Cristologia no Evangelho de Tomé

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Tomé tem apenas umas poucas declarações desenvolvidas sobre quem é Jesus. Aquelas que possuímos indicam uma cristologia “alta”, um Jesus singular enviado pelo Pai que é luz. Cristologia é o ensinamento sobre quem é o Messias e o que ele faz. Na Igreja, isso significava ensinar sobre Jesus. Uma cristologia “baixa” aponta para um Jesus humano. Uma cristologia “alta” proclama Jesus como uma personagem divina ou, pelo menos, uma personagem que se relaciona com Deus de maneira singular. Tomé tem uma cristologia “alta”, mas a obra não especifica sua exata natureza.

Os mais importantes dizeres sobre Jesus são 77, 13 e 61, No dizer 77, lê-se o seguinte: “Disse Jesus: ‘Eu sou a Luz que paira acima de todas as coisas, eu sou o Todo, o Todo veio através de mim e o Todo emana de mim. Parti um (pedaço de) madeira, lá estou, levantai uma pedra, e ali me encontrareis”,

Aqui Jesus afirma que ele é a luz. O texto também declara a posição singular de Jesus como alguém que está acima de tudo, como o Todo, como aquele a quem tudo se estende e como a fonte de tudo. Está presente em todos os lugares, como indica a referencia à madeira e à pedra. O papel de Jesus na criação também reflete uma cristologia alta. Aqueles que inferem que Tomé não possui uma cristologia alta ignoram esse texto para fazer tal declaração (p. ex., Pagels 2003, 68) Essa passagem sugere que Jesus possui autoridade singular e criadora, mas Tomé nunca descreve essa autoridade. Para Tomé Jesus é mais do que um professor de sabedoria ou um grande filósofo que simplesmente aponta o caminho para a luz.

O dizer 13 também confirma esse papel singular. Lemos o seguinte ali. “Disse Jesus aos seus discípulos: ‘Fazei uma comparação e dizei-me com quem me pareço.’ Simão Pedro respondeu-lhe: ‘És como um anjo justo.’ Mateus lhe disse: ‘És como um sábio.’ Disse-lhe Tomé: ‘Mestre, meus lábios são totalmente incapazes de dizer-te com que te pareces.’ Jesus disse: “Não sou teu Mestre porque bebeste e te tornaste ébrio com a fonte borbulhante que te desvelei.” (Robinson 2000, 2.59; Robinson 1990, 127-28) Jesus então chama Tomé para uma discussão a parte. Quando os discípulos questionam Tomé sobre a conversa, ele responde que, se mencionar qualquer uma daquelas coisas, eles pegariam em pedras, e fogo sairia das pedras e os queimaria. Várias coisas se destacam aqui. Primeiramente, existe uma cristologia alta porque o papel de Jesus é inexprimível. Segundo, existe uma ênfase num segredo que e mantido, que não deve ser revelado a ninguém, refletindo o lado elitísta e secreto desse movimento. Terceiro, a resposta de Jesus tem em mente de modo especial a replica de Tomé quanto a ser incomparável, exaltando o Jesus inexprimível acima das outras opções. Aqueles que abraçam a replica de Tomé sabem alguma coisa que os outros não sabem. Se as coisas fossem reveladas àqueles que não as abraçam, eles seriam queimados por sua reação.

No dizer 61, Jesus declara: “Sou o que vem daquele que é Igual, a mim me foi dado das coisas de meu Pai” (Robinson 2000, 2.75, Robinson 1990, 133 traz uma versão um pouco diferente: “Eu sou aquele que vem do que não se divide. A mim foram dadas algumas coisas de meu Pai.”). Aqui Jesus tem um elo muito forte com Deus, mas um compartilhamento de autoridade menos que completo. A identificação entre Jesus e Deus envolve um status inferior ao de igual, muito embora Jesus seja uma personagem celestial singular.

O dizer 15 também pode ser importante. Ali Jesus ensina: “Quando virdes aquele que não nasceu de mulher, prosternai-vos de face no chão e adorai-o: Ele é vosso Pai” (Robinson 2000, 2.61, Robinson 1990, 128) Os acadêmicos discutem se esse texto descreve a adoração somente ao Deus Pai (Nordsieck 2004, 80-81) ou ensina que Jesus deveria ser adorado como aquele que representa o Pai (Franzmann 1996, 80) Muitos concordam com o segundo sentido. Se é assim, esse texto também reflete uma cristologia alta, na qual Jesus tem uma posição digna de adoração.

Poucos textos de Tomé trazem descrições de Jesus, referindo-se a ele como “o Vivo” (prólogo, 52) Outras passagens descrevem que “bendito é aquele que era antes de existir” (dizer 19) Portanto, Jesus existia antes de vir à terra como ser humano. Essa dupla forma de existência torna-se um modelo de benção para todo aquele que nasce duas vezes (em primeiro lugar fisicamente e, então, espiritualmente) Jesus tem um relacionamento singular com Deus em Tomé. Ele é uma personagem celestial com uma posição que apenas a elite possuidora de conhecimento interno pode compreender. Tal compreensão “queimará” os de fora. A autoridade de Jesus não é absoluta, uma vez que o Pai lhe deu apenas algumas coisas, mas Jesus é mais do que um filósofo ou um anjo. Essa posição de Jesus colocará Tomé em algum lugar da região central de nosso espectro. Parece não haver dualismo em Jesus, conforme se pode ver em textos mais tipicamente gnósticos, um fator que sugere que Tomé não é um texto puramente gnóstico. Contudo, também existe diferença suficiente entre o Pai e o Filho para que o Filho tenha limites em sua autoridade. Todavia, o papel de Jesus é maior do que o dos anjos e dos maiores pensadores da humanidade. De acordo com isso, Tomé ensina uma cristologia alta, uma vez que Jesus é uma figura celestial maior, ligado de maneira singular ao Pai. Contudo, isso não reflete a mais elevada cristologia conceitual possível, como mostram outras obras.


Fonte: Os Evangelhos Perdidos de Darrell L. Bock, pg.128-130.