Evangelho de Mateus — Escritor

EVANGELHO DE MATEUS, ESTUDO BIBLICOS, TEOLOGICOS
O evangelho não faz menção alguma do seu autor. O nome de Mateus é citado no título do evangelho, que surgiu no século II e a partir de lá foi incorporado à tradição. A atribuição desse evangelho a Mateus remonta, portanto, à tradição da igreja antiga. Ela se baseia nos seguintes argumentos:

Eusébio relata na sua História Eclesiástica: “Mateus fez uma coletânea dos discursos de Jesus em hebraico; cada um, no entanto, os traduziu o melhor que pôde”.

De Irineu lemos: “Mateus também publicou um evangelho entre os hebreus na sua língua, enquanto Pedro e Paulo pregavam em Roma e lá fundaram a igreja.”

No quinto livro da História Eclesiástica de Eusébio lemos o relato de Pantaenus sobre o evangelho de Mateus. Pantaenus foi um teólogo muito hábil de Alexandria. Ele entendeu que a sua tarefa era a evangelização dos povos do oriente e viajou para a Índia. Quando chegou à Índia teria encontrado cristãos que já conheciam o evangelho de Mateus. Deles ouviu que o Apóstolo Bartolomeu lhes pregara a boa notícia e lhes deixara o evangelho segundo Mateus em hebraico.

E por último, Eusébio cita Orígenes no sexto livro da sua História Eclesiástica, que teria dito no primeiro livro do seu comentário sobre Mateus:

Com base na tradição tenho descoberto a respeito dos quatro evangelhos, que foram aceitos sem restrições na igreja de Deus por onde ela tem se espalhado debaixo do céu, que primeiro foi escrito o evangelho por Mateus, o que havia sido cobrador de impostos e depois foi discípulo de Jesus Cristo. Foi escrito na língua hebraica para os que creram entre os judeus …

A tradição da igreja antiga confirma dois fatos sobre o primeiro evangelho: o apóstolo Mateus é o seu autor e ele escreveu o seu evangelho na língua hebraica.

Quanto podemos confiar nessa tradição? Notamos que todos os testemunhos da igreja antiga atestam que o evangelho de Mateus foi escrito em hebraico. Isso afirmam até os pais da igreja como Irineu e Orígenes, cuja língua materna era o grego, o que nos leva a concluir que eles também conheciam o evangelho de Mateus em grego. Tinham, portanto, mais informações sobre a origem deste evangelho.

É de se imaginar que todos se basearam na mesma fonte: Papias. Presumivelmente relacionaram as suas observações com o primeiro evangelho. Daí pode ter surgido a tradição de que Mateus escreveu o evangelho em língua hebraica. Mas na verdade, Papias não se referiu ao primeiro evangelho. Ele simplesmente falou dos logia (palavras), que Mateus registrou em hebraico. Cada um então traduziu esses logia de acordo com as suas condições.

Podemos concluir, portanto, que a tradição da igreja antiga se refere à proclamação de Jesus que o primeiro evangelho transmite por meio de Marcos. Essa tradição estaria baseada sobre o apóstolo Mateus, que teria registrado a formulação original hebraica. A tradução grega dessas palavras se tornou então uma parte fundamental do primeiro evangelho, que, por esta razão, recebeu o nome de “evangelho segundo Mateus”. Essa tradução provavelmente foi feita pelo próprio Mateus, como Godet presume. Seria, portanto, uma versão grega das palavras de Jesus autorizada por um apóstolo. Quem em seguida tomou a tradição dos atos de Jesus, que encontramos em Marcos, e as palavras de Jesus, que são típicas em Mateus, ajuntou tudo e editou em um evangelho, não sabemos.

Quem é esse apóstolo Mateus? O seu nome está em todas as listas de apóstolos: Mateus 10.3; Marcos 3.18; Lucas 6.15; Atos 1.13. Em Mateus 10.3 ele é denominado cobrador de impostos e com isso rotulado como um daqueles homens tão odiados por seus conterrâneos, os judeus, por trabalharem para o estado romano, explorarem o povo e por enriquecerem inescrupulosamente. Em Mateus 9.9-13 nos é relatado como Jesus o chamou diretamente da coletoria para segui-lo e como Jesus, com essa atitude e também com a refeição que partilhou com os colegas de Mateus logo em seguida, se expôs à veemente crítica dos fariseus. Marcos e Lucas também registram a história desse chamado, com a diferença de que lá esse publicano é chamado Levi (Mc 2.13-17; Lc 5.27-32). Por isso, partimos do pressuposto de que ele tinha dois nomes, Levi Mateus.

Foram levantadas algumas objeções contra a participação direta de um apóstolo na elaboração deste primeiro evangelho.9 Se de fato um apóstolo participou tão diretamente na edição deste evangelho, por que então ele não é um relato biográfico? Contra-argumentamos: Por que deveria ele fazer um relato biográfico, se o que importava a ele — a igreja antiga assim o diz — não era a biografia de Jesus, mas as suas palavras?

Há questionamentos também quanto às habilidades lingüísticas do autor. Como um homem simples da Palestina possuía conhecimentos tão abrangentes da língua grega? Isso pressupõe a tradução do evangelho em hebraico ou aramaico para o grego pelo próprio Mateus. A resposta é óbvia. Quem trabalhava como cobrador de impostos naquela época necessitava de bons conhecimentos da língua grega, pois a língua franca daquela parte do império romano era o grego.

As ênfases teológicas desse evangelho já mostraram que o autor possuía bom conhecimento do AT e também boa capacidade de reflexão teológica. De onde um cobrador de impostos adquiriu esse conhecimento? Ele provavelmente não estudou com um mestre da lei entre os judeus, como Paulo. Mas teve três anos de estudo teológico com o próprio Senhor Jesus. Será que isso não é suficiente para explicar a sua proficiência teológica?

A última objeção dos críticos à autoria de Mateus a ser mencionada aqui é o fato de que, segundo a teoria das duas fontes, Mateus dependeu de Marcos. Como pode um apóstolo depender de um discípulo de apóstolo? Esse argumento se torna sem valor quando observamos que (1) a teoria da prioridade de Marcos — e com isso a teoria das duas fontes — está sendo questionada e também (2) que a tradição da igreja antiga baseava somente as palavras de Jesus — e não os seus atos relatados em Marcos — no apóstolo Mateus.

Podemos concluir, portanto, que o primeiro evangelho recebeu o seu nome por causa do apóstolo Mateus, porque este, segundo a tradição da igreja antiga, registrou as palavras de Jesus que deram forma ao primeiro evangelho. A questão sobre quem tomou essas palavras e as editou juntamente com o material que também encontramos em Marcos precisa permanecer aberta.