Fundo Histórico do Evangelho de Lucas

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Fundo Histórico do Evangelho de Lucas


O evangelho de Lucas começa com um prólogo em que o autor se refere àquelas pessoas que fizeram relato oral ou por escrito sobre a vida de Jesus. Ao mesmo tempo, o autor explica que tipo de pesquisas ele mesmo fez e como registrou os seus resultados. Esse prólogo, é único no NT e por isso merece considerações mais detalhadas.

Que a Bíblia é a Palavra de Deus vinda a nós por meio de palavras de homens, raramente nos é apresentado de forma tão clara quanto no evangelho de Lucas. Para descrever a história do surgimento desse livro não precisamos nos basear somente em suposições. O próprio autor conta como surgiu a sua obra de dois volumes, o que pode ser verificado em Lucas 1.1-4. É evidente nesse prólogo que o autor dá importância à confiabilidade nos seus relatos.

Para alcançar esse objetivo ele se baseia em diversas fontes. Fundamental para isso são as tradições dos apóstolos, que foram testemunhas oculares do ministério de Jesus. Como “ministros da Palavra” eles relataram esse fato. Logo em seguida as suas palavras foram registradas. Muitos desses testemunhos escritos estavam à disposição de Lucas. Ele se aprofundou no assunto, testou tudo minuciosamente e depois registrou as conclusões de sua pesquisa num relato bem ordenado.

O objeto dessas diferentes fontes são as “histórias que aconteceram entre nós”. O que elas significam? O que não?

A palavra “histórias” pode significar fatos que de fato ocorreram, como também contos inventados. Quando falamos de histórias do jornal, dificilmente estamos pensando nas notícias sobre os fatos das primeiras páginas, mas antes nos contos que pertencem ao âmbito da conversação. O valor das afirmações dessas histórias não depende de os fatos terem acontecido ou não.

Quando, por exemplo, Lutero usa na sua tradução o termo “Geschichten” (histórias), isso leva a um mal-entendido; soa como se o conteúdo desse evangelho fosse de contos, cuja confiabilidade histórica não seria tão importante. É evidente que isso não é o caso, pois Lucas usa um termo grego aqui que pode ser melhor traduzido por “fatos”, ou “acontecimentos”. Paralelo a isto está o esforço do evangelista de verificar tudo cuidadosamente. O próprio autor dá muita importância à veracidade histórica.

Portanto, nesse evangelho estamos diante de fatos que realmente aconteceram. Que fatos estão em jogo aqui? O autor diz: esses fatos se realizaram “entre nós”. Ele mesmo não era testemunha ocular de Jesus. Por isso precisou se basear nos relatos dos apóstolos para poder falar sobre os fatos da vida de Jesus. Mas no caso do apóstolo Paulo ele era companheiro de viagem. Os fatos que lá ocorreram, ele mesmo vivenciou e por isso era testemunha ocular deles. Sendo assim, ele não escreve somente o evangelho, mas, num segundo volume, retrata a vida dos apóstolos (Atos dos Apóstolos, cf. At 1.1-3). Quando fala de “fatos que entre nós se realizaram”, está falando em dois aspectos: os fatos da vida de Jesus e o ministério dos apóstolos depois de Pentecostes. Para escrever o primeiro livro ele dependeu de relatos de testemunhas oculares.

Desde que existe a igreja de Jesus Cristo, a tradição dos apóstolos é propagada por meio dela (At 2.42). O que os apóstolos ensinaram? A condição para o seu chamado era ter acompanhado a Jesus durante todo o seu ministério (At 1.21,22). Tinham de ser capazes de relatar como testemunhas oculares o que tinham experimentado com Jesus, o que tinham ouvido e visto com ele, e o que as suas mãos haviam tocado (1Jo 1.1-4).

Por isso o seu ensino não consistia de reflexões teológicas profundas — isso ficara reservada a Paulo —, mas de relatos simples dos acontecimentos na vida de Jesus. Nesses relatos cada apóstolo colocou as suas ênfases, como a comparação entre os evangelhos já mostrou.1

Visto que a igreja primitiva desde o início falava duas línguas, o aramaico e o grego (cf. At 6), logo o ensino precisou ser apropriadamente editado em língua grega. Não demorou muito para que o grupo que falava grego tivesse que abandonar Jerusalém na perseguição por causa de Estêvão. Os perseguidos se espalharam pela Judéia e Samaria e começaram a propagar a mensagem de Jesus Cristo. Mas os apóstolos permaneceram em Jerusalém e assim não puderam transmitir a tradição a respeito de Jesus nas novas igrejas. E quem o fazia? O autor dá uma resposta: no início, a tradição dos apóstolos foi transmitida oralmente. Muitos, então, tentaram preparar um relato baseado na tradição dos apóstolos. Esses relatos escritos, que se perderam para nós, eram conhecidos para o autor desse evangelho. Dele o autor tira informações importantes para a elaboração do evangelho. Mas ele não se dá por satisfeito com esses relatos.

Lucas diz expressamente que ele vasculhou todos os relatos e testemunhos cuidadosamente. Provavelmente ele foi se informar com as pessoas que tinham as informações. Possivelmente também encontrou ainda outras fontes escritas. O resultado de seu trabalho está no evangelho. Ele descobriu muitas coisas que não estão nos outros evangelhos, como as histórias sobre a infância de Jesus, a pesca maravilhosa e o chamado de Pedro, as parábolas tão marcantes da ovelha perdida, da moeda perdida e do filho pródigo, do agricultor rico, do administrador infiel, do rico e de Lázaro, do fariseu e do publicano e muito mais. Causa impacto especial a sua história do sofrimento, como mostram as palavras de Jesus na cruz que só Lucas registra. Não saberíamos muitas coisas sobre Jesus, se Lucas não tivesse se esmerado nesse tipo de pesquisa.

E por último, o evangelista menciona que reuniu todas as informações de que dispunha e as colocou em ordem, para assim apresentar o seu evangelho. Na comparação com Marcos e Mateus, que registram muitas coisas da mesma forma que Lucas, a parte central de Lucas resulta mais abrangente (9.51—19.27). Nesse trecho ele destaca o caminho de Jesus para Jerusalém, um tempo de preparo para o sofrimento. Muito do que é enfatizado por Lucas está nesse trecho. Nas outras partes encontramos uma ordem da tradição apostólica semelhante à de Marcos e Mateus.

Assim Deus usou um homem muito capacitado para instruir a sua igreja sobre os acontecimentos da vida de Jesus de forma confiável.