Novo Comentário da Bíblia: Filipenses 1:12-26

comentario biblico da carta aos filipenses
III. A SITUAÇÃO EM ROMA Fp 1.12-26

Nesta seção Paulo revela vários fatos acerca de si mesmo e de seu trabalho evangélico em Roma. Os vers. 12 e 13 afirmam que ele estava na prisão, aguardando julgamento, cujo veredito poderia ser até mesmo a morte. Seus negócios (i. e., as coisas que me aconteceram), acerca dos quais o apóstolo sabe que os filipenses estavam profundamente preocupados, juntamente com as minhas cadeias em Cristo (13), combinam-se testemunhar sua prisão real. No vers. 20, Paulo revela inteira e francamente quão séria era a situação, com sucessivas alternativas de vida ou morte. Seu corajoso exemplo de pregar desassombradamente o evangelho, até mesmo como prisioneiro, serviu, contudo, para infundir ânimo no coração dos crentes da igreja, em Roma, a fim de que evangelizassem com um entusiasmo maior. O campo de ação missionária do apóstolo é por ele descrito como sendo todo o palácio e todos os demais lugares (13), lit. "em todo o pretório". A palavra pretório tanto pode significar o quartel-general de um acampamento romano, como a residência oficial do governador de uma província, ou mesmo a guarda imperial, um corpo escolhido de tropas especiais. No segundo sentido é ela empregada nos Evangelhos e Atos (ver Mt 27.27; Mc 15.16; Jo 18.28,33; Jo 19.9; At 23.35). Não há, contudo, evidência de que a mesma haja sido empregada como significando o palácio do imperador em Roma e é provável que, no passo bíblico citado, Paulo emprega o termo na significação de guarda pretoriana, que era comumente conhecida como o pretório. Tem sido levantada a suposição de que a palavra pretório, usada em Fp 1.13, foi empregada para significar autoridades judiciais diante de quem o apóstolo deveria ser submetido a julgamento, mas não há nenhuma prova de que o referido julgamento haja ocorrido no tempo em que a epístola foi escrita. Paulo, em sua casa alugada, estaria guardado por um soldado da guarda pretoriana (At 28.30) e, como este era constantemente substituído por outros da mesma corporação, não é de admirar que, em pouco tempo, o que ele pregava e ensinava a cada um, bem como a todos que o visitavam, fosse divulgado, não só no seio de toda a guarda pretoriana, mas por todos os demais lugares, penetrando até na Casa de César, como se vê em Fp 4.22, em que o apóstolo se apresenta como prisioneiro por amor de Cristo.

Evidentemente, Paulo contribuía para o encorajamento de dois tipos de pregadores, alguns de má e outros de boa vontade (15 e segs.). Entre os primeiros, certamente, estão incluídos os dirigentes da comunidade cristã, antes da chegada de Paulo, porque não obtendo a simpatia do apóstolo os pontos de vista que defendiam e os métodos que seguiam, logo se encheram de ciúmes dele, dada a sua influência. Os últimos eram poucas, mas nobres almas, que não julgavam a situação de Paulo como a de um indivíduo egocêntrico que buscava a sua própria glória, mas sim como a de quem se devotara inteiramente à obra do evangelho. Esses, portanto, alegremente, deram ao apóstolo todo o amor e simpatia, na perigosa situação em que se achava e a si mesmos se apresentavam como as mais corajosas testemunhas de Cristo. A reação de Paulo a essa rivalidade é magnânima. Os motivos que levam à proclamação do evangelho podem ser confusos e até mesmo destituídos da verdadeira dignidade, mas o que verdadeiramente importa é que Cristo seja anunciado (18).

Eu sei que disso me resultará salvação (19). Paulo estava confiante que no final sairia salvo. O termo salvação tem uma conotação muito ampla no Novo Testamento e Paulo via algo de espiritual em sua temporal libertação. Alguns estudiosos descobrem aqui uma citação de Jó 13.16 que, na versão dos LXX, diz: "Isto resultará em salvação para mim". Depois de passar pelo sofrimento da prisão e do julgamento, Paulo crê que será posto em liberdade, não apenas para seu próprio conforto, porém muito mais pelo triunfo e fortalecimento do evangelho. Dois fatores assegurariam aquele fim desejado: a intercessão dos filipenses e os recursos que lhe foram outorgados pelo Espírito de Jesus Cristo (19). Esta última frase é encontrada somente aqui no Novo Testamento, porém, há expressões semelhantes em vários outros lugares que põem fora de dúvida que, na mesma, deve ser compreendida a terceira Pessoa da Divindade (ver At 5.9; At 16.7; Rm 8.9; 2Co 3.17; Gl 4.6). A expressão que Paulo usa aqui compreende a doutrina que mais tarde foi conhecida como a "operação" do Espírito Santo do Filho junto ao Pai, como na famosa cláusula do credo filioque. Em nada... envergonhado (20). Que ele pudesse ser uma testemunha desassombrada de seu Senhor era a esperança do apóstolo, enquanto considerava estes dois fatores de sua salvação, isto é, a intercessão e a graça do Espírito Santo. Mas qualquer que fosse o veredito legal da corte de Roma, seu alvo era glorificar a Cristo, quer com o prolongamento de sua vida terrena, quer com sua morte iminente. A atitude de Paulo em relação ao resultado de seu julgamento é de perfeita submissão à vontade de Deus, ainda que sentisse que seria posto em liberdade. Mas a vida ou a morte terão o mesmo resultado - Cristo será glorificado (20).

O apóstolo, contudo, não é sobre-humano, a despeito de toda a sua confiança e não é, portanto, absolutamente capaz de banir a possibilidade de morte. Isto cria para ele um dilema: O que deva escolher, não sei, mas de ambos os lados estou em aperto (22-23). Mas se eu vivo na carne, isto é o fruto do meu trabalho (22; gr. touto moi karpos ergou). Várias interpretações têm sido dadas a esse trecho.

a) Ficar na carne pode ter a significação de "fruto" ou de recompensa de seus trabalhos no evangelho. Sua conservação em vida seria uma recompensa por seu trabalho no passado;

b) Essa versão e interpretação do grego não é satisfatória, porquanto a última coisa que o apóstolo considera e assim mesmo como não tendo valor algum é o mérito humano e em nenhuma parte ele emprega a palavra "fruto" com a significação de recompensa por um trabalho feito; c) A versão mais simples transmite o pensamento geral do apóstolo: "Mas se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, não sei então o que hei de escolher". A tradução do Dr. J. W. C. Wand apresenta o discutido trecho na seguinte forma: "Para mim, na verdade, a vida tem a significação de Cristo e a morte me traria uma grande vantagem. Mas também como a existência física dá uma oportunidade de trabalho frutífero, eu dificilmente sei o que preferir".

Eu estou em aperto de ambos os lados (23). O verbo é synechomai, que significa ser constrangido ou pressionado. É ele encontrado também em Lc 12.50; At 18.5 e 2Co 5.14. Duas forças poderosas agiam nele, tornando-o imóvel em ambas as direções. Pessoalmente, todo o seu coração se inclinava para estar com Cristo, na felicidade de uma vida eternal perfeita; mas, ao mesmo tempo, a necessidade urgente de seus filhos na fé prendia-o à vida terrena e ao privilégio de seu trabalho. Da expressão do pensamento do apóstolo aqui, embora conciso, pode afirmar-se com segurança que ele não admitia nenhum dogma ou doutrina a respeito de um estado intermediário. Seu pensamento é mais semelhante ao relatório dos teólogos de Westminster, quando afirma que "as almas dos crentes que dormern no Senhor tornam-se perfeitas em santidade e imediatamente passam para a glória; e seus corpos, sendo unidos com Cristo, permanecem na sepultura até o dia da ressurreição" (cf. Hb 12.23; 2Co 5.1,6,8; Lc 23.43).