte de cruz. (Com relação à opinião dos romanos quanto à crucificação, cons. Cícero In Verrem 5.66). A si mesmo se humilhou. Ele pôs de lado todos os direitos pessoais e Seus interesses a fim de assegurar o bem-estar dos outros.

2:9 Como consequência, Deus o exaltou sobremaneira (a Ascensão e Sua glória concomitante), e lhe deu o nome que está acima de todo nome (ou deve ser SENHOR, kurios, o nome no V.T. usado para Deus; ou deve ser entendido no sentido hebraico, indicando posição e dignidade). Os versículos 9-11 correspondem aos versículos 6-8, e são os que melhor se encaixam, no presente contexto (a exortação interrompida continua em 2:12), como o final do hino originalmente citado por causa da força de sua primeira estrofe.

2:10 Baseando-se em Is. 45:23, onde o Senhor profetiza que uma adoração universal lhe será dada um dia, o autor escreve que no nome de Jesus (não ao, o que poderia sugerir genuflexão mecânica à menção do nome, mas em relação a tudo o que o nome representa) a totalidade dos seres racionais criados lhe prestarão a devida homenagem. Nos céus, na terra e debaixo da terra é uma expressão de universalidade e não deve ser forçada a apoiar elaboradas teorias de classificação.

2:11. O verbo composto traduzido para confesse (exomologeô) pode significar "confessar com ação de graças" – embora isto poderia parecer estranho se toda a língua inclui os perdidos além dos salvos. Jesus Cristo é Senhor é o mais antigo credo da igreja primitiva (cons. Rm. 10:9; I Co. 12:3). O Senhorio de Cristo é o âmago do Cristianismo.

2:12-18 O grande exemplo de auto-renúncia de Cristo levou Paulo a advertir mais seus irmãos filipenses.

2:12 Amados meus. Uma expressão favorita (ocorre duas vezes em 4:1) que revela um profundo amor pelos seus convertidos. Ele insiste com eles, desenvolvei a vossa salvação, especialmente em sua ausência. A passagem se relaciona antes à comunidade do que os indivíduos (cons. Michael, op. cit., pág. 98 e segs.). A salvação coletiva está envolvida. Os filipenses deviam levar a cabo (kutergazomai, continuar desenvolvendo, é um presente contínuo) o livramento da igreja até que esta alcançasse o estado da maturidade cristã. Com temor e tremor parece ser uma expressão idiomática para um estado de espírito humilde (cons. I Co. 2:3; II Co. 7:15; Ef. 6:5).

2:13 Humildade com referência ao seu livramento estava no devido lugar porque, apesar de sua cooperação, era Deus (observe a posição enfática) que criara neles tanto a vontade como o poder (ele "energiza" – energeo) de fazer a sua vontade (ou, promover sua boa vontade, isto é, a harmonia na igreja filipense).

2:14 A exortação contra murmurações e contendas (dialogismos foi usado em papiros para indicar litígios) reflete como um antecedente as murmurações dos israelitas em sua peregrinação pelo deserto. (Entretanto, colocar Paulo conscientemente comparando-se com Moisés quando ele pronunciou suas últimas injunções é mais imaginativo que provável.)

2:15 Não murmurando, eles se tornariam (ginomai) irrepreensíveis (diante dos outros) e sinceros (akeraios, lit. autênticos – exibindo simplicidade de caráter). Inculpáveis, amômos, na LXX, foi quase que invariavelmente usado para os sacrifícios de animais. Uma geração pervertida e corrupta (uma adaptação de Dt. 32:5) é o resultado da distorção moral e intelectual. Neste mundo -de trevas os cristãos devem brilhar como astros (cons. Mt. 5:16).

2:16 Se Paulo está continuando a mesma metáfora, epikontes, etc. será traduzido para ofereçam (como uma tocha que se segura com a mão estendida) a palavra (que produz) vida; mas se a cláusula final do versículo 15 é parentética (Lightfoot) e o apóstolo está contrastando os cristãos com a geração perversa, será traduzido para apeguem-se (retende). Corri reflete a atividade do estádio. Esforcei. Deissmann vê aqui a frustração de se ter tecido um pedaço de pano só para vê-lo rejeitado (LAE, pág. 317). Talvez Herklotz esteja certo em se referir a Paulo como "o mestre das metáforas confusas" (H. G. G. Herklotz, Epistle of St. Paul to the Philippians, pág. 74).

2:17 Uma metáfora elaborada sobre o ritual sacrificial. A fé dos filipenses (e tudo o que envolve em termos de vida e atividade) era seu sacrifício e serviço. A energia vital de Paulo seria uma libação derramada sobre suas ofertas. Se era isto o que o futuro reservava, então até nisso Paulo se regozijava. Ele se regozijava com todos (sigkairô) porque um sacrifício duplo proporcionava a oportunidade para futura comunhão.

2:18 Eles deviam adotar o mesmo ponto de vista e se lhe juntar no regozijo.

2:19-30 Paulo tinha esperanças de enviar Timóteo dentro de pouco tempo com as notícias da decisão da corte e então ele mesmo ir o mais cedo possível. Enquanto isso não acontecesse, enviaria Epafrodito de volta – mensageiro deles a Paulo em sua angústia – para aliviar a preocupação dos filipenses e para restaurar a alegria deles.

2:19 Embora o apóstolo insistisse com eles a que cuidassem de seus próprios negócios (v. 12), ele não os deixaria sem orientação. O propósito de enviar Timóteo era que Paulo poderia ficar animado (eupsikeô, lit., ser encorajado) se recebesse notícias deles, e vice-versa (implícito em eu... também).

2:20 Ninguém. Não uma impetuosa condenação dos seus cooperadores. Mas entre aqueles que estavam ali à disposição não havia ninguém que, como Timóteo, estivesse sinceramente (gnêsios, lit., nascido do matrimônio; portanto, "como um irmão") preocupado pelo bem-estar deles.

2:21. Paulo se sentia mais ou menos como o "abandonado" Elias.

2:22. O caráter provado de Timóteo (dokimê, "aprovação obtida por meio de teste") era bem conhecida dos filipenses, porque eles já o tinham observado (Atos 16) quando serviu a Paulo como Filho ao pai, no (interesse do) evangelho.

2:23 É o próprio Timóteo (observe a posição enfática de touton) que Paulo esperava (seus planos ainda estavam um tanto indefinidos) enviar tão logo tivesse uma perspectiva definida (aforaô, "ver", significa lit. olhar de) do resultado de sua prisão.

2:24 Entretanto, ele estava persuadido que logo (takeôs é um termo razoavelmente flexível) ele, também, iria ter com eles. No Senhor. Todos os planos de Paulo estavam condicionados por esse relacionamento com Cristo.

2:25 Epafrodito (encantador) é um dos heróis mais atraentes do N.T. Ele fora encarregado de levar o presente em dinheiro (4:18) e de servir Paulo no interesse dos filipenses. Paulo o chama de irmão (enfatizando o laço do amor familiar cristão), cooperador (um termo emprestado da oficina, que destaca o espírito de companheirismo), e companheiro de lutas (sistratiôtês representa os cristãos lutando lado a lado contra os furiosos ataques do paganismo. Phillips traduz companheiro de armas). Julguei. Na correspondência de antigamente era costume o escritor adotar a perspectiva do leitor (cons. também mandá-lo, v. 28).

2:26 A intensa saudade que Epafrodito sentia dos cristãos lá em Filipos transformara-se em desespero quando soube que a notícia de sua doença já chegara até eles. O verbo traduzido para estava angustiado normalmente deriva de ademos, "não à vontade", isto é, "não à vontade intimamente"; portanto angustiado, fora de si. Foi usado, por exemplo, para descrever a profunda consternação do Getsêmani (Mc. 14:33).

2:27 O apóstolo afirma a seriedade da crise. A condição de Epafrodito fora muito séria (tomando paraplesion, mortalmente, como advérbio). Mas Deus tivera misericórdia de ambos. Epafrodito se recuperou, e esta aflição não fora acrescentada às outras preocupações de Paulo. Tristeza sobre tristeza significa "onda sobre onda de circunstâncias angustiantes".

2:28 Vos alegreis... novamente. Lightfoot (pág. 124) traduz, possa recuperar vossa alegria. O alívio da ansiedade deles diminuiria a de Paulo. Assim, ele enviou Epafrodito de volta mais depressa (ou spoudaiateros pode indicar "com grande ansiedade") do que deveria tê-lo feito.

2:29 Alguns comentadores veem uma nota de apreensão na "carta de recomendação" de Paulo. Não haveria em Filipos aqueles que julgariam que, tendo retomado prematuramente, Epafrodito teria desertado de suas obrigações? Entretanto, o versículo irão precisa ser tomado como um apelo. Moule sugere, "Aceitem-no como presente meu para vocês" (pág. 54).

2:30 Ele era digno de honra porque, no cumprimento de suas obrigações, quase morreu. Às portas da morte reflete uma atitude igual a de Cristo (cons. mesma frase em 2:8). E isso aconteceu a fim de completar a tarefa que eles lhe impuseram de servir a Paulo. O contexto mostra que a condição crítica de Epafrodito foi devida a esforço excessivo, mais do que à perseguição ou aos fiscos da viagem. Se dispôs a dar a própria vida. De parabolos, "ousado, arrojado". Em Alexandria surgiu uma associação de homens conhecidos como os Parabolani. Entre as arrojadas obrigações desse "'esquadrão suicida" estava incluído o cuidado dos doentes durante as epidemias.

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