Parábola do Rico Insensato

INSENSATO, RICO, PARÁBOLA, LUCAS
Parábola do rico insensato 
(Lc 12:13-21)

Essa próxima parábola, peculiar a Lucas, "quase surpreendente pela sua clareza, e suprema pela luz que lança sobre a vida", deve ter causado uma profunda impressão sobre os que a ouviram. Enquanto falava à multidão ao seu redor, incluindo-se os seus discípulos, Jesus foi interrompido por alguém que O ouvia e lhe fez um pedido impróprio: "Mestre, diga a meu irmão que reparta comigo a herança". Quando aconteciam disputas sobre propriedades e possessões, os adversários buscavam o conselho dos escribas, que eram os guardiões da lei nesses assuntos. Esse homem sabia que Jesus Cristo era um rabi enviado por Deus e, então, foi em busca de seu veredicto com relação à sua herança. Porém, Jesus rejeitou o seu apelo, porque estava além da esfera de sua missão. Cristo perguntou: "Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?" Ele em seguida advertiu "aquele que lhe fazia o pedido contra o espírito de avareza que cria e mantém tais disputas". Jesus então continuou e usou a ilustração parabólica do rico insensato, para expor a loucura, que é a avareza, seja qual for a forma em que se apresente, e o engano de pensar que a vida de alguém consiste na abundância dos bens que possui. Ver a vida apenas resumida às coisas, é estar numa posição insensata e fatal, porque não são as possessões materiais que mantêm a vida, mesmo que sejam abundantes, mas as coisas espirituais e eternas. Esse é o cenário da parábola.

Vamos agora considerar essa parábola breve e eficaz. Jesus usou uma palavra dura para definir o erro daquele homem ao qual se referia possivelmente a partir de sua própria observação e conhecimento pessoais. Ele o chamou de louco — uma palavra que significa: sem razão, sem sanidade mental, falta de percepção natural sobre a realidade das coisas naturais e espirituais. E, quanto a ele ser louco, isso está provado de várias maneiras. Ele era:

1. Louco sem Deus. Davi mostra a imagem de um louco como a de um homem que afirma: "Não há Deus" (SI 14:1). O tempo verbal "há" foi adicionado para completar o sentido da passagem. A expressão original é Não Deus, ou Deus Não, como se o louco fosse alguém que disse: "Não quero nenhum Deus para mim!" Isso não significa o ateísmo em si mesmo, ou seja, negar a existência de Deus, mas o ateísmo prático: negar-se a estar debaixo do governo moral de Deus. E por isso que louco e ímpio são termos tratados às vezes como sinônimos. Uma vida vivida sem Deus é uma existência em que Deus está ausente. Pode ser uma vida cheia de "muitas coisas", mas se Deus for subtraído dela, com certeza será uma existência vazia.

Pode ser que o homem, a que Jesus se referiu aqui, não fosse má pessoa. Não há sinais de que ele tenha acumulado riquezas por meio de qualquer prática fraudulenta. Ele aparenta ser um homem diligente e que se precavia com sagacidade. A sua grande insensatez foi o seu desconhecimento da mão divina, que supria a sua prosperidade multiplicada. Ele estava cego para o fato de que o homem não pode viver somente de pão. Esqueceu de que Deus estava por trás dos frutos, do milho, e de tudo o que ele possuía, O Todo-Poderoso, o único que dá todo o bem e todos os dons perfeitos. Ele não conseguiu ver a si mesmo como administrador de tudo aquilo com que Deus o enriquecera. Não reconheceu, com atitude de gratidão, que Deus é quem concede a chuva e as estações frutíferas, e também não houve um gesto de gratidão de sua parte em voltar-se para Deus, que é a fonte de onde nascem todas as bênçãos. Ficamos admirados como o salmista colocou em imagens tão bem descritivas esse rico insensato e multidões semelhantes a ele: "Dos que confiam nos seus bens, e se gloriam na multidão das suas riquezas [...] O seu pensamento íntimo é que as suas casas serão perpétuas e as suas habitações de geração em geração; dão às suas terras os seus próprios nomes. Todavia, o homem, apesar das suas riquezas, não permanece; antes, é como os animais que perecem. Esse é o caminho daqueles que confiam em si mesmos, e dos seus seguidores que aprovam as suas palavras" (SI 49:6,11-13).

2. Rico insensato. Jesus referiu-se a esse muito bem-sucedido fazendeiro, como um rico; mas, na verdade, ele era um pobre rico. Ele era como a igreja de Laodicéia: rica, multiplicada de bens, sem precisar de nada; no entanto, pobre e miserável. Ao ver os seus bens aumentarem, ele depositou o seu coração neles, em vez de colocá-lo no verdadeiro Deus, que lhe dera a habilidade de acumular riquezas. "Tudo vem de Ti, e somente devolvemos o que veio das tuas mãos" (lCr 29:14). No seu grande desejo de produzir e acumular coisas deste mundo, esse rico não pensou na origem divina dessas coisas e em usá-las para propósitos divinos.

Paulo diz que o amor ao dinheiro, não o dinheiro em si mesmo, é que é a raiz de todo o mal (lTm 6:10). Jesus nunca condenou o dinheiro em si. Em algumas de suas parábolas, ele tinha muito a falar com relação ao uso do dinheiro tanto no campo espiritual como no material. O rico louco e o outro rico, que é contrastado com Lázaro (Lc 16:19-31), não usaram a sua riqueza a favor dos outros. "A ilusão das riquezas" bloqueou qualquer anseio por Deus e pela sua Palavra. Em ambos os casos a colheita do campo destruiu a verdadeira vindima da vida. Um dos ricos armazenou as suas posses, enquanto o outro usou as suas riquezas para si mesmo. Contrastando com o mau uso das riquezas, vemos seu uso correto exemplificado pelo bom homem com o seu tesouro (Lc 6:45). As parábolas dos Talentos e das Minas revelam como Deus espera que os seus servos usem o que ele lhes deu, e faz com que renda juros para ele próprio, que é quem faz o empréstimo a eles.

Nessa parábola, Jesus expôs o pecado do rico louco — ele deixou de ser "rico para com Deus". Esse não foi um discurso violento contra as riquezas em si, mas uma advertência no sentido de que o desejo de adquiri-las não domine a vida e destrua toda possibilidade de pensar em Deus e de almejar a salvação. Mesmo uma pessoa que se diz cristã, quando tem muitas posses, estas podem constituir algo que a atrapalhe na corrida para o céu, do qual já foi dito: "É um lugar para onde apenas poucos reis e homens ricos vão". Mas não faz diferença se as nossas posses são muitas, ou escassas; não seremos ricos perante Deus até que sejamos ricos na graça, na e nas boas obras. A única moeda corrente que vale a pena termos é o ouro apurado pelo fogo, o qual o Senhor deseja nos vender. A riqueza eterna desse tipo está ao alcance de todos. Uma pessoa pode ser milionária e, contudo, ser, ao mesmo tempo, espiritualmente falida. Muitos príncipes e grande comerciantes são extremamente pobres aos olhos daquele que, mesmo possuidor de riquezas, tornou-se pobre por nós, para que, através de sua pobreza, pudéssemos nos tornar verdadeiramente ricos. Bendito seja Deus, pois, mesmo que sejamos pobres, podemos possuir tudo o que tem valor permanente.

3. Louco egocêntrico. Jesus foi bastante hábil ao pintar a imagem da presunção do rico louco! Examine o monólogo desse homem e você vai perceber as seguintes palavras: Eu, Meu e Eu Quero. Como se destacam os pronomes que se referem a possessão pessoal! Podemos ver esse presunçoso esfregando as mãos com alegria, ao observar a sua riqueza, que fora multiplicada e ainda aumentaria, dizer: "Meus frutos, meus celeiros, meu milho, meus bens, minha alma". Deus, que lhe havia suprido tudo aquilo, não fazia parte dos seus pensamentos. "E que tens tu, que não tenhas recebido?" A vida daquele homem era conduzida por ele mesmo: "Eu também estava convencido de que..." (At 26:9). Claro, a sua terra tinha produzido com abundância. Mas quem havia provido o solo fértil, a chuva, o sol, e tudo o mais da natureza, que produziram as colheitas as quais fizeram com que seus celeiros ficassem superlotados? Esse fazendeiro, que se fizera a si mesmo na vida, chegou a dizer que a sua alma lhe pertencia: "Minha alma". Mas Deus já não havia dito: "Todas as almas são minhas" (Ez 18:4)? E porque suas palavras eram somente meu, minha, e não havia um reconhecimento de que "Tua, Senhor, é a glória", Jesus o chamou de louco —a loucura dele foi a sua falha em reconhecer a Fonte que tudo supre. Essa sua falha ocasionou a perda de tudo.

4. Louco ambicioso. A ambição por si mesma é louvável. Paulo era bastante ambicioso. Por três vezes ele fala sobre a ambição do cristão e diz que cada um de nós deve manifestá-la (Rm 15:20; 2Co 5:9). A ambição daquele rico era egoísta e baseada nos cinco sentidos. Ele estava determinado a construir celeiros maiores, não para que tivesse mais para dar, e com o que pudesse glorificar a Deus, mas para que as suas reservas aumentadas fossem somadas à sua própria indulgência e preguiça. G. H. Lang resume assim o seu verdadeiro objetivo:

A. "Segurança por muitos anos, uma confissão de que não confiava em Deus, no futuro;
B. Um amor por uma vida fácil, em desrespeito à vontade de Deus, a qual devia buscar para seu próprio bem (Gn 3:17-19);
C. O desejo de agradar às paixões da carne por comer, beber e rir à toa, tolamente."

5. Louco condenado. São palavras de grande seriedade: "Louco, esta noite te pedirão a tua alma". Ele havia dito a si mesmo: "Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos". Porém o Deus, que ele esquecera, inverteu rapidamente aquela vangloria cheia de orgulho e disse: "Esta noite (a noite daquele mesmo dia em que ele assim se vangloriara) te pedirão a tua alma". Em vez de celeiros, ele teve um funeral; em vez da antecipação de uma vida de luxo, veio sobre ele um chamado para prestar contas a Deus com relação às suas posses acumuladas. "... te pedirão a tua alma". Quem eram esses fortes executores do decreto divino? Os anjos da morte para quem não se pode dizer "não". O rico louco, em sua miopia, nunca pensou em sua mortalidade e no fato de que o seu fôlego estava apenas em suas narinas.

Habershon nos lembra que em duas das parábolas de nosso Senhor, há imagens de homens ricos que tiveram de abandonar tudo — do Homem rico e seus celeiros (Lc 12:16-21) e do Rico e Lázaro (Lc 16:19-31). "Uma enfatiza a idéia do que deve ser deixado para trás, e a outra do que está à frente. A parábola do rico traz consigo a imagem de um passo além da anterior; mostra a condição do homem depois de Deus haver dito: 'Louco, esta noite te pedirão a tua alma'". Esses dois homens ricos foram para o inferno, não por serem ricos, mas porque tinham deixado Deus fora de suas vidas.

Jesus acrescentou a pergunta: "Então, o que tens preparado, para quem será?" O rico louco não poderia levar consigo, para a eternidade, um grão sequer dos seus celeiros lotados. Ele deixaria o mundo com as mãos vazias, exatamente como havia entrado nele. O comentário que é feito no Antigo Testamento sobre a loucura de um fazendeiro rico é notável: "Como a perdiz que choca ovos que não pôs, assim é aquele que ajunta riquezas, mas não retamente. Na metade de seus dias, elas o deixarão, e no seu fim ele se mostrará insensato" (Jr 17:11). Essa loucura acontece diariamente no mundo. Há homens que sacrificam os prazeres mais legítimos da vida e também os seus mais profundos interesses espirituais, para ganhar dinheiro e, de repente, morrem, e deixam para trás o seu lucro, conseguido com tanto esforço, para ser dissipado por filhos preguiçosos e amantes dos prazeres. Butterick nos lembra: "O fato de que as riquezas, que um homem acumula cuidadosamente, podem ser desperdiçadas dissolutamente pelos seus herdeiros, serve para enfatizar a loucura de viver em função delas" (Sl 39:6; 49:6; Ec 2:18-23; Jó 27:17-23).

Esse homem nada tinha a dizer a Deus, mas Deus tinha muito para falar a ele, e o condenou por cometer três erros. Em primeiro lugar, ele se enganou quanto ao propósito de sua vida, ao imaginar que consistia na abundância de suas posses materiais. Paulo disse: "Pois para mim o viver é Cristo". Mas, ao substituir a direção divina pela motivação humana, esse louco jamais conseguiu a felicidade de viver, nem manter-se vivo sobre a terra. Além disso, ele se enganou quanto ao uso correto dos recursos deste mundo. Preferiu obedecer à sua própria vontade, em lugar da obediência a Deus, quanto ao que deveria fazer com esses recursos; por isso acumulou seus bens, quando a coisa mais sábia e mais útil a fazer, era usá-los para o bem de outras pessoas. Como Ambrósio define a situação, ele se esqueceu de que os celeiros, os quais usava para o seu excesso de riqueza, eram "os abrigos dos necessitados, as casas das viúvas, as bocas dos órfãos e das crianças".

Talvez o erro mais destacado desse homem tenha sido a sua negligência com relação ao futuro. Ele preferiu riquezas que podia ver e manusear, aos tesouros ocultos e eternos armazenados no céu. Confiou demasiadamente que teria muitos anos pela frente, quando a noite do dia em que se vangloriou seria a última de sua existência. A cobiça é perigosa e deu-lhe o troco pelo uso egoísta que fez de suas posses. Ele perdeu os seus bens materiais e sua alma. Que fim desonroso! Não é de admirar que o Senhor, após proferir essa parábola, continuou a falar, utilizando contrastes, para ensinar uma maneira muito melhor de viver. Ele disse aos seus discípulo que considerassem os corvos, os lírios e os pardais de quem o seu Pai cuida, e que o seu único celeiro ou armazém está "nos céus" (Lc 12:33). Se Deus estiver em primeiro lugar, e não os nossos bens, então seja o que for que ele nos permita ter, e não faz diferença se for muito ou pouco, será usado como útil para ele.