Comentário de J.W Scott: Números 1:1-54

comentário biblico de números I PARTE - A PREPARAÇÃO PARA A JORNADA ATRAVÉS DO DESERTO - Números 1.1-10.10

I. DISPOSIÇÃO DOS HOMENS PARA A GUERRA Números 1.1-2.34

I.a O recenseamento militar (Números 1.1-54).

É este capítulo que rigorosamente origina o título grego e português do livro inteiro, por descrever o recenseamento militar dos israelitas no monte Sinai, que considerava válidos para a guerra todos os homens com mais de vinte anos (3). Teve esta medida como finalidade determinar as possibilidades de defesa do Povo Eleito, e por isso foi logo tomada no início da jornada.

Assim no deserto desta vida deve o Cristão começar por examinar cuidadosamente os seus recursos espirituais, preparando-se assim para todas as eventualidades. Isto para não se pensar apenas que a fé é suficiente, embora seja vital e indispensável, não só para a salvação, mas ainda para todas e cada uma das fases da vida cristã. É certo que Deus, para as maiores empresas, pode escolher aqueles que em nada mais se fundam a não ser na sua fé, embora privados dos necessários recursos e até de inteligência, constituindo uma exceção à regra nos próprios arcanos de Deus. É que só n’Ele devemos procurar a força e a coragem para as nossas empresas; só d’Ele esperar o êxito das mesmas; só com Ele determinar com exatidão os recursos de que dispomos e só por Ele empregá-los para que tudo redunde em proveito para nós e glória para Ele. Lembre-se esta mesma verdade apresentada por Cristo na parábola dos talentos (Mt 25.14-30; Lc 19.12-27). Cf. também Lc 14.28-33.

Foi Davi censurado e severamente castigado por ter feito um recenseamento (2Sm 24 e 1Cr 21). À primeira vista, parece contradizer o presente capítulo de Números, sobretudo se repararmos que o recenseamento de Davi foi também de caráter militar, como este (cf. 2Sm 24.9). Apenas diferem na finalidade. Em Números determina o Senhor que se procurem saber dos recursos do povo, apenas que sejam executadas as Suas leis, enquanto que Davi recorre ao mesmo sistema, mas com o objetivo duma guerra agressiva, depois de já ter libertado o Povo de Deus. Neste caso foi o orgulho da glória e da força que pretendia levar a cabo uma conquista sem qualquer justificação. É, no entanto, difícil de determinar e definir exatamente cada um dos casos. O essencial é obedecer às leis divinas, que nos incitam a ponderarmos os nossos recursos e utilizá-los somente na causa de Deus, pondo de parte toda e qualquer ponta de orgulho que vise apenas aos nossos interesses.

1. DEUS ORDENA O RECENSEAMENTO (Nm 1.1-3). Tenda da congregação (1). A palavra hebraica moedh não significa propriamente "grupo de pessoas" ou "multidão", mas antes o encontro de Deus com Moisés ou de Deus com o povo. No primeiro dia do mês segundo, no segundo ano (1). Antes de mais note-se que esta data é apenas um mês após a montagem do Tabernáculo (Êx 40.17), que ocorreu precisamente um ano depois da partida do Egito. Vinte dias mais tarde começava o povo a abandonar o monte Sinai (Nm 10.11). Os primeiros dez capítulos narram muitos dos acontecimentos passados durante este período. Parece impossível que Moisés e Arão, apenas auxiliados por doze sacerdotes, tenham procedido a este recenseamento em tão pouco espaço de tempo. Cerca de nove meses antes (Êx 19.1; Êx 30.11 e segs.; Êx 38.26) ordenara Jeová o recenseamento do povo, procedendo-se a uma coleta de meio siclo por cabeça. O total era precisamente idêntico ao do recenseamento agora feito - 603.550, levando-nos a supor que Moisés tenha utilizado a estatística anterior, que começou uns meses antes, para dar os resultados completos.

2. A SELEÇÃO DOS CHEFES (Nm 1.4-16). De cada tribo foi escolhido um chefe dentre os mais destacados, para tomar parte nos trabalhos do recenseamento. Apesar de "chamados", não quer dizer que já antes não desempenhassem papel de relevo na respectiva tribo. Quanto à relação das tribos, não se seguiu a mesma ordem que no Gênesis (cf. Gn 29.32-30.24; Gn 35.16-18). À exceção de Levi, os filhos de Lia ocupam o primeiro lugar, seguindo-se os descendentes de Raquel e, por último, os quatro filhos das duas concubinas. Naassom, filho de Aminadabe e chefe da tribo de Judá (7), foi um dos antepassados de Cristo (Mt 1.4; Lc 3.32-33).

3. RESULTADOS DO RECENSEAMENTO. (Nm 1.17-46). É interessante observar a desproporção numérica das diferentes tribos, cuja ordem é idêntica à dos vers. 4-16, salvo Naftali e Aser, que mudaram de lugar e Gade que passou a ser nomeada logo a seguir a Simeão, quer dizer, em terceiro lugar, talvez por se encontrar muito perto de Rúben e Simeão no arraial (Nm 2.10-16).

Muitos leitores encontram certa dificuldade em compreender a grande população de Israel durante a travessia do deserto. Mas se considerarmos que as famílias eram então numerosas e que viveram largos anos no Egito antes da opressão dos faraós, chegar-se-á à conclusão de que tais estatísticas não devem ser exageradas, e que, aliás, não podemos deixar de ver neste acontecimento o manifesto poder de Deus sem o qual a travessia do deserto dum povo tão grande teria sido impossível (cf. Dt 29.5). Houve ainda quem quisesse evitar dificuldades tomando a palavra "mil" por "família" ou "clã". Mas como explicar os números exatos que também incluem centenas tais como 45.650 (25) na tribo de Gade, ou 603.550 soldados aptos para a batalha (46)?

Não é fácil preservar devidamente os algarismos em documentos antigos, que se copiaram por diversas vezes de abreviaturas quase ininteligíveis e, portanto, susceptíveis de dúvidas e incompreensões. Mas, por outro lado, sabemos que é relativamente pequeno o número de casos da Bíblia que possam ser problemáticos, tratando-se de algarismos, evidentemente. Dos primeiros quatro capítulos do livro de Números há apenas a registar uma possibilidade de erro na transmissão, derivado à perda duma letra no original hebraico, como mais adiante se verá. Cf. nota sobre Nm 3.39.

4. OS LEVITAS NÃO SÃO CONTADOS (Nm 1.47-54). Não foi incluída a tribo de Levi no recenseamento militar (49), por lhe ter sido confiada a missão de conduzir e cuidar do Tabernáculo (50-51), e a ele andarem ligados por compromissos de caráter religioso (53), não tendo lugar indicado de acampamento, mas sempre deviam assentar perto do Tabernáculo. Ampliação destas indicações encontra-se em certos capítulos a seguir.