Comentário de Romanos 3:1-30 (J.W Scott)

Comentário de Romanos 3:1-30 (J.W Scott)

Comentário de Romanos 3


Romanos 3

4. RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES DOS JUDEUS (Rm 3.1-20) - Essa redução da justiça judaica a injustiça não podia deixar de ser impugnada. A crítica à condenação formulada pelo apóstolo (vers. 18) podia provir dos seus oponentes, ou talvez surgisse na mente de Paulo, ao arrazoar ele seu grave libelo contra os de sua raça. Nesta epístola especialmente, ele imagina um impugnador, a cujos argumentos casuísticos responde (cfr. Rm 4.1 e segs., Rm 6.1 e segs., Rm 7.7 e segs.). São quatro as objeções do suposto perguntador importuno.

1. Se os judeus são condenados igualmente com os gentios e são pecadores tão grandes quanto estes, de que servem os seus privilégios, e qual é a vantagem da circuncisão? Paulo responde que, a despeito de os judeus abusarem dos seus privilégios, estes permanecem para a conveniente aceitação deles e seu testemunho mundial. Aqui refere apenas às bênçãos maiores (enumera outras no cap. Rm 9.4-5); os judeus as recebem de Deus, como “depositários da revelação”. O termo logia (oráculos; cfr. At 7.38; Hb 5.12; 1Pe 4.11) refere-se particularmente às palavras de Deus no monte Sinai e às Suas promessas de um Messias vindouro.

2. Se os judeus não procedem retamente com Deus, que será de todos os oráculos divinos e das promessas que lhes foram feitas? Não será que Deus volta atrás e se desdiz? Paulo repele o argumento. A infidelidade de alguns (3; e o apóstolo, dizendo “alguns”, usa de caridade) não põe em dúvida a fidelidade divina. É óbvio que, se um concerto é quebrado pela infidelidade de uma das partes, a honra da outra não fica diminuída. Segundo está escrito (4). A citação é do Sl 51.4 (LXX). Embora a infidelidade humana prevaleça, o caráter divino é mantido em todos os pronunciamentos de Deus acerca do pecado.

3. Uma objeção dá lugar a outra. O perguntador importuno continua pondo em dúvida a justiça divina no castigo dos pecadores. Se a injustiça dos judeus serve só para realçar a justiça divina, e se o fracasso da nação judaica serve apenas para acentuar, pelo contraste, a retidão de Deus, pode este honrosamente condenar tais pecadores que o servem deste modo? Paulo rejeita a ideia por absurda, e declara que ela virtualmente nega a prerrogativa de Deus, de submeter o mundo a qualquer julgamento. Se nossas malfeitorias fazem realçar a justiça divina, diremos que Deus é injusto por aplicar sua ira contra nós? Quem exerce vingança? (Falo como homem) (5); isto é, “Perdoai meu modo de dizer muito humano; é talvez um antropomorfismo por demais ousado”.

4. Se minha pecaminosidade-continua o impugnador-serve para glorificar a santidade de Deus, este fato não somente corta pela raiz o direito divino de julgar-me, mas tolera o meu pecado. Note-se como, na apresentação que Paulo faz da objeção, a verdade de Deus é posta em contraste com a mentira dos judeus (7); isto é, a fidelidade divina a todas as promessas e à revelação é contraposta à infidelidade incrédula e à falsidade prática de Israel. Por que sou ainda julgado como pecador? Argúi o impugnador. A conclusão lógica certamente é: Pratiquemos males para que venham bens. Aqui Paulo revela que alguns o haviam caluniado de declarar esta máxima imoral como parte de sua doutrina. Tais detratores são repelidos sumariamente: a condenação destes é justa (8). Estas quatro perguntas o apóstolo volta a referi-las adiante. As três primeiras objeções são mencionadas no cap. 9, enquanto a quarta, no cap. 6.

No restante desta seção (vers. 9-20) Paulo continua a expor a injustiça judaica. Frisa que ela é condenada pela Escritura tão severamente quanto a injustiça dos gentios. Judeus e gentios são pecadores. Recorre o apóstolo para a absoluta autoridade da Palavra de Deus, universalmente admitida pelos judeus, e apresenta, como prova, um mosaico de versos escriturísticos. Com exceção de dois, são todos eles tirados dos Salmos, e são citados da versão dos LXX. Tais passagens representam a lei e todas elas se aplicam ao judeu em sua injustiça. A conclusão desta seção vem no vers. 20. O fracasso do judeu em achar justificação era devido ao método errado que adotava; de fato, nenhum vivente pode esperar ajustar sua posição diante de Deus por essa forma, porque pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Verdadeiramente, a lei traz desesperança, visto criar uma consciência de pecado, revelar o que este significa tanto para Deus como para o homem, para o Juiz e para aquele que é julgado.

Agora Paulo procede à descrição da justiça de Deus (21; cfr. Rm 1.17), o método pelo qual ele próprio se ajustou com Deus. Notem-se as seguintes características. Independe da lei (21). A lei revela o dever que Deus exige do homem (quer esteja contido na lei, nos profetas e nos escritos, ou mais especificamente na lei do Pentateuco) e requer esforço moral ou obras para a justificação do homem. A justiça de Deus independe do cumprimento da lei. Em segundo lugar, ela é testemunhada pela lei (21). O mosaico de passagens escriturísticas, previamente apresentado (Rm 3.10-18), foi extraído principalmente dos escritos, terceira seção da Torá: agora o apóstolo completa o testemunho da lei referindo a lei e os profetas (21). O novo meio de o homem ajustar suas relações com Deus não é absolutamente novo, mas foi realmente predito em ritos, tipos e profecias através do Velho Testamento.

Em terceiro lugar, a justiça de Deus é fornecida em Cristo mediante a fé (22-25). É para quantos creem, é pela fé de Jesus Cristo (22). O grego tem aqui o caso genitivo e assim pode ser traduzido quer subjetiva, quer objetivamente. A justiça divina pode ser alcançada pela fé do Salvador, exercida até à cruz, fé poderosa que foi parcela integrante do valor expiatório do Seu sacrifício supremo. Por outro lado, e em harmonia com o uso do Novo Testamento, esta fé é projetada em Jesus, como seu objeto, e assim se torna fé no Redentor. Todos pecaram e carecem da glória de Deus (23). Glória (gr. doxa) é o esplendor visível do caráter perfeito de Deus. É a glória chequiná do Velho Testamento (cfr. Rm 9.4; Êx 16.10; Êx 24.16 e segs., Êx 29.43; Êx 33.18,22, etc.), e no Novo Testamento é expressa na vida encarnada de Jesus, o Verbo ou expressão do Pai (ver Jo 1.14; 2Co 3.18; 2Co 4.6). Quanto à glória de Deus, todos os homens estão em falta (carecem dela). O grego hysterein significa “ficar em falta”, “ser inferior”, “sofrer necessidade” (cfr. Mt 19.20; 1Co 8.8; 2Co 11.5; Fp 4.12). Esta deficiência universal é um dos aspectos do pecado. Tanto na realidade como em consciência todos estamos muito distantes da luz ofuscante da perfeição divina.

Mas, em face desta pecaminosidade universal, a justificação é gratuita ou pela graça (24). Cristo é uma propiciação proposta por Deus. A fé é o meio. O sangue de Cristo é o preço aceito, na paciência divina, em virtude do qual os pecados do homem, anteriormente cometidos, são esquecidos. Paulo expressa a base da justiça em duas frases significativas: mediante a redenção que há em Cristo Jesus (24) e propiciação mediante a fé no seu sangue (25). O grego apolytrosis significa “libertação efetuada com o pagamento do resgate”, daí redenção, emancipação ou livramento. A palavra para propiciação, hilasterion, é o neutro de um adjetivo derivado do verbo hilaskomai, que tem três sentidos: aplacar, conciliar ou apaziguar alguém; ser propício ou misericordioso; ou fazer propiciação por. O Novo Testamento usa as duas últimas traduções (ver Lc 18.13 e 1Jo 2.2). A ideia não é de conciliação de um Deus zangado por causa da humanidade pecadora, mas é de expiação do pecado por um Deus misericordioso mediante a morte expiatória do Seu Filho. Não exclui necessariamente, porém, a realidade de ira justa por causa do pecado. Cristo é, portanto, o meio de satisfação pelo pecado, que é efetuada por Sua morte, o sangue significando o princípio de vida sacrificada. (cfr. Gn 9.4; Lv 17.11; Dt 12.23). Daí a expressão da ARA: “no seu sangue (mediante a fé)” ser preferível à da ARC pela fé no seu sangue. A justificação em tais bases, nada tem a ver com o esforço moral do homem, nem com o seu mérito espiritual. É concedida gratuitamente, por Sua graça (24). Noutras palavras, somos declarados inocentes em troca de nada, sem preço, e só em virtude do amor imerecido de Deus para com os pecadores. Por causa deste novo método de ajustamento com Deus, os pecados dos homens no passado foram esquecidos, e os do presente têm seu castigo adiado (25), tudo em perfeita justiça da parte de Deus.

A quarta característica da justiça de Deus é que é divinamente reta (26-31). O apóstolo agora desdobra sua última frase: tendo em vista a manifestação da sua justiça (26). Deus não é somente justo, como sempre é; também pode justificar ou colocar em correta relação aqueles que têm fé em Jesus, embora que, fora de Cristo, não tenham eles direito a tal justificação. Deus é justo; e por causa de Sua justiça eterna e intrínseca (não a despeito dela) considera justo o pecador que crê em Jesus (26). Nesta base de justificação só pela fé, o apóstolo desafia a jactância do judeu. Não há cabimento para ela. Por que lei? (27); isto é, sobre que fundamento é ela excluída? Paulo emprega o termo “lei” de vários modos. Representa a Torá e o Pentateuco; aqui significa um princípio estabelecido. A regra das obras (27) não exclui a jactância, porque muitos fariseus viviam cheios de autoglorificação. Mas a regra da fé exclui absolutamente qualquer exultação dessa natureza. A conclusão definida de todo este assunto é que o homem se ajusta com Deus pela fé, fora de qualquer cumprimento da lei (28). Este princípio de fé anula de vez o muro de separação entre judeus e gentios; Deus é Deus de uns e de outros, se creem. E tal fé é a condição sine qua non, que somente Deus pode conceder. Pela fé... mediante a fé (30). Estas expressões apenas salientam o contraste entre a circuncisão e a incircuncisão. Não há diferença na qualidade, nem no método de ter fé. Assim é que, se há um Deus, há um povo cujo sinal distintivo é a fé. Deus olha por cima da circuncisão para a fé do judeu, e igualmente olha por cima da incircuncisão para a fé da parte do gentio. Ambos realmente ostentam a mesma "marca registrada". Ademais, acrescenta Paulo, no regime dessa fé, a lei não é desbancada, senão estabelecida. Deus não se torna, por isso, fraco ou sentimental. Sua justiça está satisfeita.

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