Estudo sobre Mateus 8

Estudo sobre Mateus 8:1-4

Na antiguidade a lepra era a mais terrível de todas as enfermidades. E. W. G. Masterman escreve: "Nenhuma outra enfermidade converte o ser humano em uma ruína tão total e horrível à vista, e durante tanto tempo." A princípio são pequenos nódulos que terminam ulcerando-se. Estas úlceras produzem um líquido de aspecto desagradável e vão aumentando. Caem as sobrancelhas. Os olhos assumem um aspecto fantasmagórico, como se nunca deixassem de olhar fixamente a outros. Ulceram-se as cordas vocais e a voz se torna afônica e a respiração sibilante. Pouco a pouco o doente se converte em uma só massa de excrescências ulcerosas. Este tipo de lepra, termina com o doente em uns nove anos, ao final dos quais se perde a razão, o paciente entra em coma e finalmente morre.

A lepra pode começar com a perda da sensibilidade em qualquer parte do corpo. Neste caso a afecção atacou os nervos. Pouco a pouco os músculos do corpo se desintegram, os tendões se contraem até que as mãos adquirem o aspecto de garras. Seguem as ulcerações nas mãos e nos pés e a perda progressiva dos dedos de ambos. Por último se vão perdendo as mãos e os pés inteiros, até que sobrevém a morte. A duração desta classe de lepra, é entre vinte e trinta anos. É uma espécie de morte horrenda, na qual o homem morre polegada a polegada. (É importante esclarecer que hoje tudo isto, graças à medicina moderna, virtualmente desapareceu, e é perfeitamente possível controlar e até curar a lepra. Mas nos tempos de Jesus não se conheciam os tratamentos que hoje estão ao alcance de qualquer pessoa.) A condição física do leproso era terrível. Mas havia algo que a fazia pior ainda. Josefo diz que os leprosos eram tratados "como se fossem mortos". Quando se diagnosticava lepra, o doente era instantânea e automaticamente excluído de toda sociedade humana. "Todo o tempo que a chaga estiver nele será imundo; estará impuro e habitará sozinho; fora do acampamento será sua morada" (Levítico 13:46). O leproso devia vestir-se com farrapos, usar o cabelo despenteado, com o lábio superior coberto por uma bandagem, e enquanto caminhava devia gritar todo o tempo "Imundo! Imundo!" (Levítico 13:45).

Durante a Idade Média quando alguém contraía a lepra, o sacerdote devia colocar-se a estola, tomar seu crucifixo, introduzi-lo na igreja e ler o serviço de defuntos. Para todo propósito humano esse homem tinha morrido. Na Palestina, nos tempos de Jesus, ao leproso era proibida a entrada a Jerusalém e a todas as cidades muradas. Nas sinagogas havia uma pequena habitação isolada, de três metros de altura por dois de lado, chamada mechitsah, na qual podia ouvir o culto. A lei enumerava sessenta e um contatos que podiam tornar o judeu em impuro, e o segundo em importância, depois do contato direto com um morto era o contato com leprosos. Pelo fato de um leproso apenas introduzir a cabeça em uma casa, esta ficava poluída dos alicerces até as vigas do teto. Até em um lugar aberto era ilegal saudar um leproso, e ninguém podia aproximar-se de mais de quatro cotovelos -uns dois metros do leproso; mas se o vento soprava do lado onde estava o leproso, este devia manter-se a não menos de cem côvados de distância. Um rabino nem sequer teria comido um ovo comprado em uma rua por onde tinha passado um leproso. Outro rabino se gabava de que atirava pedras nos leprosos para que não se aproximassem dele. Outros se escondiam ou saíam correndo cada vez que viam um leproso mesmo à distância.

Nunca houve uma enfermidade que separasse um homem de seus semelhantes como a lepra. E este homem foi o que Jesus tocou. Para um judeu a frase mais extraordinária de todo o Novo Testamento provavelmente seja: "Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe (ao leproso)" Nesta história devemos notar duas coisas - o leproso se aproxima e Jesus responde. Na aproximação do leproso há três elementos que convém destacar.

(1) O leproso se aproximou com confiança. Não duvidava de que se Jesus quisesse, podia curá-lo. Isto é fé. Nenhum leproso se aproximou de um rabino ortodoxo ou de um escriba. Sabia perfeitamente que eles lhe jogariam pedras para afastá-lo. Mas este homem se aproxima de Jesus. Tinha perfeita confiança que Jesus daria as boas-vindas ao homem que todos tinham rechaçado. Ninguém deve sentir-se muito impuro para aproximar-se de Jesus. O leproso, além disso, tinha perfeita confiança no poder de Jesus. A lepra era o único mal para o qual a medicina rabínica não prescrevia remédio algum. Mas este homem tinha a segurança de que Jesus podia fazer o que ninguém podia fazer. Ninguém deve sentir que sua enfermidade, do corpo ou da alma, é incurável, enquanto Jesus Cristo siga existindo.

(2) O leproso acudiu a Jesus humildemente. Não exigiu a cura; limitou-se a dizer: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me." Era como se houvesse dito: "Eu sei que sou um lixo, sei que qualquer outro homem fugiria de mim; sei que não tenho direito algum, mas possivelmente você, na misericórdia divina, comunicará seu poder a alguém como eu." Somente o coração humilde, consciente apenas de sua necessidade, é o que encontra seu caminho para Cristo.

(3) O leproso se aproximou com reverência. Em nossa versão da Bíblia diz que o leproso se prostrou diante de Jesus. O verbo grego é proskuein, que só se usa com relação à adoração dos deuses; sempre descreve os sentimentos e a atitude de um homem frente à divindade. O leproso não poderia dizer a ninguém o que pensava sobre Jesus, mas sabia que na presença de Jesus estava na presença de Deus. Não é necessário que traduzamos isto a uma terminologia filosófica ou teológica. É suficiente que saibamos que ao estar na presença de Jesus nos encontramos ante o amor e o poder do Deus Todo-poderoso.

Sendo esta a atitude com que o leproso se aproximou de Jesus, produz-se, então, a resposta de Jesus. Em primeiro lugar, sua reação foi a compaixão. A Lei dizia que Jesus não devia tocar nesse homem; ameaçava-o com uma terrível impureza se permitia que o leproso se proximasse dele de menos de dois metros de distância. Mas Jesus estendeu sua mão e tocou o leproso. A medicina da época teria advertido a Jesus que corria o risco de uma severa infecção; mas Jesus estendeu a mão e tocou o leproso. Para Jesus a vida impunha somente uma obrigação - a de ajudar. Havia somente uma lei - a lei do amor. O dever da compaixão, a obrigação do amor, tinham precedência sobre todas as outras regras, mandamentos e leis; esta obrigação o fazia desafiar todos os riscos físicos.

Para um bom médico um doente de uma enfermidade repugnante não é um espetáculo asqueroso, mas um ser humano que necessita de sua habilidade para curar. Para o médico o menino atacado de uma enfermidade contagiosa não é uma ameaça, mas um ser tenro que necessita ajuda. Assim era Jesus. Deus é assim e nós devemos ser assim. O verdadeiro cristão rompe todas as convenções e assume todos os riscos quando se trata de ajudar ao próximo necessitado.

Mas há outros dois detalhes do incidente que demonstram como, embora Jesus estava disposto a desafiar a Lei e expor-se a qualquer contágio para ajudar, não era um ser desatento e rebelde sem sentido, nem esquecia as exigências da verdadeira prudência. (1) Ordenou ao homem que guardasse silêncio e não publicasse a todo mundo o que Jesus fez com ele. Esta ordem de guardar silêncio é freqüente nos lábios de Jesus (Mateus 9:30; 12:16; 17:9; Marcos 1:34; 5:43; 7:36; 8:26). Por que Jesus ordenaria este silêncio? Palestina era um país ocupado, e os judeus eram uma raça orgulhosa. Nunca esqueciam que eram o povo eleito de Deus. Sonhavam com o dia quando viria seu divino libertador. Mas a maioria pensava que esse seria um dia de conquista militar e poder político. Por isso, Palestina era a região mais inflamável do mundo antigo. Líder após líder se levantou entre os judeus, teve seu dia de glória, e foi esmagado pelo poder de Roma.

Se o leproso tivesse divulgado o que Jesus fez com ele, iria produzir-se um movimento popular para colocar um homem com os poderes de Jesus à frente de um movimento de libertação militar e política. Antes que Jesus tivesse podido fazer algo para deter o movimento, teria estalado mais outra sangrenta rebelião na história da Palestina. Jesus tinha como alvo educar as mentes dos homens e transformar suas idéias; devia levá-los a ver de algum modo que seu poder era o amor e não a força das armas. Viu-se obrigado a trabalhar virtualmente em segredo até que os homens o conhecessem bem e soubessem que o motivo de sua vida e liderança não era a destruição da vida, mas sim o amor. Jesus ordenava aos que ajudava que guardassem silêncio a fim de que não pretendessem utilizá-lo para fazer com que seus sonhos se convertessem em realidade, em vez de esperar o cumprimento do sonho de Deus. Deviam guardar silêncio até não ter aprendido a dizer com respeito a ele o que era correto.

(2) Jesus enviou o leproso aos sacerdotes, para que fizesse a oferenda correspondente segundo a Lei, e recebesse assim o certificado de saúde. Os judeus tinham tal terror da lepra, que até havia um ritual prescrito para o caso pouco provável de uma cura. O ritual aparece em Levítico 14. O leproso era examinado por um sacerdote. Levava duas aves, uma das quais era morta sobre água corrente. Além disso se tomava cedro, hissopo e grão. Estas três substâncias junto com a ave viva, umedeciam-se no sangue da ave morta, e então ficava em liberdade a ave viva. O ex-doente se lavava, lavava sua roupa e se barbeava. Depois de sete dias era novamente revisado. Então devia barbear-se a cabeça e as sobrancelhas. Nessa ocasião se fazia o sacrifício de dois cordeiros machos sem mancha nem defeito algum, e um cordeiro fêmea, certa quantidade de farinha mesclada com azeite e uma medida de azeite. O leproso curado era aspergido com o sangue dos animais e o azeite no lóbulo da orelha direita, no polegar da mão direita e no dedo gordo do pé direito. Ele voltava a ser examinado, e se a cura demonstrava ser autêntica, podia ir embora, com um certificado que estabelecia sua cura.

Jesus ordenou ao leproso que se submetesse a todo esse processo. Esta ordem de Jesus também nos ensina algo. Recomendou-lhe que não descuidasse o único tratamento que se conhecia naqueles dias. Não recebemos milagres descuidando o tratamento que a medicina e a ciência põem a nosso alcance. Devemos fazer tudo o que possamos antes de esperar que Deus coopere com nossos esforços. Os milagres não acontecem se esperarmos de braços cruzados que Deus faça tudo, antes são o resultado do esforço cheio de fé do homem e da graça ilimitada de Deus.

Estudo sobre Mateus 8:5-13

Apesar de sua muito breve aparição na cena do relato evangélico, este centurião é um dos personagens mais simpáticos de toda a história. Os centuriões eram a espinha dorsal do exército romano. Cada legião romana constava de 6.000 homens divididos em sessenta centúrias de cem homens cada uma. À frente de cada centúria se encontrava um centurião. Estes centuriões, os verdadeiros soldados profissionais, veteranos do exército, eram os responsáveis pela disciplina do regimento, e os que davam coesão ao exército romano. Tanto na guerra como na paz a moral das tropas dependia deles.

Em sua descrição do exército romano, Políbio enumera as condições que devia reunir um centurião: "Não devem ser tanto atrevidos que buscam o risco inútil, como homens capazes de dar ordens, firmes na ação e dignos de confiança; não devem estar ansiosos por lançar-se ao combate, mas quando a pressão é muito grande, devem estar dispostos a manter o terreno, e morrer em seu posto." Os centuriões eram os melhores homens do exército romano.

É interessante assinalar que todos os centuriões que se mencionam no Novo Testamento são pessoas respeitáveis. Menciona o centurião que reconheceu a Jesus como Filho de Deus quando estava na cruz; menciona Cornélio, o primeiro pagão convertido ao cristianismo; menciona o centurião que reconheceu ao Paulo como cidadão romano e o resgatou da multidão avivada; menciona o centurião que se inteirou do plano dos judeus de assassinar a Paulo no caminho entre Jerusalém e Cesareia e deu os passos necessários para frustrar esse plano homicida; menciona o centurião a quem Félix encomendou a vigilância de Paulo, e o que o acompanhou em sua última viagem a Roma, tratando-o com suma cortesia e aceitando-o como líder quando o navio em que navegavam foi surpreendido por uma tormenta (Mat. 27:34; Atos 10:22, 26; 23:17, 24; 24:23 e 27:43).

Mas há algo muito particular com respeito a este centurião da Cesaréia, e é sua atitude para com seu servo. Este servo deve ter sido um escravo, mas o centurião estava preocupado pela enfermidade que o afligia, e estava disposto a fazer tudo o que estivesse em suas mãos para curá-lo. Esta não era a atitude comum entre senhores e escravos naquela época. No Império Romano os escravos não contavam. Ninguém se importava se ficavam doentes, se morriam ou viviam.

Aristóteles fala sobre as amizades possíveis na vida, e diz: "Não pode haver justiça nem amizade com as coisas inanimadas, nem sequer com um cavalo, ou com um boi, ou com um escravo, enquanto escravo. Porque o senhor e o escravo não têm nada em comum. Um escravo é uma ferramenta dotada de vida, assim como uma ferramenta é um escravo sem vida." O escravo não era melhor que uma coisa; carecia de direitos legais; o senhor tinha plena liberdade para tratá-lo bem ou maltratá-lo, como quisesse. Gayo, o maior especialista em leis que Roma já teve, estabelece em seu Institutos: "Temos que saber que é um princípio aceito universalmente que o senhor tem poder de vida e morte sobre seus escravos." Varrón, o escritor romano especialista em agricultura, tem em suas obras uma passagem muito desagradável, na qual divide os instrumentos agrícolas em três classes - os invertebrados, os inarticulados e os mudos, "os invertebrados incluem os escravos, os inarticulados os animais de lavoura e os mudos os veículos". A única diferença entre um escravo, um animal ou um carro era que o primeiro podia falar.

Catão, outro autor romano que escreveu sobre agricultura, tem uma passagem que demonstra até que ponto a atitude do centurião era pouco comum. Está dando conselhos a um homem que comprou uma granja. "Examina o gado e realiza uma venda. Vende o azeite, se o preço nesse momento é satisfatório, e vende o restante do vinho e os cereais. Vende os bois muito velhos, o gado com defeitos, as ovelhas com defeitos, a lã, os couros, os carros velhos, as ferramentas velhas, os escravos velhos e os doentes, e tudo é desfazer-se do escravo doente.

Pedro Crisólogo resume aquilo que possa ser supérfluo. A recomendação de Carrón coloca a questão na seguinte passagem: "Tudo o que um senhor faça com um escravo, consciente ou inconscientemente, tendo previsto as conseqüências ou improvisadamente, depois de havê-lo pensado ou de modo irrefletido, voluntária e involuntariamente, é juízo, justiça e lei." É evidente que este centurião era um homem pouco comum, porque amava a seu escravo. É possível que tenha sido este sentimento tão totalmente incomum e inesperado o que tenha movido a Jesus quando o centurião foi a ele pela primeira vez. O amor sempre cobre uma multidão de pecados; o homem que se preocupa com outros homens sempre está perto do coração de Jesus.

O centurião não somente era um homem extraordinário pela atitude que manifestou com respeito a seu escravo. Além disso, era um homem de extraordinária fé. Queria que o poder de Jesus ajudasse e curasse a seu escravo; mas havia um problema. Ele era gentio, e Jesus judeu, e segundo a lei judia, um judeu não podia entrar na casa de um gentio, porque os lugares onde viviam os gentios eram considerados imundos. A Mishná o estabelece da seguinte maneira: "As moradas dos gentios são imundas." Jesus se refere a esta proibição quando pergunta: "Tenho que ir e curá-lo?" (Barclay). Não é que a lei da impureza significasse algo para Jesus, não é que se negasse a entrar na casa de alguém porque não fosse judeu. Simplesmente está pondo à prova a fé do centurião. E é precisamente nesse momento quando essa fé chega à sua culminância.

Como soldado, sabia perfeitamente bem o que significava dar ordens e que suas ordens se cumpriram de maneira indiscutida e instantânea. Por isso responde: "Não é necessário que venhas a minha casa. Não sou digno de que entres nela; tudo o que precisas fazer é dar a ordem, e essa ordem será obedecida." Nestas palavras fala a voz da fé, e Jesus afirma, continuando, que a fé é o passaporte que pode nos fazer ingressar na bem-aventurança e felicidade de Deus. Jesus usa aqui uma famosa imagem judia muito vívida. Os judeus acreditavam que quando viesse o Messias todos se sentariam a um grande banquete para celebrar o acontecimento. O Beemote, a maior das bestas terrestres, e o "Leviatã", o maior dos monstros marinhos, seriam os manjares que se comeriam nesse banquete. "Tu os reservaste para serem comidos por quem escolheres, e no momento em que tu o decidas" (4 Esdras 6:52). "Beemote sairá de sua toca, e Leviatã subirá do fundo do mar, esses dois grandes monstros que criei no quinto dia da criação, e que guardei até o grande dia, e servirão de alimento para todos os que fiquem" (2 Baruque 29:4). Os judeus esperavam este banquete com uma inflamada expectativa, mas nunca imaginariam que a ele poderiam sentar-se gentios. Quando o banquete tivesse lugar, os gentios teriam sido destruídos. "Porque a nação e o reino que não te servirem perecerão; sim, essas nações serão de todo assoladas" (Isaías 60:12).

Mas Jesus, nesta passagem, afirma que muitos virão do oriente e do ocidente, e se sentarão à mesa daquele banquete. O que é ainda pior, diz que muitos dos filhos do reino ficarão de fora. O filho é herdeiro, portanto o filho do reino é aquele a quem corresponde herdar o reino. Mas os judeus, segundo Jesus, perderão sua herança. Ficando sempre dentro do marco do pensamento judeu, convém recordar que "a herança dos pecadores são as trevas" (Salmos de Salomão 15:1). Os rabinos afirmavam: "Os pecadores, no Geena, estarão cobertos de trevas." Para um judeu o mais extraordinário e inaudito de toda esta passagem é que um gentio, a quem segundo seu pensamento só esperava as trevas de fora, fosse mencionado como possível candidato a participar do banquete messiânico, e que com respeito aos judeus, que ele esperava ver recebidos com os braços abertos, fosse arrojado às trevas exteriores.

Evidentemente segundo Jesus as coisas seriam à inversa do esperado, e todas as concepções sustentadas pelo judaísmo eram transtornadas. O judeu devia aprender que o passaporte para chegar à presença de Deus não é o pertencer a uma nação determinada, mas sim a fé. O judeu acreditava que por pertencer ao povo eleito Deus o amava. Pertencia ao povo do Senhor, e isso bastava para ser salvo. Jesus ensinou que a única aristocracia no reino de Deus é a aristocracia da fé. Jesus Cristo não é posse de raça alguma; pode ser possuído por qualquer homem, de qualquer raça, em cujo coração haja fé.

De maneira que Jesus disse as palavras necessárias, e deu a ordem, e o escravo do centurião foi curado. Até há pouco tempo este milagre teria maravilhado grandemente aos homens. Não é difícil imaginar-se a Jesus capaz de curar a alguém que estivesse diante dEle; mas que pudesse curar um homem a quem jamais tinha visto nem tocado, que estava longe dele, parecia ser algo quase completamente incrível. A ciência mais recente, enquanto isso, tem descoberto que existem forças muito pouco conhecidas, mas cuja existência é agora inegável, que podem agir desta maneira.

Em repetidas ocasiões os homens foram confrontados por poderes que não transitam os canais ordinários de comunicação, as rotas ou os canais mais evidentes. Um dois exemplos clássicos mais notáveis da operação positiva destes poderes é oferecido pela vida de Emanuel Swedenborg. Em 1759 Swedenborg estava em Gotenburgo e descreveu um incêndio que ocorria nesse momento em Estocolmo, a 500 quilômetros de distância. Fez um relato muito detalhado do sinistro às autoridades da cidade, dizendo onde tinha começado, quando, qual era ou nome dos donos da casa, e quando e como se conseguiu apagar o incêndio. As investigações ulteriores demonstraram que Swedenborg tinha comunicado a informação correta até nos mais mínimos detalhes. A visão destes fatos lhe tinha chegado por uma rota que não está entre as que são conhecidas pelos homens.

W. B. Yeats, o famoso poeta irlandês, tinha experiências desta natureza. Tinha elaborado um código de símbolos que era capaz de transmitir a outras pessoas pelo poder de seu pensamento. Nunca estudou este fenômeno cientificamente, mas a frequência de suas demonstrações não permite duvidar da veracidade dos testemunhos. Tinha um tio em Sligo, que não era um homem de inclinações particularmente místicas ou espirituais, ou religiosas. Quase todos os verões costumava visitá-lo em sua casa. Perto dali havia uma praia rodeada por dunas e escarpados, e Yeats adotou o costume de caminhar pela costa enquanto seu tio o fazia pelos escarpados. "Sem dizer uma palavra, eu imaginava um símbolo e ele, à distância, percebia-o com os olhos de sua mente. Depois de pouco tempo chegou a não equivocar-se. Praticamente nunca e recebia todas as minhas mensagens."

O próprio Yeats nos conta um incidente sucedido em Londres, durante um jantar na qual todos os participantes eram amigos íntimos. “Eu tinha escrito em um papel - diz Yeats - ‘dentro de cinco minutos York Powell falará de uma casa que se está queimando', e pus o papel debaixo do prato de meu vizinho de mesa. Pus-me a imaginar meu símbolo de fogo e esperei em silêncio. Powell foi mudando o tema da conversação, e dentro de cinco minutos se pôs a descrever um incêndio de uma casa da qual tinha sido testemunha quando era jovem.” Sempre houve testemunhos desta natureza, mas na atualidade há um cientista que experimentou com rigoroso critério o que ele denomina "percepção extra-sensorial". Refiro-me ao Dr. J. B. Rhine. Na Universidade Duke, dos Estados Unidos, o Dr. Rhine realizou milhares de experimentos que demonstram que os homens são capazes de perceber certas coisas por meios diferentes dos sentidos comuns. Rhine usa um maço de cartas que têm certos símbolos especiais impressos. Pede-se ao sujeito que vá identificando as cartas à medida que as põe sobre a mesa, voltadas para baixo, de tal modo que ele não pode vê-las. Um dos estudantes que participou destes experimentos, Hubert Pearce, obteve uma média de dez acertos (entre vinte e cinco possibilidades), durante as mil primeiras tiragens de cartas. A média estatística estabelece que os acertos atribuíveis à casualidade são de apenas quatro em vinte e cinco. Em uma ocasião, quando as circunstâncias se prestavam particularmente à concentração no jogo, pôde acertar corretamente os símbolos de vinte e cinco cartas. A probabilidade matemática de que isto se pode atribuir à casualidade é de 298.023.223.876.953.125 para 1.

Outro experimentador, chamado Bruman, efetuou uma prova diferente. Escolheu dois temas. Colocou o "remetente" da mensagem em uma habitação, no piso superior da casa, e o "destinatário" em outro, no piso inferior. Entre as duas habitações havia um painel de vidro duplo que tornava absolutamente impossível a transmissão de nenhuma mensagem mediante o som. Através do painel de vidro, o remetente podia ver as mãos do destinatário. Frente ao destinatário havia uma mesa, e sobre ela quarenta e oito quadrados. O destinatário tinha os olhos tampados. Entre ele e a mesa com os quadrados havia uma grossa cortina. Na mão tinha um ponteiro, com o que podia assinalar os quadrados que havia na mesa. O experimento consistia em que o remetente pensasse em um dos quadrados da mesa, que ele queria que o destinatário assinalasse. Segundo as leis da probabilidade o destinatário podia acertar uma em cada cento e oitenta ordens. De fato, acertou em sessenta. É muito difícil chegar a outra conclusão que não seja que a mente do remetente estava influindo na do destinatário. É um fato demonstrado que um tal Dr. Jante era capaz de hipnotizar à distância a dezoito de vinte e cinco pessoas, e tinha êxito parcial em outros quatro casos.

Não há dúvida de que as mentes podem agir entre si apesar das distâncias, em uma forma que na atualidade só agora estamos começando a compreender, embora falta muito para que possamos explicá-lo totalmente. Se as mentes humanas podem fazer tanto como isto, quanto mais não terá podido fazer a mente de Jesus? O mais estranho deste milagre é que a ciência moderna em vez de tornar mais difícil tornou mais fácil acreditar nele.

Estudo sobre Mateus 8:14-15

Comparando a narração de Marcos com a de Mateus, vemos que este episódio aconteceu em Cafarnaum, no sábado, depois do culto na sinagoga. Quando estava em Cafarnaum, Jesus se hospedava em casa de Pedro, porque nunca teve casa própria. Pedro estava casado, e segundo a lenda, mais tarde sua esposa colaborou com ele na proclamação do evangelho. Clemente de Alexandria (Strómateis 7:6) afirma que Pedro e sua esposa foram martirizados juntos. Pedro, segundo a lenda, viu a sua esposa sofrer antes de ser ele mesmo vítima do martírio. “Vendo como sua esposa era levada até a morte, regozijou-se pelo chamado a dar testemunho desta maneira que ela tinha recebido, e falou estimulando-a e dando-lhe coragem, chamando-a por seu nome e lhe dizendo: ‘Lembre-se do Senhor’.” Nesta ocasião a sogra de Pedro estava doente, com uma febre. Na Palestina havia três classes de febre muito comuns. Havia a febre de Malta, acompanhada por grande fraqueza, anemia e um declínio geral das energias que, depois de muitos anos de sofrimento, podia terminar com a morte do doente. Havia o que poderia denominar-se "febre intermitente", algo muito similar ao que hoje conhecemos como febre tifóide. Mas, sobretudo, havia a malária. Nas regiões em que o rio Jordão entrava e saía do mar da Galiléia, havia zonas pantanosas onde se criavam e multiplicavam os mosquitos da malária. Cafarnaum Tiberíades eram cidades onde abundavam os casos desta enfermidade. Em geral era acompanhada de icterícia e o doente experimentava acessos de febre com calafrios que o faziam sentir-se muito mal. O mais provável é que a sogra do Pedro sofresse de malária Este milagre diz muito sobre Jesus, e não pouco sobre a mulher que ele curou.

(1) Jesus acabava de chegar da sinagoga. Ali Ele havia enfrentado o endemoninhado, e o tinha curado (Marcos 1:21-28). Se tomarmos a sequência de Mateus, acabava de curar o escravo do centurião, enquanto se dirigia à casa. Jesus não fazia milagres sem esforço algum. Com cada milagre saía dele "virtude". Sem dúvida, a esta altura do dia, Jesus devia estar cansado. Ao chegar à casa do Pedro seu propósito era descansar, mas não havia sequer transposto a soleira da porta quando novamente foi-lhe requerida sua ajuda frente à enfermidade. Aqui não havia publicidade alguma; não havia uma multidão que admirasse a cura e contasse o fato a outros. Só havia um lar humilde, onde uma pobre mulher do povo se agitava presa de uma febre muito comum. E entretanto, nessas circunstâncias, Jesus exerceu todo seu poder. Jesus nunca estava muito cansado para ajudar. As demandas da necessidade humana nunca o incomodaram. Não foi uma dessas pessoas que mostram sua melhor cara em público, mas que em particular são insuportáveis. Nenhuma situação era muito humilde para que ele ajudasse. Não necessitava a presença de um público admirador para exercer sua compaixão. Tanto em meio à multidão como em um lar humilde, seu poder estava à disposição de todos os que pudessem requerer sua ajuda.

(2) Mas este milagre também nos diz algo a respeito da mulher a quem Jesus curou. Logo que foi curada ela se pôs a atender o Mestre e aqueles que estavam com Ele. Evidentemente se considerava "salva para servir". Ele a tinha curado, e seu único desejo, agora que se sentia bem, era ser de utilidade para ele e os outros. Que uso fazemos nós dos dons de Cristo?

Oscar Wilde escreveu o que ele mesmo denominava "o melhor e mais breve conto do mundo". W. B. Yeats o cita, em sua autobiografia, fazendo especial menção do que para ele é "sua terrível beleza". A versão de Yeats é a mais simples, e carece das ornamentações que depois lhe acrescentariam arruinando sua simplicidade original:

“Cristo desceu de uma planície branca a uma cidade púrpura, e ao atravessar a primeira rua estreita escutou gritos, e viu um homem jovem, bêbado, reclinado sobre uma janela. Perguntou-lhe: ‘Por que você esbanja a sua alma embebedando-se?’. ‘Senhor’, respondeu o bêbado, ‘eu era leproso e me curaste; que outra coisa posso fazer?’ Tendo entrado mais na cidade, viu outro homem jovem, que seguia uma prostituta, e lhe disse: ‘Por que você destrói sua alma em uma vida perdida?’ E o jovem lhe respondeu: ‘Senhor, eu era cego, e me deste a visão; que outra coisa posso fazer?’ E por fim, já no centro da cidade, viu um ancião, deitado em um canto, que chorava amargamente. Quando Jesus lhe perguntou por que chorava, o ancião lhe disse: ‘Senhor, eu tinha morrido, e Tu me ressuscitaste; que outra coisa posso fazer a não ser chorar?’ ”

Esta é uma terrível parábola da forma em que os homens usam os dons de Cristo e a misericórdia de Deus. A sogra do Pedro usou o dom de sua saúde restabelecida para servir a Jesus e a outros. Essa é a forma em que deveríamos usar todos os dons de Deus.

Estudo sobre Mateus 8:16-17

Como já vimos, o relato que Marcos faz destes acontecimentos estabelece claramente que ocorreram na tarde de um sábado (Marcos 1:21-34). Isso nos explica por que esta cena tem lugar pela tarde, depois do pôr-do-sol. Segundo a lei do Sábado, que proibia todo trabalho, era ilegal curar no sábado. Nesse dia podia fazer-se o necessário para impedir que uma pessoa piorasse de sua enfermidade, mas não podia fazer-se nada para melhorá-la. A disposição geral era que durante o sábado só podiam ser atendidos aqueles doentes cujas vidas corressem perigo. Além disso, estava proibido levar cargas no sábado, e uma carga era algo que pesasse mais que dois figos secos. Portanto, estava proibido levar um doente de um lugar a outro, quer em uma maca, entre duas pessoas, ou carregando-o sobre as próprias costas, ou nos braços, porque isso era levar uma carga. O sábado terminava oficialmente quando podiam ver-se duas estrelas no céu, pois naqueles dias não havia relógios. É por isso que a multidão de Cafarnaum aguardou o entardecer para levar até Jesus os doentes necessitados da cura que ele podia lhes oferecer.

Mas devemos pensar no que Jesus tinha estado fazendo durante aquele sábado. Esteve na sinagoga e tinha curado o endemoninhado. Pedro. Sem dúvida, tinha ensinado e pregado, e certamente se teria encontrado com seus acérrimos adversários. Agora tinha chegado a tarde. Deus deu aos homens o dia para trabalhar e a noite para o descanso. A tarde é o momento quando se deixa de lado o trabalho e começa o repouso. Mas não era assim para Jesus. No momento em que ele também necessitava o descanso, viu-se rodeado das clamorosas necessidades humanas e sem egoísmo, sem protestar, com uma generosidade divina, saiu ao encontro dos homens. Enquanto houvesse uma alma necessitada, não haveria descanso para Jesus.

Esta cena traz à mente de Mateus certas palavras de Isaías (Isaías 53:4) onde se diz que o Servo de Deus levou nossas enfermidades e sofreu nossas dores. O discípulo de Cristo não pode procurar descanso quando ainda há quem necessita ajuda e saúde; e o mais estranho é que seu cansaço desaparecerá e sua fraqueza se fortalecerá quando usar suas energias para ajudar a outros. De algum modo, quando chegarem as demandas, também virá o poder. E sentirá que pode seguir adiante por amor dos outros quando por si mesmo não daria mais nenhum passo.

Estudo sobre Mateus 8:18-22

À primeira vista esta passagem parece estar fora de lugar neste capítulo. Ele inclui vários milagres e a primeira impressão é que esta passagem não encaixa bem em um capítulo onde se narram somente feitos milagrosos. Por que Mateus o inclui aqui? Sugeriu-se que Mateus inclui esta passagem porque estava pensando em Jesus como o "Servo Sofredor". Acaba de citar Isaías 53:4: "Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças" (Mateus 8:17). De maneira muito natural, afirma-se, esta imagem leva o pensamento de Mateus à imagem seguinte, a de alguém que não tem um lugar onde repousar sua cabeça. Como diz Plummer: "A vida de Jesus começou em um estábulo emprestado, e terminou em uma tumba emprestada". Sugere-se, pois, que Mateus inseriu esta passagem aqui porque tanto esta como a anterior, mostram a Jesus como o Servo Sofredor de Deus.

É possível. Mas muito mais possível é que Mateus tenha incluído esta passagem em um capítulo sobre milagres porque entendia que nela se relatava um milagre. Deve-se levar em conta que quem queria seguir a Jesus era um escriba. Dirigiu-se a Jesus usando o título mais alto que conhecia: "Mestre". A palavra grega é didaskalos, que equivale ao hebreu rabbi. Para este escriba Jesus era o maior mestre que tinha ouvido ou visto em sua vida. Era verdadeiramente um milagre que um escriba outorgasse a Jesus esse título, e que queria segui-lo. Jesus propugnava a destruição e o fim do estreito legalismo sobre o qual estava construída a religião dos escribas. Era realmente um milagre que um escriba visse algo de atrativo e apetecível em Jesus. Trata-se do milagre do impacto da personalidade de Jesus Cristo sobre os homens.

O impacto de uma personalidade sobre outra pode certamente produzir os efeitos mais maravilhosos. Muitos grandes eruditos foram lançados à sua carreira de estudo pela personalidade de algum de seus professores ou mestres, durante os anos formativos. Muitos são cristãos e servem como cristãos a seus semelhantes graças ao impacto que alguma grande personalidade cristã fez sobre sua vida. A própria pregação foi definida e descrita por alguém como "a verdade através de uma pessoa".

W. H. Elliot, em sua autobiografia Undiscovered Ends, conta algo muito interessante com respeito à grande atriz Edith Evans: "Quando morreu seu marido, veio até nós, angustiada pela dor... Em nossa sala da casa em Chester Square derramou seus sentimentos e falou de sua perda durante mais ou menos uma hora. Eram sentimentos que surgiam das fontes mais profundas de sua alma. Sua personalidade enchia totalmente a habitação. Que devo dizer, a habitação não era o suficientemente grande para contê-la!... Durante vários dias a sala de nossa casa ficou como 'eletrizada', segundo eu disse então. As potentes vibrações emitidas por aquela mulher ainda não tinham desaparecido."

Esta história é similar a do impacto que produziu a personalidade de Jesus sobre o escriba. Até nossos dias segue sendo verdade que o mais necessário não é tanto falar com os homens sobre Jesus, como confrontá-los com Ele, e deixar que sua personalidade se ocupe do resto. Mas há muito mais que isto. Não termina o escriba de manifestar sua devoção quando Jesus lhe diz que as raposas têm covis, e as aves têm lugares para descansar nos ramos das árvores, mas o Filho do Homem não tem onde repousar sua cabeça. É como se Jesus dissesse: "Antes de me seguir, pensa muito bem o que vais fazer; antes de me seguir, calcula o custo." Jesus não queria seguidores arrastados por um momento de emoção que tão logo se acende como se apaga. Não queria homens que fossem arrastados por um mero sentimentalismo, que com a mesma facilidade que podia levá-los a ele, podia apartá-los.

Queria seguidores que soubessem o que estavam fazendo. Falou de carregar uma cruz (Mateus 10:38). Falou até de ficar acima das relações mais tenras e potentes da vida (Lucas 14:26). Falou de dar tudo aos pobres (Mateus 19:21). Sempre dizia aos homens: sim, já sei que seu coração corre para mim, e quer me seguir, mas, ama-me o suficiente para isso?" Em qualquer esfera da vida os homens devem confrontar-se com a realidade. Se um jovem expressa o desejo de cultivar a erudição, devemos lhe dizer: "Muito bem, mas está preparado para deixar de lado os prazeres e viver dedicado ao trabalho intelectual?" Quando um explorador está formando sua equipe, muitas pessoas se oferecem para acompanhá-lo, mas deve separar os românticos dos realistas, dizendo: "Bem, mas está preparado para o gelo e a neve, para os pântanos e o calor tropical, para a fadiga e o esgotamento de dias e dias de marcha?" Quando um jovem quer chegar a ser um atleta, o treinador deve lhe dizer: "Muito bem, mas estás preparado para a abnegação e a auto disciplina que são as únicas coisas capazes de te dar a eminência a que aspiras?"

Não se trata de apagar o entusiasmo, mas sim de reconhecer que o entusiasmo que não enfrenta a realidade muito em breve se consome, e somente ficam cinzas no lugar da chama. Ninguém poderá jamais dizer que seguiu a Jesus enganado. Jesus é absolutamente franco. Não estamos servindo a Jesus Cristo como ele quer que o façamos se levamos os homens a pensarem que o cristianismo é um caminho fácil de transitar. Não há coisa mais maravilhosa que seguir a Cristo, e não há glória como a que espera aos que chegam ao final do caminho; mas Jesus Cristo nunca disse que era um caminho fácil. O caminho para a glória sempre passa pela cruz.

Mas havia outro homem que também queria seguir a Jesus. Este disse que seguiria o Mestre se Ele lhe permitisse primeiro ir e enterrar a seu pai. A resposta de Jesus foi: "Segue-me, e deixa que os mortos enterrem a seus mortos." As palavras de Jesus, à primeira vista, parecem tremendamente duras. Para o judeu enterrar de maneira decente a seu progenitor era um dever dos mais sagrados. Quando morreu Jacó, José pediu permissão a faraó para ir enterrar a seu pai. "Meu pai me fez jurar, declarando: Eis que eu morro; no meu sepulcro que abri para mim na terra de Canaã, ali me sepultarás. Agora, pois, desejo subir e sepultar meu pai, depois voltarei" (Gênesis 50:5). Devido ao caráter aparentemente severo e até ofensivo desta passagem, deram-se muitas interpretações de seu significado. Sugeriu-se que na tradução do aramaico, que Jesus falava, ao grego do Novo Testamento, houve um engano de termos, e que Jesus em realidade lhe disse que bem podia deixar a tarefa de enterrar a seu pai aos coveiros profissionais.

Há um versículo muito estranho em Ezequiel 39:15, que diz: "Os que percorrem a terra, a percorrerão e quando algum deles vir um osso de homem, por-lhe-á ao pé um sinal, até que os enterradores o tenham enterrado no vale de Hamom-Gogue." (TB) Este texto sugere que haveria entre os judeus uma classe de funcionários chamados enterradores. Sugeriu-se que Jesus recomendou ao homem cujo pai tinha morrido, que deixasse em mãos desses coveiros a tarefa de enterrar o defunto. Esta é uma explicação muito pouco provável. Sugeriu-se, por outro lado, que Jesus quis dizer exatamente o que lemos, acusando a sociedade de estar morta no pecado, e que recomenda a seu seguidor potencial abandoná-la logo que puder, embora fazê-lo signifique deixar sem enterro a seu pai; nada, nem sequer um dever tão sagrado, devia tardar a decisão de embarcar-se no seguimento de Cristo. Mas a verdadeira explicação, reside indubitavelmente na forma em que os judeus usavam esta frase, que ainda segue sendo comum, com o mesmo significado, no Oriente Médio.

Wendt relata um incidente no qual teria participado um missionário sírio, M. Waldmeier. Este missionário era muito amigo de um turco jovem, inteligente e rico. Em uma conversação, recomendou-lhe que ao terminar seus estudos universitários fizesse uma viagem por distintos países da Europa, o que podia ajudá-lo a ampliar suas perspectivas. Mas o turco replicou: "Acima de tudo preciso enterrar o meu pai." O missionário, muito triste, deu seus pêsames ao jovem, desculpando-se por não ter-se informado da morte de seu pai. Mas o jovem turco sorriu e lhe explicou que seu pai estava bem vivo e gozava de boa saúde, e que sua expressão na linguagem local significava que estava obrigado a cumprir todos os seus deveres para com seus pais e parentes antes de poder fazer a viagem sugerida; que, em realidade não poderia abandonar seu lar até depois da morte de seu pai, que poderia não ocorrer até depois de passados muitos anos.

Isto, muito provavelmente, é o que quis dizer o homem que aparece no evangelho. Ao dirigir-se a Jesus disse: "Vou seguir-te algum dia, depois que meu pai tenha morrido e esteja livre para dispor de mim mesmo." De fato, então, estava adiando sua decisão possivelmente por um lapso de muitos anos. Jesus era sábio. Conhecia o coração humano e sabia perfeitamente que se esse homem não se decidia a segui-lo ali mesmo, jamais o faria. Uma e outra vez atravessamos por momentos de entusiasmo em que nos sentimos impulsionados às ações mais nobres; e uma e outra vez também, deixamos que esses momentos passem de lado, sem agir de acordo com sua inspiração suprema. A tragédia da vida com muita freqüência é a do momento desperdiçado. Sentimo-nos movidos a uma determinada ação criativa, sentimo-nos movidos a abandonar uma fraqueza ou um hábito maligno, sentimo-nos movidos a dizer uma palavra a alguém, de simpatia, de advertência, de estímulo. Mas deixamos que passe o momento, que se desvaneça a inspiração, e nunca fazemos o que poderíamos ter feito, nunca dizemos essa palavra. Até nos melhores de entre nós há certa inércia e letargia, o hábito de adiar as coisas, de deixá-las para amanhã; e o momento nunca volta, e nunca passamos aos fatos.

Jesus recomendou àquele homem: "Neste momento você sente que deve sair da sociedade morta em que você se move. Você diz que a abandonará quando tiver passado alguns anos e seu pai tenha morrido. Saia agora, abandone tudo hoje, porque de outro modo jamais o fará." Em sua autobiografia H. G. Wells conta um dos momentos cruciais de sua vida. Era aprendiz de lojista, com um comerciante que traficava com tecidos e a vida parecia carecer de toda perspectiva para ele. Então, um dia, sentiu o que ele denomina "uma voz interior e profética": "Saia imediatamente deste ofício, antes que seja muito tarde, abandone-o, deixe-o para trás." E não esperou voltar a ouvir outra vez a mesma voz. Imediatamente deixou o seu trabalho e começou a procurar outra coisa.A decisão desse instante fez com que houvesse um H. G. Wells. Que Deus nos dê esse poder de decisão para nos salvar de arruinar nossas melhores oportunidades!

Estudo sobre Mateus 8:23-27

Esta cena é muito freqüente no Mar da Galileia. O Mar da Galileia é pequeno; mede somente uns vinte e um quilômetros do norte ao sul, e treze do leste ao oeste, em sua parte mais larga. O vale do Jordão segue a linha de um profunda falha na crosta terrestre, e o Mar da Galileia é parte dessa depressão. Está a 210 metros abaixo de nível do mar. Isto faz que seu clima seja quente e agradável, mas também tem seus perigos. Sobre o oeste, há montanhas com quebradas e vales; quando sopram os ventos frios do oeste, estes vales e quebradas atuam como gigantescos ventiladores. Neles o vento se comprime, por assim dizer, e baixa sobre o lago com uma violência inusitada, selvagem, fazendo-o, além disso, repentinamente. Em um instante a calma pode converter-se em pavorosa tempestade. As tormentas do Mar da Galileia combinam, como em nenhum outro lugar, tanto a violência como o caráter repentino. W. M. Thompson, em Land and the Book, descreve suas experiências à beira do Mar da Galileia:

"Na ocasião a que me refiro, levantamos nossas carpas sobre a margem, e ficamos nesse lugar durante três dias e três noites, açoitado por esse s terríveis vendavais. Tivemos que pôr dupla estaca em cada um dos ventos das carpas, e mais de uma vez, quando aumentava a tempestade, nos víamos obrigados a ajudar com todo nosso peso, nos apoiando sobre as sogas, para que o vento não levasse pelos ares nossas fracas moradas... O lago inteiro, ante nossos olhos, desatava-se em uma fúria incrível; as ondas chegavam às vezes até a porta de nossas carpas, batendo com tanta força contra as estacas, que nos infundia o temor de ser arrastados por sua força. Mais ainda, estes ventos não só são muito violentos, mas também sopram quando menos se espera, até com o céu claro e limpo. Em certa oportunidade tinha ido banhar-me nas águas termais e repentinamente começou a soprar um desses vendavais, tão inusitado em seu furor que com muita dificuldade consegui retornar ao acampamento."

O Dr. W. M. Christie, que passou vários anos na Galileia, descreve suas experiências. Diz que durante essas tormentas o vento parece soprar de todas as direções ao mesmo tempo, porque ao descer pelas estreitas gargantas das montanhas, tocam a superfície da água quase perpendicularmente. Conta de uma ocasião quando:

Um grupo de visitantes se encontrava na margem do mar, em Tiberíades, e vendo a tranquilidade transparente das águas e as reduzidas dimensões do lago, alguns expressaram dúvidas em relação à fidelidade do relato evangélico em que se menciona uma tormenta. Quase imediatamente o vento começou a soprar. Em vinte minutos o mar se via branco pela espuma das ondas. Grandes massas de água rompiam contra os muros da cidade, e os visitantes precisaram buscar refúgio para que não os molhasse a garoa que vinha como resultado desses abrolhos, embora se encontravam a mais de duzentos metros da margem.

Em menos de meia hora a plácida superfície do lago se converteu em uma selvagem tormenta marinha. Isso é o que aconteceu a Jesus e seus discípulos. As palavras do relato em grego são muito vívidas. A tormenta se denomina seismós, termo que usualmente designa um terremoto. As ondas eram tão altas que o navio ficava oculto entre elas. Jesus, por outro lado, estava dormindo. Se lermos a narração de Marcos 4:1, 35 veremos que antes de sair para essa travessia, tinham estado usando a mesma embarcação como púlpito, de onde Jesus tinha ensinado a uma enorme multidão. Sem dúvida deve ter ficado exausto. E então, no momento do terror, os discípulos despertam, e a tormenta se calma.

Nesta história há muito mais que o simples aquietar do mar e a tormenta. Suponhamos que Jesus verdadeiramente tenha acalmado uma tempestade marinha ao redor do ano 28 de nossa era. Isto seria algo maravilhoso. Entretanto, teria muito pouco a ver conosco. Seria a história de um milagre isolado, sem relação alguma conosco, homens do século XX. Se este fosse o significado da história, estaríamos autorizados a nos perguntar, por que Ele não repete o milagre em nossos tempos? Por que permite que muitos, crentes nEle, a quem Ele ama, sejam tragados pelo mar em meio de similares cataclismos naturais? Por que não intervém hoje para salvá-los? Se interpretarmos esta história simplesmente como o apaziguamento de uma tormenta meteorológica, apresentam-se problemas que, para alguns de nós, podem chegar a significar uma profunda tristeza.

Mas o significado desta passagem vai muito além de tudo isto. O significado que devemos procurar nela não é que Jesus tenha sido capaz de acalmar uma tormenta na Galileia, mas sim, quando Jesus está presente, todas as tormentas da vida se acalmam. Significa, em outras palavras, que quando Ele está presente há paz, seja qual for o tipo de tormenta que nos acosse. Quando sopra o vento frio, gélido da tristeza, podemos encontrar calma e consolo na presença de Jesus Cristo. Quando sopra o ardente vento da paixão, temos paz e segurança na presença de Jesus Cristo. Quando a tormenta da dúvida ameaça desarraigar os mais profundos fundamentos de nossa fé, há segurança e firmeza na presença de Jesus Cristo. Em todas as tormentas que sacodem o coração do homem, Jesus Cristo nos oferece a paz.

Margaret Avery conta uma história maravilhosa. Em uma pequena escola rural, em uma zona montanhosa, a professora tinha contado a seus alunos a história da sujeição da tempestade. Muito pouco tempo depois se desatou uma tremenda nevasca, acompanhada de fortes ventos. A professora teve virtualmente que arrastar a seus alunos, no meio do vendaval, para deixá-los seguros em suas casas. O perigo que corria o grupo de meninos não era imaginário, mas muito real. Em meio de tudo isto, ouviu a voz de um dos meninos que dizia, como se estivesse falando consigo mesmo: "Esse Jesus poderia vir e nos dar uma mão agora." Esse menino tinha entendido perfeitamente bem a história; a professora deve ter sido uma excelente docente. A lição desta história, o significado que podemos extrair dela, o que nos ensina, é que quando as tormentas da vida sacodem nossa alma, Jesus Cristo está ali conosco, e que graças à sua presença o furor da tormenta se transforma em uma paz que nenhum cataclismo poderá nos roubar.

Estudo sobre Mateus 8:28-34

Antes de começarmos o estudo detalhado desta passagem, possivelmente convenha que nos detenhamos para esclarecer uma dificuldade que o estudioso dos evangelhos enfrenta. Evidentemente os autores evangélicos tinham dúvidas sobre o lugar onde tinha acontecido este incidente. O desconhecimento exato deste dado se reflete nas diferenças que encontramos nos distintos evangelhos com respeito ao nome da região. Na Nova Versão Internacional lemos que Jesus chega à "região dos gadarenos". Mas há diferenças consideráveis entre os diversos manuscritos. A mesma versão, como também a Almeida Revista e Atualizada, que seguem os melhores manuscritos, dizem em Marcos e Lucas "gerasenos" (Marcos 5:1; Lucas 8:26).

A dificuldade está em que ninguém conseguiu identificar o lugar exato. Gerasa não pode ser, pois a única Gerasa de que se tem conhecimento estava a mais de cinqüenta quilômetros da costa do mar, para o sudeste, em Gileade. E é evidente que Jesus não viajou, pelo menos naquela oportunidade, uma distância tão longa. Gadara pode ser a cidade de referência, porque está somente a uns dez quilômetros do Mar da Galileia, e é perfeitamente possível que o cemitério e as pastagens para o gado de Gadara estivessem a alguma distância do centro povoado.

Orígenes duvidava das duas possibilidades anteriores, e conhecendo a existência de uma aldeia chamada Gerasa; situada na margem a leste do lago, supôs que este fosse o lugar. As diferenças se devem ao fato de que os copistas dos manuscritos gregos não conheciam a Palestina o suficientemente bem para poder localizar exatamente o lugar real. Este milagre expõe o conceito da posse demoníaca, que é tão comum nos evangelhos. Na antiguidade se acreditava firmemente e sem vacilação alguma na existência de demônios e espíritos malignos. O ar estava tão cheio destas criaturas que, conforme diziam alguns, era impossível mover um alfinete pelo vazio sem cravar algum. Outros opinavam que havia sete milhões e meio; ou que havia dez mil à direita e dez mil à esquerda de cada ser humano. E todos estes espíritos a única coisa que faziam era esperar para ver que mal podiam fazer ao homem.

Viviam habitualmente em lugares impuros, como por exemplo nas tumbas ou nos lugares onde era impossível conseguir água para lavar-se, ou nos desertos onde se podia ouvir seus uivos. Eram especialmente perigosos para o viajante solitário, para a mulher no transe de dar à luz, os recém casados, para os meninos que ficavam fora de suas casas quando já era escuro, e para todos os que viajavam durante a noite. Eram especialmente perigosos na hora de mais calor, ao meio dia, e entre o pôr-do-sol e a alvorada. Os demônios masculinos se chamavam shedim e os femininos lilin. Os demônios femininos tinham cabelo comprido e atacavam preferentemente os meninos: por isso é que os meninos tinham anjos da guarda que os protegiam (cf. Mateus 18:10).

Com respeito à origem dos demônios, sustentavam-se diversos pontos de vista. Alguns afirmavam que existiam desde a criação do mundo; outros afirmavam que eram os espíritos das pessoas más, que depois da morte seguiam praticando suas más obras. A opinião mais corrente os relacionava com a estranha história que encontramos em Gênesis 6:1-8. Nesta antiga passagem lemos como os anjos pecadores desceram à Terra e seduziram as filhas dos homens. Os demônios, sustentava-se, eram os descendentes dos filhos nascidos dessa maligna união.T odas as enfermidades se atribuem à ação desses demônios. Não somente eram responsáveis por enfermidades como a epilepsia ou a loucura, mas também pelas enfermidades especificamente físicas. Os egípcios sustentavam que o corpo estava formado por trinta e seis partes, e que cada uma delas podia estar habitada por um demônio. Um dos métodos que usavam para introduzir-se no corpo era rondar a sua vítima enquanto comia, entrando com os mantimentos.

Tudo isto pode nos parecer fantástico; mas na antiguidade se acreditava nos demônios com convicção. Se alguém se convencia de que um demônio tinha penetrado em seu corpo, não era muito difícil que começassem a manifestar-se nele todos os sintomas da posse demoníaca. Estava genuinamente convencido que era habitava por um espírito maligno. Sabemos que qualquer um pode adoecer fisicamente se está convencido de que possui uma doença; isto era muito mais fácil em uma época quando havia muito do que hoje nós chamaríamos superstição, e os conhecimentos científicos eram muito mais primitivos que na atualidade. Embora não existam os demônios, só era possível curar agindo a partir do suposto do doente de que para ele os demônios eram a coisa mais real.

Quando Jesus chegou ao outro lado do lago, saíram a seu encontro dois endemoninhados que viviam nos sepulcros, porque os sepulcros eram um lugar muito adequado para a habitação dos demônios. Estes dois homens chegavam a enfurecer-se tanto que constituíam um perigo para os transeuntes, e em geral ninguém se atrevia a aproximar-se muito deles. W. M. Thompson, no Land and the Book, relata sua experiência de ter conhecido, em pleno século XIX, ao viajar pela Terra Santa, homens em similar condição à que se descreve no relato evangélico:

"Até hoje há casos muito similares - maníacos furiosos, de grande perigo, que vagam pelas montanhas e dormem em cavernas e em sepulcros. Em seus piores paroxismos é impossível controlá-los e têm uma força incrível... Uma das características destes doentes é que se negam a pôr roupa. Vi-os, absolutamente nus, nas ruas cheias de transeuntes de Beirute ou Sidom. Há casos em que se põem a correr desvairadamente pelo campo, assustando a todos os habitantes da região."

Além de tudo o mais que se pode fazer, Jesus começou demonstrando uma coragem fora do comum ao deter-se para falar com estes dois homens. Se seriamente queremos conhecer os detalhes desta história, devemos nos remeter a Marcos (5:1-19), onde a narração é bem mais longa. O que Mateus nos oferece é um resumo da outra. Esta história milagrosa deu lugar a muitas discussões, e estas em geral se concentram em torno da destruição da manada de porcos Muitos consideraram um tanto estranho e desumano que Jesus destruir assim uma piara de animais. Mas é caso seguro que Ele não destruiu deliberadamente os porcos. Devemos buscar visualizar o que aconteceu. Os homens gritavam em alta voz (Mar. 5:7; Lucas 8:28). Devemos recordar que esses dois homens acreditavam firmemente que estavam possuídos por demônios. Uma das crenças ortodoxas do judaísmo era que com a vinda do Messias todos os demônios seriam aniquilados e destruídos. É por isso que os dois homens perguntam a Jesus por que tinha vindo a torturá-los antes de que fosse sua hora. Estes homens estavam tão convencidos de que os demônios habitavam em seus corpos, que nada teria podido "curá-los" a menos que vissem com seus próprios olhos como os demônios saíam deles e eram destruídos. Devia ocorrer algo que fosse para eles uma prova irrebatível de sua liberação. É provável que seus gritos em alta voz tenham espantado os porcos, que se lançaram ao lago. A água era fatal para os demônios. Jesus aproveitou a oportunidade. "Olhem", disse-lhes, "seus demônios saíram de vocês e se colocaram nesses porcos, que agora se precipitam no lago, e ficam destruídos para sempre jamais."

Jesus sabia que não se poderia convencer a esses pobres miseráveis de que estavam curados sem que eles o vissem com seus próprios olhos. Se as coisas ocorreram deste modo, não se pode dizer que Jesus tenha destruído deliberadamente os porcos. Valeu-se dessa imagem como um recurso útil para convencer a esses dois pobres homens da realidade de sua cura.

Mas embora Jesus tivesse ocasionado deliberadamente a destruição dos porcos, não se pode culpá-lo de ter feito algo improcedente. É possível chegar a ser excessivamente melindroso. T. R. Glover diz que muitas pessoas acreditam que são muito piedosas, quando em realidade o que fazem é ser melindrosas. Evidentemente não se pode comparar o valor de um montão de porcos com o de dois seres humanos, cujas almas são imortais. Bem poucos entre nós se negarão a comer presunto, ou costelas de porco. Nossa simpatia para com os porcos não nos impede de comer isso. Podemos então nos queixar de que Jesus tenha devolvido a saúde a dois seres humanos à custa de uma vara de porcos? Ninguém diria que esta ação significa estimular a crueldade para com os animais. Apenas significa que devemos manter certa proporção em nossa atitude diante da vida. A suprema tragédia desta história está na forma como que termina. Os que cuidavam dos porcos correram à cidade e contaram o ocorrido aos habitantes desta. O resultado foi que os gadarenos acudiram a Jesus e lhe pediram que abandonasse essa região. Aqui vemos o egoísmo humano em sua expressão concreta. Não se importavam com o fato de que dois semelhantes tivessem recuperado a razão. Tudo o que lhes importava era que tinham perdido seus porcos.

Com muita frequência encontramos quem opina: "Não me importa o resto do mundo enquanto conserve meus lucros e meus bens e minha comodidade." Possivelmente nos surpreenda a dureza do coração daqueles gadarenos, mas é necessário que mantenhamos uma atitude vigilante para não cairmos também na atitude dos muitos que se negam a ajudar a outros quando a ajuda implica renunciar a algum privilégio.

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